quarta-feira, 30 de junho de 2010

A menina em Laura

Laura vai ficando vermelha, angustiada. Braba, eu diria. Eu não quero. Não gosto da beleza que tem assim. Ainda que linda, sei que faz mal a ela. Ela me culpa. Quem não culparia? Talvez seja mesmo minha culpa. De hoje, do passado. É possível que eu tenha sumido com a menina. Mas, como eu poderia? Como matar quem amei? Não morre, não mata. Não se deixa de amar. Ela vive em mim, devia viver em Laura, mas vive em mim. Laura não sabe, talvez desconfie. Eu ainda a amo. Eu penso que é a menina que traz Laura aqui. Sim, a menina que já não vive nela, mas permanece em mim. É a saudade, a ausência, que ela sente sem entender.
Assustei-me. Laura disse que me ama. Agora, agora que já somos tão distantes. Agora que é mulher e que esquece a menina. Agora que tem os olhos cansados e os esmaltes por tirar. Agora que continua tão linda, tão segura de si, de coxas tão brancas e grossas, de olhos intensos e rosto angelical. Por que agora? Eu fico calado ao invés de perguntar. Ela não gosta. Volta a cantar, cantar para mim, para me atingir. “Toda noite de insônia eu penso em te escrever, pra dizer que teu silêncio me agride e não me agrada ser um calendário do ano passado” canta. E Humberto Gessinger canta dentro de mim. Não só agora, todo o tempo.
Continuo a agredir. Assim com o silêncio, assim cheio de pensamentos. Porque faz tempo, muito tempo. Porque ela agora é distante e mulher e linda. Porque continua sedutora e decidida e minha. Acho que sou eu. Sou eu quem não sabe como agir. Se eu continuo imóvel e em silêncio não é por maldade. Não é crime, é erro. É falha de ser humano, de quem muito quer e nada sabe. Ela vê, mas não quer entender. Eu também não iria, no seu lugar. Ela se aproxima meiga, como nunca vi. Não pisa firme em seu salto agulha. Não quer seduzir, quer abrigo. Mas, eu penso que não sei mais ser aconchego.
É quando seu corpo se aproxima do meu que volto a ter minha menina. Por um instante, de olhos fechados. Eu a abraço, eu a sinto, eu cheiro seu cabelo. Dou um beijo na testa e a perco, mais uma vez. Laura me olha preocupada. Pergunta se não vou lhe responder. Meu silêncio consente. Ela então muda a pergunta, num tom ainda mais inquisidor. Quer, a todo custo, que eu diga o que mudou. Se eu soubesse tentaria solucionar, seria mais fácil. Difícil demais explicar, peço que desista. Laura nunca desiste, e eu sei. Eu admiro.

Ana Kita

terça-feira, 29 de junho de 2010

Menina Laura

Meus quereres são inúteis perto de Laura. Sempre foram. Mesmo ainda menina, era sempre ela quem mandava. Mandava em mim, mandava nos outros. E eu gostava. Ah, como eu gostava. Era alguma coisa entre os olhos convictos e o corpo atraente. Talvez até a voz, sempre decidida. Tão linda. Ainda hoje é muito disso. Mas, já é tão outra. Não é mais a minha Laura, é... a Laura.
Ela desistiu de me perguntar. Sei que não desistirá das respostas. De obtê-las, e as terá. Ela sabe que não gostará delas, mas as quer. De qualquer maneira. Isso me angustia. Devia eu fugir, fugir de mim. Seria inútil, ainda sou dela. Como no começo, como sempre.
Acho que é a primeira vez que a vejo assim. Os esmaltes gastos, o cabelo preso em desalinho. Até os olhos parecem pedir descanso. Por quê? Queria saber por que. Fiz falta? Está braba? Triste? Só insônia? Não queria ser redundante, mas volto a elogiar seus olhos. Sim, seus olhos. Quando me questionam já não são tão azuis, tão imensos... Mas, continuam lindos. Ainda me fazem sorrir, ainda me pedem que eu me entregue, mergulhe, invada-os. Laura não quer, ou diz não querer. Seus olhos... a traem. Seus olhos ainda me desejam. Eu sei, eu sinto. Mesmo quando fecho os meus, quando abaixo a cabeça. Eu irrito Laura. Ela grita, implora que eu fale. Diz que meu silêncio a machuca, que para quem só queria seu bem, tenho lhe feito muito mal. Eu sinto muito. Não digo, mas sinto.
Eu sinto que chegamos a um beco, sinto que ela busca a saída. Eu, talvez mais coerente, desisto. Desisti a muito tempo. Talvez quando Laura virou mulher. Eu gostava da menina. Era a menina que segurava minha mão quando tinha medo, não confessava, jamais confessaria, mas eu sabia, comigo ela se sentia segura. Era a menina que se lambuzava com sorvete, eu gostava de limpá-la. Ela ficava envergonhada, sorria tímido. Tinha vergonha de mim? De se sujar ou de eu limpá-la? Não me importava saber. Eu gostava era de vê-la sorrir. A menina sorria tanto, o tempo todo, por qualquer motivo. Um dia, mesmo em seu sorriso, eu vi que já não era a minha menina. Ela não falou nada, não era preciso. Ambos sabíamos. Ainda hoje a vejo esconder. Inútil. Ela sabe que eu sei. Deixou de ser minha menina e é por isso que hoje quer tanto minhas respostas. Não as quero dar, e digo.

Ana Kita

-> 2.

Carta ao pai 5: Lembrança e vida

Joinville, 29 de junho de 2010.

Pai,

ontem antes de dormir fiquei curtindo a lembrança mais viva que tenho de você em minha infância. Parece bobo ou até cruel, mas eu penso assim quanto a ela, sim. Volta e meia eu conto ela a alguém, e penso que nunca lhe contei. Estranho, né? Na verdade, não, pra mim não parece tão estranho. Gosto de contar, contar aos outros. Para os outros parece engraçado, divertido saber. Para você, eu sempre vi como errado. Não errado errado. Mas, errado. Acho que quando eu tiver meus filhos se eles pensarem algo assim, trarão a mim certa tristeza,  como se eu não tivesse marcado a infância deles positivamente. Mas, sendo eu quem lembra, digo que não é assim. Você marcou muito minha infância - minha vida, na verdade, mas, a infância também, é claro, o problema é a memória -, e, por acaso ou destino, esta foi a lembrança que mais marcou minha memória. Que posso eu fazer, pai?
Enrolei, enrolei, sem que ter dito a tal lembrança, não é? Desculpa, pai. Empolguei-me. Lembro-me do nosso apartamento, onde morei por tanto tempo, mas onde moramos por algum tempo. Um tempo curto e distante que o tempo quase apaga de minhas memórias. Quando falo a minha mãe desta lembrança ela quase se assusta, ela não lembra tão bem quanto eu. Mas, pai, a tal lembrança viva é você adormecendo no sofá (sofá-cama, se não estou enganada você levou a Curitiba anos mais tarde e até eu dormi nele) e seu copo com um restinho de café na estante. Lembro ou talvez eu tenha criado a ideia de eu ter pego seu copo e levado à cozinha. Já não sei, faz tanto tempo. Não sei se foi uma única vez, se aconteceram algumas vezes, ou se era mesmo frequente. Eu era muito nova naquele tempo, talvez nem conseguisse alcançar o copo. Penso que sim, gosto de pensar assim.
Ontem, à noite, enquanto eu lembrava e pensava em lhe escrever contando, deu um tristeza, confesso. Uma tristeza de querer e de lamentar não ter querido antes. Queria ter lhe perguntado sobre esta lembrança. Já que minha mãe quase não a compartilha, podia você, o mais envolvido, lembrar. Ou não, afinal você dormia. Mas, podia lembrar e eu queria saber. Devia ter lhe perguntado. Mas, pai, não se aflija, não. Eu mesmo já me conformei. Deixa assim mesmo. Só lembrança minha, coisa que conto por aí. Coloco em contos e lembro, mais ficção que passado. Acho que é sempre assim, pai. Vamos criando uma porção de coisas junto à memória. E não acho ruim. Fica tudo tão bonito. Uma mistura de paisagem e sonho. Grande repertório para livros e motivação de sorrisos. Meus, dos outros, e queria também que seu.

Escrevo-lhe mais, em breve.
De todo coração,
sua primogênita, Ana.

sábado, 26 de junho de 2010

Laura?

Laura, um dia fora sorridente, hoje pálida me olha questionadora. Eu não sei que respostas ela espera, mas sei que não as quero dar. Por trás de seus olhos, agora tão cinza, eu vejo aquela menina. Uma menina que muito brincava e fazia com que eu me apaixonasse. Seus cabelos pretos e longos continuam emoldurando seu rosto angelical. Seus dentes tão brancos e tímidos algumas vezes ficam a mostra, enquanto os grossos lábios me convidam a sorrir. Ela é tudo que fora, mas já é tão outra. Não pertence mais a mim, não confia em mim. Permanece a me olhar pedindo algo que não quero dar.
Seu maior defeito foi ter sido mimada. E eu sei que também tenho culpa nisso. Ela quer tudo e quer agora. Ela precisa de respostas, decide pela falta de possibilidades e me repreende se deixo subjetivo. Ela esqueceu como eu gostava que dançasse, sua cintura se movimentando e meu desejo de tocá-la. Ela não canta mais, quebrou os discos, apagou as letras, cortou as cordas. Não acordou cedo nesta manhã e tampouco apreciou o sol. Tanta coisa se perdeu nela, em mim. Fazia tanta questão que fôssemos aos museus, andássemos na rua de mãos dadas e sonhava com o dia que visitaríamos o zoobotânico.
A perna, nervosa, não para de se agitar. Eu gostava desta visão. Ideia de que ela ansiava por mim, ficava nervosa em minha presença ou que me queria mais perto. Hoje é só um movimento chato que tira minha atenção. Suas coxas ainda são grossas e brancas. Grossas e visíveis me davam tanto desejo. Eu quero ir embora, fugir de seus olhos indagadores. 

