quinta-feira, 27 de outubro de 2011

Desafio das outras casas, claro - Ana Kita

    Uma televisão e uma transmissão esportiva: pronto, os monstros acordam!

Ana Kita

Fragmentos únicos de dois

“Eu não quero mais falar com você, pois tudo o que falo sai feito plástico retorcido.”
“Eu lhe escuto muito bem.”
“Esse é o problema: você é todo plástico retorcido.”

 (Philipe Macedo Pereira)

Este texto faz parte de um projeto de escrita coletiva intitulado “Fragmentos únicos de dois”, criado por Amanda Correa, eu, Eduardo Silveira e Philipe Macedo Pereira.

quarta-feira, 19 de outubro de 2011

Manhã de mim - Ana Kita

   Às vezes amanheço só medo. Medo de que o relógio dele não mais o desperte, medo de que o apaguem de mim. Seria um dia sem cor se meu medo se realizasse, os cães não mais latiriam e ninguém passaria na frente da minha janela a fim de me mostrar se está frio ou calor. Eu tomaria banho como todos os dias, mas não cantaria. Tomaria meu café e não sentiria gosto ou prazer. Sairia pra trabalhar, talvez esquecesse o caminho, não daria bom dia às pessoas que fosse encontrando. Abriria a porta e a janela e acenderia a luz e ligaria o computador e leria o recado sob a mesa e atenderia o telefone e faria o meu trabalho. O tempo passaria sem eu notar pressa ou lentidão, só comeria quando desse a hora e meu estômago roncasse. No fim do dia, quando para casa eu voltaria, a televisão já não me agradaria, o sono viria e nem o livro de cabeceira conseguiria minha atenção. Assim seriam todos os meus dias, sem suspiro nem arroz doce.
    Foi só depois de ouvir Antes do Depois* que me dei conta do quanto preciso dos doces e dos fôlegos. Eu sempre os desejei, mas nem sabia como nomeá-los. Jamais parei para pensar como não podem me faltar - o que seria de mim se isso acontecesse? Eu nunca quis ser pastel de vento, mas me tornaria. Todas as leituras, conversas, risadas e choros naufragariam junto de todas as coisas sem importância que deixamos para trás. Canetas, guarda-chuvas e cinzeiros. 
   Há manhãs que junto do sol vem a vontade. Visto-me toda dela e saio à rua sorrindo. Mando uma mensagem dizendo que ele é muito amado, ainda que ele saiba. Compro um chocolate, canto a música do elevador. Aprendo tanto no trabalho que nem vejo a hora passar. Admiro o colorido do meu prato na hora do almoço. Decido voltar a pé para apreciar a primavera. À noite, passeamos de mãos dadas, sem destino nem hora para voltar, depois de um beijo revelo minha vontade. Ele ri, aquele riso tímido e cúmplice que só eu sei despertar. Pede-me paciência, prometendo que ainda seremos muito felizes. Eu também rio, confio nele. Dormimos com as estrelas sobre nossos olhos.

Ana Kita

*QUEIRÓS, Bartolomeu Campos de. Antes do Depois.

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

Confissão de pesquisa - Ana Kita

   o título ficou meio sem pé nem cabeça, penso eu. mas, que fique assim mesmo, pois é da minha pesquisa que quero falar e não deixa de ser uma confissão. a confissão não é a pesquisa, fique isso claro, ou não. minha pesquisa é a morte na literatura infantil e juvenil. num primeiro momento buscar obras que tenham a temática e livros teóricos que discutam o acontecimento e seu efeito. depois vem várias etapas de separação e classificação, para enfim expor meus resultados. tá, só queria compartilhar isso pra poder pedir indicações. sugiram livros a mim!
   o que faz ser confissão começa agora. na verdade, nas últimas semanas, quando comecei algumas leituras indicadas por minha orientadora. acontece que pra alguém sensível e emotiva feito eu, que perdeu o pai há dois anos, ler a morte na literatura infantil ou juvenil é impactante. minha mãe me julgou louca, talvez eu seja mesmo. mas, nunca gostei e me empolguei tanto com leituras. tenho lido de dois a cinco livros por dia, salvo domingo e feriados (risos), em que tenho relaxado com outro prazeres. e chorado muito. sim, qual o problema? chorar também é bom. às vezes eu digo e acho que pouca gente realmente entende: chorar a dor dos outros pode ser alegrar-se por sua própria vida. no caso da literatura eu me sinto bem assim, gosto de me envolver e sofrer junto às personagens, porque termina, e minha vida continua bem, entende? é claro, que muitas dessas leituras me fizeram pensar na morte do meu pai, na sua ausência, na minha saudade, mas, é como trazer aquele usual clichê (quase sempre modificado, mas com o mesmo sentido): "não foi só você que precisou superar isso". bom, e eu vejo que superei sim. lido na boa com a morte, não estou até pesquisando sobre? e vivo. é isso que minha pesquisa quer defender. o bem viver exige a boa compreenção da finitude da vida, a literatura pode ajudar. eu acredito. sinto-me melhor e melhor a cada bom livro (que me faz chorar, sim).

Ana Kita