quinta-feira, 31 de março de 2011

Carta a ti: que quero escrever

Joinville, 29 de março de 2011.

   Há alguns dias queria lhe escrever, ainda não sei bem o que, mas a vontade foi crescendo e quando o título me apareceu precisei ceder. Li estes dias sobre a sinfonia dos dedos no teclado, eu gosto, gosta você? Não escrevo mais tanto no papel por isso talvez, embora seja mais provável que seja preguiça. Confesso que nunca gostei de usar borracha e o virtual facilita as mudanças. Se essa carta ficar sem pé ou cabeça, tente entender, você apareceu e também mudou muito do que eu achava coerente. Não sabe o quanto isso foi bom. Junto deste bom, falando em escrever, ganhei um lindo incentivo para não parar de escrever (isto é, à mão), amanhã mesmo (juro que não no subjetivo) quero começá-lo. Ah, anseio pela primeira letra. Mas, temo. A primeira página de um caderno sempre me exige muita dedicação e nenhum erro. Por sorte tenho aprendido sobre confiança. E admiro.
   Tenho admirado muito, feito criança. Aqueles elementos – clichês – românticos da natureza, os esportes, os choros, as mensagens e acima de tudo meu sorriso ao amanhecer. Podia esconder, e não encontro motivo. Seja com lembranças do adorável dia anterior ou com a saudade ansiosa por ser morta, você tem me feito sorrir muito. Quando escrevo “sorrir”, lembro seu tímido – e lindo – sorriso, sorrio mais, lembro mais, desejo mais. É normal, acontece com todo mundo, e só parece fazer mesmo bem quando há reciprocidade. Vejo em você. E adoro. 

Com saudade, sua Ana.

Enquanto eu puder chorar...

   O filhote questionou:
   -Mamãe, por que a senhora chorou esta noite?
   E a ave respondeu:
   -Filhinho, logo você entenderá que há motivos de lágrimas que preferimos silenciar.
   O filhote, não contente, confessou:
   -Tudo bem, mamãe, mas é que eu fico muito triste de vê-la chorar.
   A mãe, com lágrimas nos olhos, disse:
   -Não fique, meu bem. Enquanto eu puder chorar poderei também ser muito feliz, chorar assim quer dizer que tenho coração, que sinto intensamente, que estou viva.
   E o filhote, aconchegando-se na mãe, chorou.

Ana Kita

segunda-feira, 28 de março de 2011

Obrigada e boa noite - Ana Kita

   Hoje, antes de mais nada, eu queria dizer o quanto são essenciais na minha vida aquele montão de gente em que penso antes de dormir. São pessoas com quem vivi boas histórias, que estão no meu dia-a-dia ou nas melhores memórias, são aqueles de que sinto saudade ou que me fizeram rir durante o dia. Gente que pode também pensar em mim ou só lembrar de vez em quando. Poucas Marias e nenhum José. São Tiagos, Eduardas, Leonardos, Jéssicas, Brunos, Felipes, Julianos, Adrianas, Willians, Danieis, Larissas, Alciones, Renatas, Guilhermes, Marcios, Janaínas... Gente comum, de pele, osso e muito sentimento. Foram diminutivos (alguns ainda são), são apelidos, serão inesquecíveis. Deixaram muito comigo, espero que tenham levado um pouquinho de mim. Alguns vão me esquecendo com as brisas de verão, e eu não guardo mágoa, ao contrário, guardo os tempos bons para que eu sempre lembre o que me faz bem.
   Preciso dizer que posso faltar, e confessar que muitas vezes sinto muita falta deles. Contudo, é preciso entender que uma vez tocada me transformei. Estou sempre me transformando, sem jamais voltar atrás, todos eles, de uma forma ou de muitas, levaram-me mais adiante. De menina a mulher, de duvidosa a confiante, de bloqueada a irônica... Sou um pouquinho de cada um deles, eu os admiro e só tenho a agradecer.