Ana Kita

-> Este texto é um ensaio. Um ensaio de um texto, de um romance, de um porção de textos. Deixem suas opiniões, seus sentimentos, até ideias. Vamos vemos no que tudo isso dá, ou, SE dá.

Quanto aos ciúmes e às distantes crueldades

Ela é simpática, sempre bem disposta. Fala alto, sempre arrulha suas ideias como as melhores e não permite aos outros refletirem sem sua risada. Riso aberto, gestos largos.  Ela finge nada fazer enquanto não para de se esforçar para ferir, nutrir e atrair. Seu canto me incomoda. Parece amável e prestativa, quando, na verdade, é estrategista e inculta. Um anjo tão perverso e temente a revolta dos céus. Implora o abraço do semelhante para que não se sinta tão alheia.
Ele nada vê e hoje me dirá que sou louca, ao menos estou. É ele que não me permite liberdade. Como garoto alienado caiu nas redes dela, mas eu não acredito. Esqueceu o valor da verdade e das coisas que preservava. Pode hoje dormir sem preocupações, coisa dela isso, mantem o sorriso sem motivo e ele se motiva a acreditar. O que o encanta nela é distorção da luz que ele próprio reflete. Queria eu entender esse, já não tão, egoísmo, se apaixonado. Apaga seu passado pouco a pouco e feliz vive. Durmo eu mais uma noite chorando com as estrelas a se apagar. E quando acordo descubro que não era sonho, fora uma raiva de momento. Talvez seja tarde, ou eu a pessoa errada, para o resgatar, incansável eu tento enquanto ele tenta dormir. Ela ainda vive nele e espero que o tenha feito muito feliz.

Ana Kita

-> Como eu expliquei na faculdade hoje quando me perguntaram o que eu escrevia (a ideia que gerou este texto, embora com outras palavras): É só um texto cruel.
-> Revisto em 4 de julho de 2010. Há crueldade e crueldade, não posso me perder entre elas.

sexta-feira, 25 de junho de 2010

Canção: Melhor assim - Engenheiros do Hawaii

 Composição: Humberto Gessinger

foi cruel, mas foi melhor assim
sei que dói quando chega o fim
dores que ninguém nunca sentiu
é o sentimento mais comum
já vi o fim do mundo algumas vezes
e na manhã seguinte tava tudo bem
melhor pra você se ela foi embora
melhor assim
digo de coração: muito melhor assim
mas talvez fosse melhor ficar calado
já vi o fim do mundo algumas vezes
é o sentimento mais comum
melhor pra você se ela foi embora
melhor assim
foi o fim de uma viagem... o guia estava errado
mas há estrelas atrás das nuvens
no céu da pátria nesse instante
há um porto escondido no coração do viajante
melhor pra você se ela foi embora
muito melhor assim

Quanto ao leitor e à longa vida


Um leitor, incontáveis.
Por que como Machado tantos se referem a ti, leitor, como amigo? Pode não te ver, e provavelmente não saberá quem es, quem fostes. Contudo, o ingênuo (por ser romântico) escritor - de qualquer tempo - delicía-se com a ideia de que será lido. Ainda que sejam os bilhetes, para sempre guardados, mesmo estes serão lidos. Sob pouca luz, quando todos estiverem dormindo, o próprio que escreveu lerá com os olhos úmidos e o coração a disparar.
Como não te ter como amigo? Tu, só tu e ninguém mais, acompanhas-me nas altas madrugadas e durante todo o dia. Quando as aves noturnas caçam e as matutinas dormem o último cochilo, escrevo para ti. Pra ti que ao acordar ou antes de dormir me lerá. Sentirá em teu corpo as emoções que trago no meu. Quando torpor for: volte a me ler, num outro dia, sob outra luz. E espero que a emoção de meu ser volte a te percorrer.  
Minhas páginas voltes a ler, meus olhos voltes a ver, meus sorrisos voltes a ter. Meu amor voltes a ser.
Es tu, leitor, o fazedor da arte. Não es parte, es o todo. Como disse um escritor amigo meu, todo escrito é uma página em branco se não houver alguém a ler. Sou uma menina a escrever até que chegas com teus olhos prestativos e faz de mim poesia. É em ti, e só em ti, que meus sentimentos criam a vida. Estas letras uma vez unidas só fazem sentido quando tenho a ti. É de ti que elas ganham a luz que precisam para serem sentidas. São agora por mim, serão sempre que quiseres por ti. As palavras já não são minhas, pertecem a nós, leitores. Sou tanto quanto tu. Portanto tua. Do momento que me lê (ou lê comigo) até o momento em que me esqueces, por isso te peço: volte.

Ana Kita

quinta-feira, 24 de junho de 2010

Quanto à ausência de cores e às palavras que tudo sentem

As palavras podem chorar por mim?
Pergunto-me. Respondo escrevendo minha dor. Olhos ardidos sem que o grafite na folha tenha causado. Talvez o cigarro que a pouco era queimado. Talvez não. Uma lembrança cruel, uma canção cortante, o frio... A ausência egoísta, o luar amarelo-cintilante, uma gripe invernal.
Se as estrelas me falassem qualquer poesia bonita que tirasse minha melancolia. Se a brisa noturna trouxesse qualquer abraço reconfortante. Se a canção acordasse a tal esperança de ser para sempre feliz.
Ah, maldito condicional, na vida é o que é. Sinto e vivo, ou não. E não mais o sinto em minha vida, em meus dias, quase foge dos meus sonhos. Sem amor sou uma folha em branco, um tronco apreendido pela polícia, uma semente sobre o asfalto. Uma gota de mar num pote vedado, uma fotografia do céu escuro, um aroma de flor morta.
"Volte a ser o meu ar..." peço-lhe com a música que toca num rádio de outro apartamento.

Ana Kita

Quanto ao amor e às aulas

O que escreveria uma menina durante esta enfadonha aula de morfologia? A maioria dos meninos pensa o que fazer para não se chatear. Alguns conversam, uns poucos leem, outros tantos escrevem. Escrevem? Escrevem o quê? Anotações da aula, quem sabe.  Lições da última aula, provavelmente. Um poema de amor, com sorte. A menina presta tanta atenção na aula quanto nas palavras negras que escreve. Ninguém a nota, ninguém se importa. Tampouco ela se interessa com o que podem pensar da escrita dela. Escreve por vontade, por necessidade pessoal, com sorte, por amor.

A mão da menina não para de se movimentar. Os lábios gesticulam fragmentos. O brilho do olhar demonstraria a alguém atento que escreve com paixão, contudo ninguém para ver. Possivelmente apaixonada pela literatura e/ou pelo poder das palavras. Cabe às palavras silenciar sua paixão a alguém. Encantada com as palavras não se priva a poucos versos, pelo contrário, exige sua liberdade expressando-se em prosa. A folha, a pouco em branco, vai se embelezando com as formas arredondadas da menina apaixonada.

É só lhe ver.
Assim que meus olhos lhe alcançam, você passa ser minha literatura. Minha canção, minha luz e meu ar. Como seguir sem você? Sua imensidão, seu movimento, sua maresia, seu brilho... Em qualquer lugar que haja você, sou pequena. Sou apaixonada e lhe pertenço. Escrava de meus pensamentos, livre de meu corpo. Uma andorinha de asas machucadas. Uma criança a sonhar. 
Não vejo fronteiras, não tenho limites, se o tenho comigo tudo é pouco para impedir meu sorriso. Não conte aos outros de mim, ninguém pode entender o que existe em nossa dimensão. É intenso demais para estes pobres olhos sem coração. Não se incomode em tentar explicá-los, não se trata de algo que possa ser entendido. Cabe apenas a mim e a você haver. 

Ana Kita

-> Escrita de uma aula nem tão enfadonha, já que produtiva.

quarta-feira, 23 de junho de 2010

Carta ao pai 4: Inverno e afetividade

Joinville, 23 de junho de 2010.

Pai,
O inverno chegou. Chegou frio, um frio fino, como escreveu Adélia Prado. Gosto tanto desta busca incansável por casacos e cachecóis, e a beleza das pessoas entre tantas roupas, e a união das pessoas tentando aquecerem-se, e o amor no ar. Ah, pai, o inverno é tão lindo. Mesmo cá, sem neve.
Eu fico sempre mais delicada, carente, sensível aos que me querem bem. Talvez sejam os dedos gelados no teclado, talvez a vontade de um abraço. Contudo, é certo que não há outra época no ano em que o afeto seja tão essencial. Filme embaixo da coberta, chocolate quente, viagem pela serra, conversa na lareira, dormir de conchinha...
   Ah, a afetividade para aquecer-nos, hein, pai? Você foi um grande mestre para mim neste assunto... Lembro-me muito bem de nossos longos cochilos pós-almoço. Os filmes a que assistíamos juntos debaixo de cobertores de pêlo. Tempo tão bom, pai. Sentirei saudade, muita saudade. Espero um dia ter comigo alguém que possa ser tão especial e essencial nestes dias de inverno quanto você foi. Confesso, baixinho como Quintana, que hoje penso num amor "homem-mulher", já que este lindo amor paternal não está ao meu alcance carnal.

