sábado, 28 de março de 2009

Tempo Perdido - Ana Kita

"Eu lhe vejo como uma menina", ele me disse. Pois bem, o que ele esperava que eu fosse? Qual aparência queria que eu tivesse? Quando ele passar dos quarenta sei que desejará menininhas, e elas não o vão querer. 
Hoje lhe contei sobre meus sentimentos, enquanto me olhava distante. Pediu que eu aproveitasse a juventude com as pessoas da minha idade. Não sou uma boneca, posso sentir! Eu o olhava nos olhos e ele fugia, segurou minhas mãos, beijou-as e desejou-me boa sorte. Falou tanto no meu futuro, como se eu não tivesse presente. Como se eu, uma lagarta num casulo, devesse esperar a fase adulta.
Não sou de vidro, pode me tocar! Tentei me controlar ao máximo, mas não contive minhas revoltas. Ele foi injusto e insensível. Teve a ousadia de me dizer que podia me machucar, tentei argumentar, afinal eu o desejo, mas foi em vão. Ele estava irredutível falando sempre em culpa, em medo, em eu me arrepender. Queria que ele se arrependesse de ser tão duro. Não sou criança, faço minhas escolhas! Ele conseguiu me calar quando riu, foi sarcástico. Disse-me que eu não sabia o que fazia, que eu não podia querer o que eu não conhecia. Odeio essa posição de superior, ele podia ser tão experiente quanto meu avô que ainda não teria o direito dessa prepotência.
Não sou de gelo, pode me amar! Eu podia ter falado por horas, ele não ouviu nada. Quando eu dei uma trégua, ele começou a repetir. Ainda acrescentou que seria egoísmo estar comigo, pois estaria me privando de experiências juvenis, assim como seria errado me enganar. Não sou uma parede, eu ouço, eu falo! Gritei com ele. Agora que a raiva passou me arrependo, mas ele parecia não me ouvir. Falava, falava e falava. No entanto, tudo que eu dizia não o tocava. Não esperava mudar sua opinião, seu "caráter", como ele se referiu, só queria que ele me entendesse. Desejava que ele se compadecesse e repensasse sua postura. Não consegui.
Amanhã ele deve falar comigo como se nada tivesse acontecido, talvez me pergunte se estou mais calma. Desisti de tentar convencê-lo ou pelo menos fazê-lo ouvir. Acho que é um defeito masculino essa falta de visão global. É tão difícil ver uma situação por ambos os lados? Enquanto ele teme se envolver com uma menina, eu preciso lidar com o afastamento do meu melhor amigo e a rejeição do homem que desejo. Fiquemos assim, finjamos que nada foi dito e continuemos amigos, claro, mais distantes, o tempo não volta.
 

Outono, 2009.

-> Revisado em 4 de julho de 2010.

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