Ana Kita

domingo, 27 de março de 2011

Seguir - Ana Kita

   Por muito tempo lamentei sua ausência, nas noites quentes do verão sentia-me fria, como alguém que deixou sua essência pela luz de uma paixão. Vivi na escuridão, tateando encontrá-lo. E me perdi. Tão completamente e tão parte. Fui aos poucos abandonando o que me trouxera pra perto dele, nem notei o caminho vazio que percorri. Só seguia, tentando alcançar lentamente quem corria bem a frente. Era difícil, porém prazeroso. Só quando percebi que seu olhar não pararia em mim mais que alguns instantes, senti tudo. Aquele sufocamento que me alertava sobre morrer sozinha, sobre ter me matado todos os dias e já nem lembrar como eu era. Minha mente guardava todos seus espaços com ele, sabia seus horários, esperava-o, sabia seus gostos, controlava-me, sabia seus defeitos, aceitava. Tive pena de mim, sei que me desmancharia ainda mais se com isso conseguisse alguma recíproca dele. Parei. Quase que só para tomar fôlego, mas ganhei colos. Um aviso aqui, uma indireta ali, e fui me redescobrindo.
   Ressuscitei. Precisava me libertar. Ainda cai, de joelhos, na sua frente, levei a mão no rosto e algumas lágrimas escorreram. Quando dei meu primeiro passo noutra direção já encontrei companhia. Ainda olhei seu caminho, e surpresa lamentei já haver acompanhantes. A dor me ardia que corresse, dilacerasse-me toda, não ficasse sentindo-me na lanterna outra vez. Contudo, um braço me prendia, dizia-me que há luz aqui e haveria lá na frente, em meu novo caminho, iria comigo. 

Ana Kita

sábado, 26 de março de 2011

Linha de saudade - Ana Kita

   Naquela mesma hora, todos os dias, ele pensava nela enquanto ela pensava nele. Se as linhas de pensamento fossem materiais intransponíveis seus pensamentos se esbarrariam, porque apesar de terem jeitos diferentes seguiam os mesmos caminhos. Ele reservava aquele momento para se abrigar sozinho no breu de árvores ou de ruas desertas, gostava do turbilhão da mente aliado à total calmaria do mundo exterior. No mesmo instante, ela buscava o meio do povo, festas, bares, conversas agitadas, queria muito movimento ao seu redor para então parar e ficar só com suas lembranças.
   Criados com todas as falhas da sociedade, jamais passou por suas mentes a esperança de que o outro pudesse também estar pensando, como se acessando os mesmos momentos, os mesmos sonhos. Nesse momento ficavam igualmente cegos, não se permitiam ver o outro a visitar os mesmos lugares que anos antes visitaram juntos. Anos... Anos e anos, diariamente, recordando, revivendo, e escondendo a vontade de voltar, de compartilhar. Cada um à sua maneira encontrava meios de se justificar, e os dedos procuravam os números para os quais ligar, mas preferiam cortar o pensamento.Ele dizia que o tempo mudava as pessoas, que não daria mais certo, que já tiveram suas chances. Ela pensava que se ele quisesse já teria aparecido, que nada como o tempo para apagar essas saudades, que precisava conhecer pessoas novas. E não cediam aos pensamentos ocultos, aqueles que tentamos negar pensar, e que gritam para que deixemos preconceitos, orgulhos, temores. Pesavam-lhes os ombros, mas antes os ombros cheios de razão, que os olhos emocionados novamente, creia ela, mais uma vez iludidos, acreditava ele.
   Os minutos pensativos corriam e a vida os chamava a dançar. Dançavam. Separadamente, como se nunca tivessem dado as mãos. Harmonicamente, como se nunca tivessem se afastado. Displicentemente, como se os satisfizessem parceiros diversos ou passos trôpegos. Não mais se entregavam, até que a hora do dia seguinte chegasse e mergulhassem mais um pouco em saudade.