Escrevo-lhe mais e mais.
De todo coração,
sua primogênita, Ana.

-> A escritora se recusa a seguir a Nova Ortografia no vocábulo "pêlo", que perdeu o acento diferencial. Segundo a Nova Ortografia, ambos sem acento: pelo.: substantivo / pelo.: contração da antiga preposição "per" + artigo "o".

terça-feira, 22 de junho de 2010

Quanto aos dias ruins e à paz além

Joinville, 22 de junho de 2010.

     Meu amado,
  Hoje é um daqueles dias. Não se preocupe, tenha calma, leia a carta inteira. Não digo de alguma data que devia ter lembrado. É um daqueles: dias ruins... Não digo daqueles mensais dias ruins. Embora também tenham certa frequência no meu calendário. Peço desculpas. A você e a mais ninguém. Pois você sim está ao meu lado, tenta me aguentar mesmo quando parece impossível. Você sim merece meu respeito, minha compreensão e minha doçura diária, hoje tão extinta.
  Escrevo-te porque sei o quanto é difícil conviver comigo nestes dias. Tenho consciência, contudo não vejo modo de mudar. Tenha paciência, logo passa. Prometo-lhe. Faço as juras mais honestas. Aquelas que não dizem mais do que posso. Dizem das minhas falhas e das minhas faltas, falam das minhas recompensas, dos dias que virão. Juro o amor pleno que sinto, o sorriso imenso que mostro, o brilho intenso que tenho, o mês feliz que vivo, o livro poético que leio, o texto verdadeiro que escrevo, o beijo apaixonado que guardo.
   Beije-me! Beije-me enquanto brigo. Não ouça as bobagens que digo. Não veja as estupidezes que faço. Tampouco sinta os temores que sinto. Se me calo, se não compartilho não é por falta de amor, de confiança. Eu preservo o que temos, o que sentimos. Sei dos dias lindos que vivemos e das belezas tantas que nos esperam. Ocupe meus lábios, prenda meus braços aos seus, junte seu corpo do meu e todo mal deste dia há de passar. Juntos amanheceremos num novo dia de sol. 

Com todo meu pleno amor,
sua amada.

Texto sobre... Educação - Luís Augusto Fischer

A professora assaltada
                                  LUÍS AUGUSTO FISCHER

Ao ler a notícia da professora assaltada por um seu aluno, semana retrasada, o senhor pensou que finalmente estamos no fundo do poço, não pensou? Pois o senhor está enganado. O fundo do poço já passou faz tempo; agora é pré-sal e sabe lá o que mais, num caminho de degradação da condição de professor que não parece ter fim.

Foi numa escola estadual, mas poderia ter sido numa municipal, em Porto Alegre ou em outra parte, tanto faz; o aluno queria dez pilas para comprar droga, mas poderia ser para comprar pacote de figurinha da Copa, tanto faz. O certo é que nós professores estamos na linha de frente, na linha de tiro. Não eu pessoalmente, que sou um privilegiado por lidar com alunos universitários, que em regra ainda reconhecem naquela figura ali, com o caderno de chamada na mão, alguém que vale a pena ouvir; estou falando da generalidade dos professores.

E quase tanto faz ser de escola particular ou pública: naquela, a agressão do aluno é menos física – trata-se de constranger o professor em sua condição de empregado, que está ali não para educar, mas para paparicar os clientes, que têm a seu lado a razão da grana –; na escola pública, a agressão é menos mediada, mais direta – trata-se de constranger o professor em sua condição genérica de cidadão honrado que traz consigo a tradição, o conhecimento, o mapa da mina, e é pago pelo Estado para oferecer isso tudo às novas gerações. Tem coisa pior que essas duas ordens de constrangimento?

Talvez tenha, e por isso pensei em escrever este texto revoltado. Entre as variáveis sociais e culturais dessa opressão, figuram coisas superiores às forças dos gestores da educação: é o caso da droga, da criminalidade disseminada, das inacreditáveis facilidades que a lei criou para agressores consumados. Isso tudo está fora do nosso alcance. Mas há um inimigo do professor e da educação que está, ou deveria estar, ao alcance do gestor da educação. Esse inimigo é a mentalidade anti-intelectual e anticientífica de grande parte dos pedagogos e dos próprios gestores da educação, em nossos tempos.

Sabe onde se esconde esse inimigo? Na recusa à cobrança de conteúdos. No repúdio à prova de conhecimentos. No menosprezo à leitura de livros clássicos. Na ridicularização do professor que quer dar aulas expositivas. No endeusamento de parcialíssimas premissas do dito construtivismo. Na fantasia da aquisição e da construção do conhecimento como coisa indolor e acessível aos que não se esforçam.

Este inimigo – repito, para não comprar a briga errada – é uma mentalidade, que está no poder e que se expressa pela voz dos pedagogos, na maior parte das vezes, e não na dos professores. Combater esse inimigo é parte indispensável da luta pela restauração da dignidade do professor.

-> Texto de hoje no jornal Zero Hora. Descobri por um tweet de um twitter em nome de Humberto Gessinger que sigo, mas do qual não me atrevo atestar sobre a veracidade.

Um pouco de humor, feminino!

Manual para a romântica encalhada solteira ingênua 

1- O chavão serve: Antes só do que má acompanhada!
1.1- Não se envolva com homens que claramente são errados (presidiários, drogados...).
1.2- Não se envolva com quem não quer e não pode se envolver: Casados, noivos, homossexuais, namorados, enrolados, apaixonados por ex-namorada, pegadores...
1.3- Eles são pedras, mas você não é água. Não teima! Ex já foi e não tem mais jeito!
2- Uma vez mentiroso vai mentir de novo!
3- Corpo não é tudo. Assim como fica no ponto, logo passa dele.
4- Príncipe encantado usa uns modelitos estranhos, acostume-se com a ideia de que são poucos e o seu não virá. Veja um plebeu queridinho e contente-se.
5- Sogra faz parte do pacote, não adianta negar. Mas, se for procurar a sogra perfeita melhor esquecer!


Continua, talvez.

segunda-feira, 21 de junho de 2010

Textofonia 15: Tentei, tentei e não cabe apenas a mim

   Só amigos, qualquer um diria. Todos tinham razão, fomos amigos, bons amigos. Digo fomos porque o sentimento cresceu. Dominou-me. Pedi e ainda peço desculpas se tive culpa nesta transformação, mas só me dei conta quando a plantinha já era árvore e a sombra um prazer imenso a mim. Eu via em suas palavras, imaginava a mesma alegria em seu olhar.
   Estivemos juntos dividindo barras pesadas que não revelamos. Eu sofria longe e quando o tinha por perto tudo passava. Pra que falar da dor de ontem? Penso que fazia o mesmo. Chegava a compartilhar que estava sofrendo, mas o silêncio o dominava e logo confessava que ao meu lado se sentia bem. Ficávamos os dois, conversando horas a fio, naquela paz merecida dos que sabem amar. Minha mãe não entendia, tampouco poderia outrem crer. Era algo só nosso e só nós para viver. Ambos nos espantávamos, como qualquer um, mas a plenitude é sentida e não questionada.
   Duvidosos do que sentíamos acabamos por verbalizar sentimentos mais românticos do que a bela amizade que vivíamos. Assustamo-nos. Um ao outro, cada um a si próprio. Devíamos fugir? Desmentir? Calar-nos? Já não podíamos deixar de ouvir os batimentos rítmicos que nos envolviam. Éramos embalados na mesma melodia. Insaciáveis queríamos mais e mais um ao outro. Queríamos? Fiquei cega. Não é assim sempre no amor? Eu já não discernia o certo do errado. O sonho do real. Eu queria ser ética, continuar a mesma amiga, ser compreensiva e não exigir nada. Mas, não pude. Tentei usar de minhas armas, arrisquei, sofri. Por fim pareceu dar certo. Embalado de sofrimento, vi um amor intenso como desejei. Mas, não valia a pena. Não é só atrair, é preciso conquistar, ter certeza deste imenso amor recíproco.
   Despedimo-nos. Sem abraços, contudo havia lágrimas escondidas. Tentei ser forte, deixar que partisse como um pássaro que aprende a voar e esquece do ninho. Tentei ser amiga e sorrir por sua alegria, como a mãe que dá benção ao novo lar do filho. Sou ainda uma menina, uma menina que duvida, mas que sente algo intenso, bem guardado para não feri-lo. É da minha natureza chorar sozinha, escrever uma palavra bonita para que se sinta amado e compreendido. Eu é que não me entendo. Não sei se devia continuar como amiga, esquecer o que sinto e viver suas alegrias. Não consigo me ver lutando para que me ame, não sei como se conquista, talvez se eu soubesse não me deixaria conquistar. Na falta de decisão, opto por nada fazer, ficar invisível, escondida nas sombras das luzes que gerávamos. Tudo que penso, quase com firmeza, é que o destino sempre percorre lindos caminhos. As curvas costumam me assustar, parece que estamos sempre numa motocicleta e a qualquer momento ela pode virar. Hora ou outra descobrimos que ao fechar os olhos, sentir o vento, aprendemos a voar.