Ana Kita

quinta-feira, 24 de março de 2011

Espinho em minha carne - Ana Kita

   Senti de novo, quase como meses atrás. Embora dessa vez mais pautada, sem presenciar e parece que sem direito. Quis negar a princípio, como antes. Não contar a ninguém e nem me permitir pensar sobre. Nunca consigo me enganar. Tanto quanto é preciso confessar a si mesmo quando se está amando, é preciso reconhecer que sinto ciúmes. E muito. Vem na madrugada fria, traz insônia e na manhã nublada não se desfaz. Acompanha-me durante o dia, embrulha-me o estômago, tira minha concentração e me causa enxaqueca. Na segunda noite, ou madrugada, assumo e uma lágrima quer escorrer. Não deixo, tenho orgulho. As horas passam e o sono reaparece, com azar ainda sonho com ele, na manhã seguinte mal lembro. O ciúmes continua comigo, e assim ficará enquanto o elo existir. Por hoje decido não almoçar, o enjoou volta toda vez que penso quantas podem por seus braços passar.

Ana Kita

quarta-feira, 23 de março de 2011

Enquanto já lhe amava - Ana Kita

Há quem nunca saberá o que é amor à primeira vista, são parte daqueles que hoje não acreditam.

   Meu amor surgiu no primeiro olhar. A primeira palavra confirmou. Só aceitei no primeiro toque. De primeiros em primeiros lhe conquistei, depois de muitas repetições ele entendeu. 
   O amor sempre esteve conosco, antes mesmo de nascermos. Com a mãe sentimos no ventre, com o pai, às vezes só, no colo. Quem não é da família aparece na escola. Por sorte, podemos escolher aqueles que conosco sempre ficarão. 
   Eu decidi viver meu amor, amei. 

Ana Kita

terça-feira, 22 de março de 2011

Poeminha doce: Pedido no fio de luz

Se queres me amar
me ama pertinho!
Se queres te afastar
segue bem devagarinho...

Que ainda sou ave esperançosa
E preciso de espaço para voar.

Ana Kita

domingo, 20 de março de 2011

Poeminha sentimental: Abraçadinhos

(tanto tempo sem abraços contínuos
que já nem sabia que merecia)

eis que um abraço chegou,
trouxe um sorriso, lançou um beijo
e no silêncio se fez promessa
de doce companhia

Ana Kita

sábado, 19 de março de 2011

Quanto a seguir e a ficar

   Ainda sou uma menina boazinha, ainda que não me veja. Tento deixar provas, como pegadas do coelhinho, mas as minhas não são de mentirinha. Faço tudo certinho, como se no fundo estivesse crendo no seu olhar a admirar. Ou ainda, crendo, confesso, que possa voltar.
   Faço de tudo... Pego sol, brinco com as crianças, sigo seus conselhos ou seus rastros. Contudo, não paro. Continuo vivendo, imagino que faria o mesmo. Durmo cedo, quando possível, e o sol me acorda mostrando sua presença em meu sonho. Não conto a ninguém, como segredo nosso. E não lhe revelo, penso que não posso. Faço silêncio e sorrio, como menina boazinha, merecedora de seu olhar.

Ana Kita

quarta-feira, 16 de março de 2011

Meu presente de fim de verão - Ana Kita

   Eu abraçava a saudade como a única felicidade possuída. Então ele apareceu. Tinha pouco, e oferecia tudo que me faltava. Voltei a entender que podia me contentar com pouco, desde que jamais deixasse de desejar muito.
   E desejo. Mais que desejar, vivo no propósito de encontrar as realizações. E insisto no desejo de viver a felicidade. Não lembrá-la apenas como sorte do passado, como sorriso de fotografia, mas como ação recorrente, e presente.
   Ah, e o quanto nos presenteamos. Porque nosso tempo é agora, porque não tememos confessar saudade minutos depois de um abraço, porque se faz frio nos aquecemos e se está calor não custa suar com quem nos faz bem. Porque presentear alguém de que se gosta é se presentear também.