Ana Kita

-> Contribuições da canção "Sei não" de Engenheiros do Hawaii.

Textofonia 14: Sorriso de Sol

"Despertei ao primeiro raio luminoso da manhã. A escuridão não havia partido por completo, mas o brilho celestial já aquecia as flores. Meus olhos avistavam no horizonte o esplendor do nascer. Eu sentia o cheiro da vida. Eu era guiada pela inocência dos primeiros minutos do dia."

Por esta manhã peço força. Resistência. Não sei como prosseguir sem teu olhar. Mas, preciso aprender. Preciso me guiar por meus próprios passos, que me levem para longe de ti. Fácil não é, sei quantos rios irei formar. No entanto, será nesta direção que nosso sol irá nos levar. Para longe, longe um do outro, longe de nosso passado. As lembranças não se apagam, as trocas não podem ser devolvidas. O que me destes comigo ficará, o que me tomastes já te pertence. Eu vou guardar, com carinho, com um sorriso no rosto sempre que eu recordar. Quieta, distante, preciso me manter. Acessível a ti sempre estarei, como o oceano que espera teu mergulho, tua saudade. Se te perderes, se me encontrares, não tenha medo, não te afastes, aproxima-te, puxa um assunto do presente e continue comigo. Nada pode voltar a um tempo que já tentamos esquecer, mas o futuro é reticência. 

Ana Kita

-> Auxílio sonoro de "Faz parte" - Engenheiros do Hawaii.

Quanto ao fim do outono e a nós


Nós dois pela rua, num barco, na sala. 
Em lugar nenhum.
Nós dois rendidos ao amor, à paixão, à poesia.
Entregues um ao outro.
Nós dois embriagados, apaixonados, bambos.
Com frio.
Nós dois sem saber por que, motivados, duvidosos.
Sem pensar.
Nós dois na multidão, a sós, entre poucos desconhecidos.
Noutra dimensão.
Nós dois ontem, mês que vem, só hoje.
Sem tempo.
Nós dois lado a lado, dentro um do outro, frente a frente.
Num só.

E o outono deixando de cair sobre nós.
Ameaçando esfriar ou aquecer-nos.
Para sempre, nós.
Só mais uma estação, esta noite.

                                                         Ana Kita

domingo, 20 de junho de 2010

Quanto ao eterno desejo e às saudades.

Há dias em que bate uma saudade. Uma saudade da morada da gente. Do som do mar, do sussurro da brisa. Das palavras, das risadas, dos dias que não voltam mais. Não é melancolia, não se engane. São bonitas lembranças, desejos futuros. São estes dias que não temos muito a explicar, e sim sensações a sentir. Sinto. Muito.

Esta noite queria me abrigar em teus braços. Alimentar-me de teu corpo. Embriagar-me de teu cheiro. Banhar-me em teu olhar. Aquecer-me com teu enrubescimento. Desta noite para todo o sempre ser tua. Tua menina, tua mulher. Tua presa, tua predadora. Tua amante, tua esposa. Tua protetora, tua desprotegida. Tua amada, tua atração. Sendo tua nada mais iria ser. Meu nome se desmancharia entre nossos toques, único número que eu poderia conhecer era a soma de ti e mim, nenhum outro me identificaria. Já não estaríamos aqui ou aí, estaríamos em lugar nenhum, felizes e fortes em nós mesmos. Sumiria o mundo, os outros. Só eu e tu por uma noite eterna.

Ana Kita

Carta ao pai 3: Crescimentos e família

Joinville, 20 de junho de 2010.

Pai,
ontem foi aniversário de 16 anos do meu irmão. Eu o admirava abraçado a namorada e conseguia me lembrar de quando ele tinha apenas 4 aninhos. Crescemos tanto, né, pai? Tanta coisa mudou daquele tempo em Curitiba até hoje. Sua ausência seja provavelmente a mais fatal das mudanças. Sofremos outras tantas, todas indispensáveis - embora algumas lamentáveis - para tornarmo-nos quem somos.
Ele já é um homem, pai. Talvez eu uma mulher. Contudo, como diz o bonito ditado: "Posso ver melhor as árvores porque não estou no bosque." Ah, também o nosso pequeno tem crescido a olhos vistos, tão lindo. Anda de bicicleta o máximo que pode, e agora é escoteiro. Uma linda família, pai. Sua linda família de que muito me orgulho de fazer parte.
Gostaria, pai, de que todos pudessem ter os olhos brilhantes vendo assim o crescimento de suas famílias. Enquanto falta este sentimento plenamente feliz nas outras pessoas eu permaneço com este brilho que nasceu em meus olhos vendo o brilho dos seus, pai. Você foi e sempre será meu exemplo de amor. Um amor pleno, desinteressado, protetor, aconchegante e honesto. Um amor que só um membro de uma família de amor poderia sentir.
Fico a imaginar seus olhos admirando nossa família. Sinto saudade, muita. E um sentimento lindo de que nos vê e nos sente ainda hoje. Tanto quanto eu lhe sinto e amo.

Escrevo-lhe mais em breve.
De todo coração,
sua primogênita, Ana.

"Só tem saudade quem ama, só deixa saudade quem foi amor." Padre Marcelo

-> Curiosidade: Hoje é Dia dos Pais na África do Sul (sede da Copa do Mundo 2010), todos os 11 jogadores em campo pelo time brasileiro são pais.

sábado, 19 de junho de 2010

Poeminha olfativo: entende quem sente

  Coisa louca esta.
    Houve outros.
      E o seu é único.
     Instintivamente fico à flor da pele.
   Rogo por força, por sorte talvez.
 Olho, ouço qualquer  pedido racional que já não me faz sentido.


Nada racional me atinge mais.
 Olvido os demais.
   Trago minhas experiências de uma juventude branca.
    Atenta, ouço o que me diz de suas.
     Vejo em seus olhos o mesmo brilho dos meus.
       Entendo que tudo já era destinado como se um escritor romancista tivesse nos inventado.
        Livro-me de algum pecado, peço-lhe perdão e sinto este...

Ana Kita

quinta-feira, 17 de junho de 2010

Quanto aos castelos e às parcerias

Do primeiro risco a um mergulho num mar de lâminas. Ceder?

Beijos são promessas mudas, em que eu não deveria crer. Se creio crio. Um mundo surrealista no mesmo instante como uma pintura clássica. Dirás que busco estrelas, pois sim e, meus castelos são de areia. Tuas palavras são as cruéis ondas que querem me levar. Cedo, cedo ao primeiro vento. Quero me desmanchar em ti e sei que não devo. Nem mais teu olhar consegue me alertar.
Minhas dívidas deixo no passado num tratado de não consultá-las. Tu nem as questionas. Sei que quando estamos sós o mundo é nosso e a liberdade o único caminho. Hora ou outra cedemos. Por vontade, por instinto, quem sabe por estas promessas que não se manifestam. Gostaria, confesso, que fosse por um sentimento recíproco.
A realidade são fossas de meus sonhos. Os outros olhos, guardiães. Os beijos, escadas. Os primeiros ambientes, momentos ao teu lado. As mais altas torres, o futuro. Meu castelo está quase pronto, muitos considerariam-no lindo - assim mesmo, bem subjetivo. No entanto, eu vejo que faltam detalhes. Detalhes que ninguém além de ti pode nos dar. Enquanto ficas em silêncio destruo algumas tantas partes e construo outras tantas. Admiro nosso re-construir. Convido-te para desmanchar ou aumentá-lo comigo.

Ana Kita

Marido Identificado - Ana Kita

Um crachá. Um crachá faz toda diferença. De uma pessoa qualquer a alguém com direitos e deveres. Alguém identificado, alguém com livre acesso, alguém respeitável. Com crachá posso, com crachá estou disponível, com crachá sou visto, com crachá sou querido, com crachá sou parte - essencial.
Quero pegar a lotação de crachá. Chegar em casa e ser o primeiro a jantar. Quero usar o banheiro e ter meu banho demorado. Com meu crachá hei de me deitar. É possível que minha esposa me julgue louco, contudo ao entender ela me desejará ainda mais. Serei o rei da cama, ela irá querer a mim e ninguém mais. Se estou com meu crachá eu posso dominá-la, tirar sua roupa, beijá-la e falar tudo que eu quiser. Minha mulher vai gostar tanto de mim com crachá, dirá que é minha, fará tudo para me agradar. Abrirá suas pernas e mostrará que eu posso tudo de crachá. Seremos amantes por horas a fio sem cansar, desejo sempre renovado. Depois de múltiplos orgasmos dela e diversas ejaculações minhas, dormirei exausto com meu crachá.
   De manhã ganharei café na cama. Não é regalia de ser alguém com crachá, é agrado matrimonial pelo marido excepcional que sou de crachá. Meus filhos virão alegres pular em minha cama, questionarão sobre o crachá e se inflarão de orgulho ao entenderem que o pai é alguém de crachá. Brincaremos livremente e só nos despediremos porque filhos de alguém com crachá também devem frequentar às aulas. Tomarei meu banho, colocarei uma roupa apropriada a um homem de crachá. Beijarei minha companheira sorridente e partirei ao ofício.
   Não volto para casa. Vou ao bar com meus amigos, noite de quarta, sagrados futebol e cerveja. A risada é geral devido ao crachá, nem dou-me ao trabalho de tentar explicar. Depois de três garrafas os rapazes esquecem a piada, preocupam-se com o final zerado do primeiro tempo. Eu ofereço para pagar as próximas e eles descobrem que serem amigos de alguém com crachá traz certas vantagens. Bebemos. Bebemos para esquecer o gol contra nosso timão. Bebemos para comemorar o empate. E no fim mal lembramos do outro gol a nosso favor. É começo de campeonato e final de mês: expectativa grande, muitas possibilidades e o mínimo de dinheiro.
   Tanto os menos embriagados quanto os mais, como eu, voltam a pé para casa. Estamos perto. Algumas das mulheres esperam-nos revoltadas, outras, como a minha, cansadas e ansiosas. Chego alegre, bambo. Um café forte e quente me espera com carinho. Bebo vislumbrando minhas duas, talvez três, mulheres semi-nuas. Instigam-me as cheias brancas coxas. O cabelo penteado para dormir. Ao final do copo preto tenho uma só mulher, só de calcinha preta. Deixo o copo na pia num ritual de que papai chegou exausto e não pode ser incomodado - meus rebentos já compreendem.
   Minha mulher pega minha mão, leva-me ao quarto. Deita-me na cama, despe-me. Eu ainda sou alguém de crachá: logo estou excitado. Ela sorri aquele sorriso lindo de esposa satisfeita. Tira meu crachá e começa a me agradar como homem comum. Homem comum que ela ama. Tenho acesso ilimitado ao corpo dela, pelo toque de meus olhos ela me identifica como seu homem e merecedor de seu respeito pois a respeito. Mesmo enquanto a enlouqueço com meu queixo apoiado em seu sexo ela me pede mais, insaciável dá-me sempre mais e retribuo por puro prazer. Sem deveres ou direitos. Só dois amantes, mais dois nesta madrugada.

Ana Kita

-> Texto escrito antes, durante e depois de Palestra inicial do Abril Mundo 2010. Nada como receber meu crachá com meu nome escrito.

terça-feira, 15 de junho de 2010

Quanto a amar e aos erros que calo

E uma vontade louca de te dizer: Te amo! É errado, eu sei. Diga do erro ao meu corpo, é ele quem clama. Como não me render? Perto de ti cito estrelas que já partiram: "sou um animal sentimental e me apego facilmente ao que desperta meu desejo", mas sei que preferes meu silêncio. Talvez eu também preferiria, contudo adoro quando me dizes o que sentes, deixas-me plenamente confiante de que a felicidade não é utopia. Não te peço promessas, não revelarei teus segredos, tampouco exigirei tua presença. Faças o que fizeres, faças por vontade, por amor, com liberdade. Esta distância acaba, não tarda. A tristeza de teu peito passa, vem: me abraça. E minha vontade não cessa: "eu preciso dizer que te amo, te ganhar ou perder, sem engano, é, eu preciso dizer que te amo, tanto."

Ana Kita

-> Citações: 1- Renato Russo. 2 - Cazuza (com Bebel Giberto e Dé).

Carta ao pai 2: Namoros e amor

Joinville, 15 de junho de 2010.

Pai,
as pessoas namoram e deixam de namorar com uma rapidez que me assusta. Talvez seja o "tempo passando mais rápido", talvez só afetividade, contudo, pai, acho que não é amor de mais, é de menos. O namorado que não lhe apresentei nunca existiu, não por falta de amor, por falta de reciprocidade. No fim precisamos mais que amor para uma relação, todos sabem, mas a maioria finge não saber. Não lamento por mim, lamento por todos do meu tempo. Mesmo aqueles que têm a sorte do amor de outro tempo são influenciados pela grande massa que esquece o que é amar.
Por favor, pai, não fique triste, também eu não estou. Só queria compartilhar mesmo. Deve ser o inverno se aproximando, quem sabe minha maioridade. Talvez a literariedade ou lirismo de minhas aulas, de meus textos. Não importa mais nada disso. Porque sei o que sinto. Eu amo, pai! Eu o amo, amo o sol tímido que entra pelas fresta da cortina enquanto lhe escrevo. Amo os pássaros que cantam sobre os fios de luz e o silêncio que o vizinho finalmente me concedeu. Amo as palavras e o que elas podem me trazer. Amo a leitura e que alguém possa me ler. Pai, queria entender como tanta gente vive sem amar. Se é que vive. Acho que eu não sobreviveria um minuto sem amor.
Não é disso que somos feitos? Não é para isso que vivemos? Penso que sim, e penso que concorda comigo. Sempre imaginei que meu romantismo viesse de você. Espero que sim. Sempre vi em seus olhos aquele brilho  amável. Sempre senti na sua palma quente o amor transbordando. Sempre lhe abracei imaginando nossos amores se encontrando.

Escrevo-lhe mais e mais, logo mais. rs
De todo coração,
sua primogênita, Ana.

segunda-feira, 14 de junho de 2010

Um reflete Uma - Ana Kita

   Entre várias perguntas Uma encontrou Um. Muitas palavras, muitas piadas, algumas fotos. Um não desconfiava da existência de Uma. Uma admirava Um. Assim, não conseguindo conter a admiração calada, Uma revelou-se. Planejou o que dizer, procurou ser vista, deu tudo errado, mas se falaram enfim. Um, muito simpático, agradeceu os elogios, brincou e passou a observar Uma.
   Um e Uma divertiram-se muito. De pergunta em pergunta se conheceram e ao outro. Das perguntas mais tolas aos questionamentos da vida. Das diversas risadas às palavras que tocaram seus corações. Diferentes entre si, tão diferentes dos outros.
   De um outro mundo vieram, em outra dimensão se encontraram, e agora unidos faziam-se tão bem, num mundo comum e negativamente iluminado. Transformaram este outro mundo num projeto diário e salutar. 100, 200 perguntas e um sentimento que nascia, mutava-se e refletia. Os demais não podiam entender. Alguns poucos vislumbravam a magia que os envolvia. Uma tinha os sentimentos confusos e apaixonados. Um amando, mas envolvido em confusas situações. Quando revelaram-se ao máximo, temeram as consequências, talvez. Sofreram distantes, amaram-se silenciosos. Ironia do destino encontraram-se quando já haviam perdido o elo que os envolvia. Como um laço maternal tanto sentimento voltou ao primeiro olhar, em poucos sorrisos. As parábolas labiais paralelas confirmavam o que as estrelas já cantavam.
   A voz de Uma ecoou por algum tempo em Um. O sorriso de Um iluminou os dias de Uma. As palavras voltaram, ainda mais verdadeiras do que já costumavam ser. Agora se conheciam, agora sim estavam abertos. Havia um muro, um continente entre eles, mas nunca se sentiram tão próximos. As dúvidas, dificuldades, e até a poesia os envolvia num só embalo. Uma não desistia, e Um a estimulava. A história não havia passado, a história não acaba. O caminho de Uma e Um permanecia sendo. Entrelaçado.

Ana Kita

-> Dedico esta postagem ao "Sr. Espelho".

Elo poético - Ana Kita

"- Quantas primaveras tens?
- Tenho 17 invernos, e chega mais um. Sentes o frio?
- Pois bem. Meus outonos também são gelados. Aquece-me?"

Dois iguais à deriva. Sem mar, sem ar... Sem saber. Um busca a mão no outro, o brilho nos olhos, a parábola nos lábios. Ouvem a respiração, a palpitação, sinfônica poesia.  O frio vai chegando, permitem-se ao ímã.
Dois semelhantes unidos. Sem dor, sem tristeza... Sem lembranças. Um procura nas palavras o outro, na paisagem a esperança, no arrepio a confiança. Sentem o calor, o enrubescimento, harmônica poesia. O frio vai passando, contraem-se no ímã. 
Dois análogos únicos. Sem passado, sem futuro... Sem certezas. Um encontra no outro carinho, aconchego, repertório, compreensão, liberdade. Vêem a identificação, o escancaramento, a reciprocidade, o desejo, a beleza, o salutar... Melódica poesia. As contradições coerentes se calam, alegram-se pelo ímã.

Ana Kita

-> A MIP, com todo merecimento outonal. 

Poeminha do livro "Poesia reunida" - Martha Medeiros

gravei tua voz no meu tímpano
vez em quando labirinto
faço que sinto, vez em quando minto
vinho tinto, amor rosé
você
vez em quando instinto

(Martha Medeiros)
.: Poema 16, página 15, capítulo Strip-tease.
Poesia reunida / Martha Medeiros - Porto Alegre. L&PM, 1999.

-> Identifiquei-me muito. Indico o livro, gostoso de ler, poesias para refletir ou só entreter - cabe ao leitor.

O interior nervoso

Ele enrolava o cabelo, vermelho, talvez pensasse outras cousas, senão o texto que devia. Devia? Penso que não, posto que eu também não pensava no tal texto. Ali ao lado, outro dedo - de outra pessoa - enrolava o próprio cabelo,  penso que por ler o tal texto. Já não importa. Voltando... Vermelho, não só o dedo mexia compulsivamente, também as pernas. Leu rápido, mais mania que sensação, diria eu. Sente assim, tudo corrido, tudo intenso, diferente de mim, igual. Se havia tanto movimento, nervosismo, lembranças, a responsabilidade era dele própria. E não somos todos assim? Fazemos por merecer, queremos e merecemos, vivemos.
Eu ficava parada, tranquila. Vez por outra os dedos viravam a página, procuravam a leitura, escreviam estas palavras. Meus olhos rumaram a ele. Os dele me negavam, alegravam-me. Tão pura leitura, tão único sentimento aqui e ali. Já não sentia como ele e eu, nem distância. Havia mesa, cadeiras, pessoas, contudo só sentia nós, um único nós. Sem nó, sem cobranças ou exclamações, um sentimento leve, reticência e calado.
O tal texto era sublime. Um clássico, digno de lembrança e releitura. Merecedor, confesso, de referência, mas me calo. O silêncio, pouco comum e muito difícil em meu tempo, é uma dádiva a qual exercito, tento. Sei - respondendo aos que me conhecem bem - que ando em falta, fora de forma. Juro, no entanto, que neste assunto faço uso e muito. É aquela ideia de que não tomar decisão é decidir também, não responder é uma resposta. Portanto guardar tal segredo é um compartilhamento - não busque entender, amigo leitor.
Lia o texto, em voz alta. Acometia meus instintos de contato, de revelar-me. Só meus olhos me entregavam, nem meus dedos, nem meus lábios. Ninguém olhou-os, ninguém vê. Feche os olhos, amigo leitor, agora. Lembre a última leitura com outras pessoas, espero que não haja muito tempo, e busque suas lembranças. Não se lembrará dos olhos, tão pouco de um olhar encantado, envolvido, confessado. Lembrará, como eu, das vozes, espero que do texto, dos dedos, dos risos, talvez de um cheiro, um ruído, palavra ou outra. Lembrará do motivo, da chega e da partida, do horário se for metódico. Se romantizado do clima, do seu estado de humor, e de alguma palavra sua, um nome, uma outra história, uma personagem. Não se desculpe, nem sinta-se bem ou mal. É a alma humana por trás do leitor. Atrás destas palavras encontrará poesia ou uma menina, refletirá você ou outro texto. Corre, traz (...), vai atrás da sua lembrança e leia novamente. Se as pernas permanecerem ansiosas, corra.

Ana Kita

sábado, 12 de junho de 2010

Carta a alguns: curtinhas e sentimentais

Para que ninguém me acuse de completamente insensível ao ridículo costume de "diadosnamorados" escrevi cartas quase românticas àqueles que senti vontade.                                                                                 
Ana Kita
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Sofá da sala, finzinho de outono.

MIP,
Há casais que trocam presentes, há casais que trocam desaforos, e há, ainda, casais egoístas. Trocamos tantas coisas envolvidas na poesia que prefiro me calar. Sei que me entendes, tornamo-nos "comuns de dois gêneros". Nem epicenos, nem sobrecomuns, muito menos invariáveis.
Fecho meus olhos e vejo teu sorriso, entre teu olhar brilhante. Imagino o quanto te divertes agora e alegro-me por ti. Guardo em mim as melhores lembranças tuas. Como num poema que lestes, que li... Sei que temos o que há de melhor, o melhor dos poemas de carinho.

(...)
Menina-mulher, Ana.

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Aqui, neste momento.

Sr.E,
Não sei se devo, não sei se posso, ainda assim lhe escrevo. Não escrevo pela data que se dá - inclusive ignoro -, mas tenho visto e sentido tanta beleza que me custaria não compartilhar.
Creio que esteja feliz, radiante. Também eu estou contente, ainda mais se estou certa quanto a seu estado de ânimo. Só queria mesmo dizer-lhe do enorme sentimento que reflito a você.
Seja muito feliz, hoje e sempre!

Sua Ana.

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Joinville, 12 de junho de 2010.

FR(S),
Sem dúvida não deveria lhe escrever, mas há tão pouco tempo era um prazer tão imenso que fico tentada a fazê-lo também hoje. Nunca lhe perguntei se a data de hoje faz alguma diferença para você, e hoje não quero imaginar.
Guardo estas poucas linhas para dizer-lhe que o quero bem. O destino - em que acredito, você não - optou por nossas luzes iluminarem outras pessoas, e nós seguimos, de coração limpo. Ilumine sempre! Sei que, sem dúvida, encontrará alguém que o ilumine como deseja.

Até breve, num tempo em que possamos reconstruir a amizade que tentamos.
Com carinho,
Ana.

Textofonia 13: Tempo para viver

Sozinha penso. Lembro outro tempo. Peço pelo tempo que não volta. Avancemos nesta história, já é hora. O relógio não derreteu, ele finalmente nos pertence, senhor. Sonha a menina.
O senhor leva no rosto a marca da vida. Um sorriso bobo, reflexo de outro dia. O senhor carrega junto ao violão uma canção. Um novo som que penetra e ecoa, por horas. O senhor tende a fechar os olhos e voltar a ver. Uma imagem bonita, imaginada em algum mês.
Se alguém disser que meninas e senhores não devem conviver, não se encontraram e nem vivem juntos deixemos de ouvir. Continuará a falar, deve ser o que chamam de prova. Estes testes de que o telhado não é de vidro e que pode-se confiar no chão. Desconfio.
É outono e faz frio. Apague a luz, desligue o som, cubra-se. Proteja-se enquanto há tempo. Quando a luz acende, não importa quem somos ou o que pretendemos, o mundo nos suga e nos faz viver. Não há nada de errado em tentar resistir, mas é inútil.
Se senhor for terá sua menina. Sua tatuagem será ela. Seus sonhos a usarão. Suas canções a soarão. Suas leituras a pertencerão. Seus sorrisos a refletirão. Seus sentimentos a ela não perecerão. Acredite. Ela brilhará em seus olhos, aquecerá seu toque, perfumará seu ar, iluminará sua morada. Viva na menina se for senhor. 
Ana Kita


-> Auxílio sonoro de "Túnel do Tempo" de Humberto Gessinger.

Quanto ao reflexo e às pinturas da vida

Quando outros olhos brilharem tanto quanto os meus saberei de fato que o reflexo existe. Sim, busco o reflexo. Tal reflexo não será tão certeiro quanto minha imagem no espelho, não será tão fantasiado quanto os olhos infantis frente a poça, tão pouco será tão subjetivo quanto o banheiro no vapor do vidro do box.
Tenho ouvido muitas canções que traduzem este reflexo, vejo muitas alianças atestando que dá frutos, admiro muitos casais nesses dias geladamente românticos para acreditar que um dia viverei. É provável que eu já o tenha vislumbrado, assim de longe, assim calada, assim sem certeza. Possivelmente já estive em sonhos como refletora. No fim, espero mais do que isso. Quero toda simetria. Enquanto não a tenho, sonho, aprendo, ensino. Compreendo que não seja fácil, digiro que o momento certo virá, e aguardo.
A reciprocidade de um sentimento é o mais belo quadro que a vida pode pintar. Enquanto não fico nele retratada, dou pinceladas de trocas de olhares e sorrisos. Não é isso, pois, a alegria de viver? Escreveu Cervantes: "Contento-me com pouco, mas desejo muito.". Devemos todos viver assim. Sonhar alto, desejar além, lutar, desbravar, imaginar... Sem lamentar com os insucessos, sem desmoronar com as desistências, sem se extinguir com as falhas. As cores da vida existem na sabedoria de comemorar o pouco que se tem, em agradecer as felicitações, admirar as vitórias alheias, aceitar a mão que nos reergue e prosseguir sorrindo.
A tristeza é finita, a felicidade plena e o tempo - relativo, mas - suficiente. Eu acredito! Eu vi em olhos escuros o mesmo brilho que sozinha previa pelo espelho, pela foto, pela tela. Eu sorri como refletora dos lábios que finalmente em minha frente estavam, embora nunca tivessem estado tão distantes. Eu deixei de notar as pessoas ao redor, porque todo movimento da vida passou a acontecer dentro de mim, nós.

Ana Kita

"Estou sentindo falta do reflexo do que sinto." (verão 2010)

sexta-feira, 11 de junho de 2010

Carta ao pai 1: Frios e faltas

Joinville, 11 de junho de 2010.

Pai,

tem feito muito frio. Nem chegou o inverno, mas o frio anda insistente. Eu gosto, não sei se sabe. Eu é que descobri que não sei. Não sei se você gostava mais de frio ou de calor. Gostava de lhe ver no inverno, até por serem encontros mais frequentes, com suas blusas de fio, sempre tão bonito. Aos meus olhos de filha, ao menos.
Do frio a maior tristeza é pelos que não são acolhidos. Sei das pessoas que passam frio nas noites, nas ruas. Lamento tanto por elas, especialmente quando as vejo. Mas, pai, também eu tenho meus momentos sem aconchego. Nesses momentos penso em você. Pensar não aquece tanto quanto seu abraço, seu sorriso ou seu cobertor de pelo, mas ajuda. Ajuda a prosseguir. Firme, sorridente. Pai, eu olho ao redor e vejo tanta gente. Tanta gente sem ninguém, tanta gente solitária. Acho que eles precisam da gente. De gente como a gente, de gente que ama, que vive, que sente. Gente que sorri, que brinca, que abraça, que fala e se cala. Sinto tanta falta, pai. Faltas que dariam livros, mas os livros são tão cheios que quase me sinto plena.
Pai, no fim de semana eu passei muito frio. E fui muito aquecida. De corpo, de alma, de mente, de lembranças. Andei por barracas em que já estive com você, há dois anos. Vi rostos que lembram-me de você. Vi um rosto que lembrou-me do quanto eu posso ser feliz. É só acreditar, não? Então eu também sorri, consentindo à felicidade. Se a semana prosseguiu mais fria, a culpa não foi minha, pai. O novo fim de semana chega e eu aguardo novos aquecimentos. É o primeiro passo, pai, sorrir enquanto sonho.

Escrevo-lhe, em breve...
De todo coração,
sua primogênita, Ana.

-> Alteração do projeto "Carta a ele", passou a ser "Carta a", até porque as "cartas a ele" devem cessar. Desvendemos novos remetentes.

quarta-feira, 9 de junho de 2010

Quanto aos sentimentos antigos e a olhares nem tão distantes

Textos não servem para serem entendidos. Textos são sentimentos.
Quem escreve - quando sou eu - não escreve pelos outros, escreve por necessidade, por amor à sua verdade. Este fugindo à regra - regras existem para terem exceções e serem corrompidas -, é escrito para alguém. Não deixa de ser necessidade de quem escreve.

Ao redor, no meio, dentro... Em todo lugar alguma canção. Canções de que falamos, que sentíamos e nem podia lembrar. Eu sonhava com outros projetos, novos sonhos. É sempre ruptura, minha vida repleta delas. E eu esquecendo que fui pensando. Minha mente livre de qualquer presença, da sensação de aproximação. No fim, um só segundo desatenta e, o encontro.
Era o frio, era sim o frio que gelava minha mão. Era o frio que aproximava dois, quatro corpos, e afastava uns dos outros, seu do meu. Um olhar frio questionando, um sorriso de foto confirmando. Dois sorrisos amigáveis. Cheios de lembranças? Penso que querendo anulá-las. Como um ciclo do anular, que eu desconheço. Meus olhos percorrendo a multidão, observando sua mão, implorando aquecimento da minha. Tive vergonha. Vergonha de tentar esquecer, vergonha pra não me aproximar, vergonha de me manter calada. Quis fugir e não podia, não eram os corpos ao redor, eram as marcas dentro.
Voltei ao meu mundo de canção, de ilusão e, pensava eu, de amor. Quase esquecia, mas não queria esquecer. Um olhar, o primeiro. O único? O sorriso não era de foto, não podia ser registrado, é aquilo que se sente. Desconhece palavras para descrever. A canção se concretizara, mas meus olhos permaneceram secos, meus braços congelados, meus lábios (...). Depois de tanto tempo não podia acabar assim, passos que me guiaram sem que eu percebesse. Mais um olhar, mais um sorriso. Agora uma fala, uma piada minha qualquer, rouca. Outra piada qualquer, risadas. Meu olhar seguindo os outros, assistindo ao passado, questionando o presente e esquecendo que existe futuro. Eu diria: diferente, diferente do que eu imaginava. E caio na real, não imaginei, mas continuava diferente. Malditas impressões de fotos. Falei besteiras, eu sei. Foi necessidade também, como alguém que não fuma e deseja um cigarro.
Andei, andaram, andamos. Afastamo-nos ainda mais? Eu pensei que sim. Imaginei não podendo mais falar, precisando me calar e dessa vez, sim, dessa vez partindo pro fim. Mas, eu ri. E rio agora. Que corrente boba esta minha de ter pretensão, de supor e de me surpreender com os outros. Surpreendi-me com o sorriso de outra menina. Sim, uma menina. Uma menina que eu supunha mulher, de quem tive raiva e também inveja. Não são só palavras ao vento, uma menina que apreciei a companhia. Talvez eu quisesse estar ali, ser ela, estar no lugar dela. Mas, eu sorria. Alegrava-me por estar do lado de cá da vida e admirar o outro lado.
Eu estive errada, por bastante tempo. Disse o que não devia, julguei errado, fantasiei em hora imprópria. Eu assumo. E não sofro. Eu acredito no perdão, no movimento da renovação. Meu lado sonhadora pensava lá num fim e sentia um começo. Hoje vejo que o fim era outro (era o começo que eu sentia), e até penso que aquele fim possa ser um novo começo. Confusa, eu sei. É isso que dá permitir ao vento frio nos afastar. Queria não pensar nada, viver mais uma, duas vezes. Não fazer planos, não prever danos... Ver pra onde vamos. E digo que não. Querer também é um plano, e por hoje, por hoje deles me livro.
Penso que tal confusão possa ser reflexo de muitas outras. Temo que seja eu apenas reflexão. Mas, não era disso que falávamos? Bom, eu sou só a menina-mulher em frente ao espelho, que mal se vê por olhos úmidos. Não conheço o vidro, embora o tenha visto. Desconheço o sentimento reflexivo. É como se eu tivesse emitindo ao infinito, não sei se atinge alguém, mas emito. E se recebo alguma coisa, parece sempre tão difuso, tão confuso... Tão reflexo do que digo, que sinto medo. Medo de que a distância seja perda de tempo, do que o destino (já tão desacreditado por tantos do meu tempo) nos reserve e não possamos fugir. Medo que me faz sorrir, agora, aqui, a concluir um texto sobre algo que mal descrevi. Um dia lhe explico. Um dia me dedico a escrever sem tanto envolvimento. Depende sempre do que é refletido, ou como.

Ana Kita

-> Acho que estou pronta para ser publicada num jornal (risos calados), afinal consegui escrever "a pedido". Foi um prazer, incrivelmente. Peço desculpa por alguma, qualquer ou todas possíveis falhas de compreensão.

terça-feira, 8 de junho de 2010

Quanto ao sentir e à liberdade de "tirar os pés do chão"

Tempo é muito relativo, até que você percebe que não consegue se lembrar da data da sua última ou primeira vez fazendo tal coisa que lhe fez bem. No meu tempo relativo, fazia tanto tempo, tempo suficiente para eu temer, tremer, ansiar, suar. Difícil no começo sentir tudo que é possível, bloqueava-me nas coisas mais irrelevantes - se há alguma irrelevância. Até que o caminho foi me sugando, o movimento balançando minhas certezas, dando minhas dúvidas na cara. Duro definir sensações tão unidas, paralelas e contraditórias. O sol se pondo tão longe, e eu já tão natureza. Foi assim, sendo fragmentos unicamente juntos.
Não pude contar as horas, embora tenham passado, voado. Voava eu. Minhas pernas arrepiadas já não sentiam o apoio que tinham, tudo parecia nuvens. Pura liberdade. Tantas coisas a se pensar, tanta coisa eu sentia, tantas sensações que me pediam descrição - também discrição?. Fechava meus olhos, queria ver tudo. Sorria, mal conseguia parar de cantar. Não me sinto capaz de contar tudo que aconteceu, são coisas que só se sente, transformaram-me e já não posso lembra-las exatamente.
Sabia onde queria chegar, não me interessava como. O melhor esteve comigo em cada momento. Como as letras que lhe contam uma bonita história, como se preocupar com o ponto final? Precisava sentir e senti tudo que podia a cada instante. Ainda agora, se observo raios de sol, lembro-me daquele que se punha. Divino. Havia uma nuca logo ali, perto demais. Meus instintos eram incontroláveis, e eu nem sabia. Mãos geladas que apertavam tudo que se permitiam tocar. Cabelos com os quais já não me preocupava. Um desconforto nas costas que esquecia. Um cheiro que me chamava e eu comparecia. Tudo tão intenso, tudo tão marcante.
O fim chegaria, sempre chega. Mas, eu não o buscava. Minha mente flutuava, deixava meus pensamentos fluírem na corrente que quisessem, e eu me tornava apenas um corpo. Um corpo dominado ao sabor do movimento. A dor reaparecendo, novas sendo criadas. A velocidade diminuindo, corpos cansados. Minha mente que rodava, começava a escolher algumas ideias para ecoar. A mais forte delas talvez me dissesse algo como: Isso é bom demais! Dizia-me no ritmo de meus batimentos o quanto fora prazeroso, o quanto a sensação era única, e que eu devia repeti-la. Tentei repetir em breves tentativas, pouco sucesso.
23h depois pude embarcar mais uma vez naquelas sensações fragmentadamente juntas. Talvez por agora lembrar-me da última vez eu me sentia mais confiante, mais certa de quem era, do que podia, e do bem que me fazia. Como uma criança que desconhece o perigo, mas sente o frio na barriga do imenso prazer, eu aproveitei. Aproveitei cada instante. Falei e me calei. Respirei, fiquei sem ar. Olhei o novo pôr-do-sol e fechei meus olhos, tampei-os. Eu já não precisava ver, tudo eu podia sentir. A nuca ali, os cheiros ainda mais fortes, os batimentos ainda mais acelerados, o frio cortante e aconchegante. Mesmo as palavras que foram trocadas, foram muito mais sentidas que ouvidas. Tanta harmonia, tanta compreensão. Precisou acabar, mas como num ciclo fiquei repleta de recordações, imaginando continuações. Quem sabe novos começos.

Ana Kita

sexta-feira, 4 de junho de 2010

Carta a ele 6: Mergulhe comigo em nossa imensidão

Cidade chuvosa, antes de amanhã.

Ao progenitor da imensidão em que mergulho,

"Escrever uma carta definitiva, que não dê alternativa pra quem lê." Não poderia escrever uma carta assim. Nem por isso deixo de lhe escrever.
Se minhas palavras beijarem sua face como as ondas a areia, entregue-se. Permita-se navegar em nosso oceano. Não há mais o que temer, embora imenso, o sentimento não nos fará mal algum se estivermos unidos. Nem a imensidão, nem a ventania. Nada pode nos atingir, tudo pode ser usado a nosso favor. Eu acredito, eu acredito por nós dois. Quando as dúvidas e o medo baterem à porta, o aconchego do abraço nos protegerá.
Sinta meu perfume no papel, ouça meus pensamentos em canções poéticas, vislumbre minha luz nessas palavras... Venha ao meu encontro, aqueça-se com meu toque. Deixo a literariedade me guiar, eu sei. No entanto, peço sua compreensão, não me falta realidade, "pé no chão", se abuso de metáforas é para não magoar ninguém. Eu só quero o bem. O meu, o seu, de todos. Minha luz, sua luz, uma só luz ofuscando a tristeza do mundo. Não conheço a direção, confesso. Seguimos o balanço das ondas. Sabemos que se chover haverá arco-íris, que se faz sol teremos sorte, que se as nuvens escurecem o céu é porque já iluminamos nossas vidas.
Confie! Não digo que o caminho seja fácil, não prometo a ausência de sinuosidades. Alerto que há pedras. Segure em minha mão, feche seus olhos e mergulhe comigo. Do chão não passa, mas a chance de voar é enorme. É só (se) permitir... Não pense muito, não procure entender, é a vida, é o amor, precisam ser apreciados, vividos. Venha comigo, aprendamos juntos!

Com todo meu carinho, sua Ana.

quinta-feira, 3 de junho de 2010

Textofonia 12: Convite para mergulhar

Fujo meu olhar do seu. Meus olhos procuram a luz dos seus, e os evitam. Como eu poderia não fugir? A luz é ofuscante, temo a perda de sentidos. Qualquer rápido contato e mergulho na imensidão. Mais uma vez.
Mais uma vez. Pode vislumbrar nos meu olhar o oceano. É amor. O tão desejado e honesto sentimento de que se duvida, até senti-lo. Quando nos vimos pela primeira vez eu senti. Eu senti aqui dentro que não era apenas mais uma visão, era a essencial. Precisava partir e um sentimento inesgotável me pedia para ficar. Eu fui, feliz. Sabia que voltaria. Não era a primeira e não seria a última visão. Não acredite que era pré-determinado ou que será para sempre. Sinta que estou em seus olhos, saiba que está nos meus. Renda-se.
Se hoje fecho os meus e sonho com seus olhos me procurando, se acredito no encontro de nossos olhares no balanço de um mesmo sentimento, não foi por ter visto pássaros verdes, ou sonhado com profecias. É só a sinfonia. Este som precioso que pode ouvir quando me abraça, é ele quem perfuma meu caminho. Eu me rendi a canção, abracei a confiança de que vamos nos amar. Enterrei minhas dúvidas e nasceram sorrisos. Sorrisos sinceros que desabrocharam aconchego. Guardei para você o melhor do que virá. Preciso apenas lhe encontrar pela primeira vez. As entregas aconteceram, sem que soubéssemos, na primeira troca de olhares. Não são promessas ou documentos, é o que sentimentos, o que nos move, o ar de que precisamos. A garantia de que o outono acaba e o inverno trará a primavera. Venha, aconchegue-se.

Ana Kita

-> Auxílio de Outros tempos de Engenheiros do Hawaii.

Quanto a mim.

Alguns despertadores programados e nem pensar um relógio analógico por perto. Levanto quando quero e não quando algo ou alguém chama. Paciência. Acordar ao meu lado não é fácil se não pode se calar, de manhã: meu silêncio. Gosto de comer logo que levanto, a qualquer custo. Café da manhã de verdade e gostoso para mim é Neston, sucrilhos, ou mingau. Sair de casa sem um estimulante banho é negar-me um bom dia. Roupa confortável! Se não estou num bom dia mereço mais produção, se me sinto bem qualquer coisa gostosa me serve. Sou rápida para me arrumar, mas não suporto que me apressem e/ou não respeitem meu tempo refletindo frente ao espelho.
Falo sozinha. Leio embalagens, não estou sempre atenta ao que possa me dizer. Tenho ainda o costume joinvilense de perguntar "o quê?" e antes mesmo que me repita já compreendi o que me disse. Não importa a hora ou o local, se sinto vontade de escrever vou me render. Aceite. Sou instável, reconheço. Muitos dias quero abraço, ser ouvida, companhia. Há dias em que tudo de que preciso é silêncio, espaço e solidão. Se estou chorando ou muito triste não questione insistentemente, se eu quero me abrir vou logo falando, há dias que incrivelmente quero me calar. Se estou braba não adianta se explicar, não vou ouvir, vou levar do jeito ruim e basicamente é impossível que eu volte atrás. Aguarde. Logo passa, não gosto de voltar no assunto, mas se precisar dê-me tempo para digerir.
Almoço não é recorrente. Quando acontece de eu almoçar adoro descansar "la siesta, larga". A tarde meu raciocínio não é dos melhores, e com frequência perco a paciência. Não gosto de pegar sol em horários inapropriados, seja pelo nobre motivo que for. Gosto de brisa, isso sim. Sombra de árvore, som do mar, vento no rosto... Ah, melhor mesmo só com uma companhia amável e um bom abraço. Comer doce à tarde me faz um bem danado. Se tenho tempo e lugar tranquilo ler é uma boa pedida para o fim da tarde. Se está frio uma caminhada, um filme com cobertor. Se faz calor um banho de mar, lugares arborizados. É difícil que eu perca realmente o horário, mas geralmente acho que estou atrasada. Não se assuste. Em ônibus quero sempre algo diferente, admirar a paisagem, ter os cabelos balançados pelo vento, conversar, ouvir música, ler, fechar-me como um ostra.
Anoitece e me preencho, como uma lua. Adoro a noite! Aproveito para estudar, para conversar, trocar ideias, jantar bem (bem mesmo, caprichado, gostoso, quantitativo) - embora não possa ser diário - me alegra, ouvir música, criar. Sair com os amigos é sempre valioso, no entanto, precioso mesmo é um momento íntimo. Adoro cinema, teatro, show... Encontros programados são admiráveis, mas, o inesperado é o mais encantador. Um banho de chuva, uma piada sem sentido, conversar na calçada, errar o caminho... O importante é viver intensamente.
Dormir cedo parece deixar de brincar com(o) uma criança. Madrugada é contagiante, libera-se, diverte-se. Poesia. "O sono dos justos." Costumo dormir de edredom esteja realmente frio ou nem tanto, adoraria uma conchinha. Antes de deitar as palavras têm o maior poder possível, não diga coisas pesadas ou duras fariam-me muito mal. Reconcilio-me sempre que possível antes de dormir, deitar parece trazer a certeza de que o futuro é uma incógnita. Se tenho hora para acordar mil relógios à uma pessoa pra me chamar. Não gosto de rotina, mudo um minuto ao menos, mas a hora de ontem não pode ser a mesma de hoje, sei que eu já não sou a mesma. Uma vez dormindo só acordo por algo importante (é sério, o choro do meu irmão quando bebê, mas de jeito nenhum os trens que passavam debaixo de minha janela), uma vez que acordei voltar a dormir não é fácil.
Levantar cedo já foi muito fácil, melhor garantir com vários despertadores, só não me chame, vou levantar quando eu quiser. Melhor não puxar assunto, manhãs silenciosas ao sabor do vento e das aves me apetecem.

Ana Kita
(outono 2010)

terça-feira, 1 de junho de 2010

Na sua mão

Me pega, me beija, me esquenta. Me suga, me usa, acaba comigo. É eu sentir o toque de seus dedos macios para me render.
Olhos lhe reprovam, lábios me invejam. Vá pra outro lugar, se afaste de todos, fiquemos sós.
Quando tá triste quer só a mim. Quando tá feliz me usa pra comemorar. Num dia, sozinho, só tem a mim. À noite, no bar, num show, só eu contigo. No verão, na praia, nós dois assistindo às ondas, me toca com lábios de cerveja. No inverno, vendo filme, nós dois aquecidos, cheiro de conhaque ou um cálice de vinho.
Pode me esconder, pode me comprar. Em mim pode confiar. Conhece meus defeitos, conhece meu poder.
Eu não puxo conversa. Ouço com atenção. Não tenho ciúmes, não tenho preconceitos. Pode me considerar a perfeição num relacionamento.
Quando quer me abandonar, eu nem ligo. É você quem me procura, é você quem me deseja. Volto a ser seu abrigo. Pode me trocar, pode me esquecer. Eu tô sempre aqui. Não insisto, não desisto. Sei do seu desejo, adoro quando me sinto seu vício.
Nesta noite estou contigo, do seu lado, feliz com seu melhor sorriso. Se de manhã já não me quiser, eu vou ficar na minha, farei silêncio, deixar que viva.

Ana Kita


->Uma inspiração intrigante, de umas duas semanas atrás. Quem sabe a causa seja apenas as folhas caindo frias.