Ana Kita

sábado, 12 de março de 2011

   Há quem considere tortura, eu sinto ser necessário. E revejo, sem vergonha, suas fotos. Fecho os olhos e ainda posso nos ver, em frente à TV, na mesa, no carro, na cama, na rua.
   Ouço música na escuridão do meu quarto e sinto o sol, o mar e o vento sob nossos corpos. Abro a janela e a lua me faz lembrar de bailes cheios, de repente meus pés voltam a acompanhar seus passos em mais uma primeira valsa. Adormeço encolhida e seu cheiro me conforta, quase posso sentir seu toque afetuoso perseguir uma lágrima sorrateira.

Ana Kita

sexta-feira, 11 de março de 2011

quinta-feira, 10 de março de 2011

Nova estrofe - Ana Kita

   "Quem matou a poesia", o CD ficava repetindo. E eu que só queria dormir mais uns minutos concordava: "Não fui eu, nem foi você". Desisti da cama. Nela também não havia mais poesia. O CD prosseguia naquela grosseira função "repeat" e eu já não ouvia. Desligava-me do mundo para feito caramujo voltar a minha concha. Concha que mais era colcha. Costurada e cheia de lembranças e aconchegante e tão quentinha. Eu ainda queria só dormir. Esquecer e fugir. O mundo ali chamava-me pela janela e a colcha macia pedia-me que ficasse. Uma última vez ainda ouvi aquela música e desliguei o aparelho. Eu faria um novo poema pelo outro lado da janela.

Ana Kita

Obs.: Citação da canção "Problemas sempre existiram" de Humberto Gessinger.

quarta-feira, 9 de março de 2011

Minha adorável cidade - Ana Kita

   Joinville, nome vindo da cidade francesa, presente de casamento de príncipes que nunca aqui pisaram. Cidade de chuvas insistentes, flores deslumbrantes, dança reconhecida, operários ciclistas e gente guerreira. Uma cidade formada para (e talvez pelas) indústrias, e formação técnica de seus trabalhadores, hoje segue muito além, recebe diariamente universitários e é berço de artistas incríveis. Cidade de imigrantes, com grupos que preservam as tradições (especialmente) alemãs e italianas. Cidade mais populosa (com a melhor educação pública e com maior colégio eleitoral) de Santa Catarina, com rincha natural com a Capital, apesar de receber muito bem quem de lá vem.
   É preciso sentir o amor a essa cidade. Dizer "égua" (como interjeição de surpresa), amar o JEC inclusive em suas temporadas por baixo, caminhar na beira-rio apesar do terrível cheiro, levar guarda-chuva mesmo em lindos dias de sol.
   Parabéns, Joinville! Temos muito a desenvolver, contudo estamos no (florido) caminho.

Ana Kita

Joinville, 9 de março de 2011. Aniversário de 160 anos da cidade.

terça-feira, 8 de março de 2011

Dia Internacional da Mulher

   Mulher é aquela pessoa linda que lhe trouxe à vida. Alguém que vive em sacrifício por amor, fé, beleza, ideal, caráter, natureza, ambição. Entrega-se, gera, amamenta, perdoa, admira, doa-se, valoriza, busca, conquista, reconquista, pede, reza, acredita, depila-se, faz as unhas, maquia-se, faz dieta, bronzeia-se, usa salto (bem como fio dental, espartilho, meia fina, cinta compressora...), trabalha em múltiplas jornadas, submete-se, compreende, cede, compartilha, discute, afasta-se, exige, confia, sente, ama, educa, menstrua, chora, sorri, festeja, luta, guarda, compra, aceita.
   Não há como comparar ou analisá-las como um só grupo homogêneo, mulheres são únicas e cheias de particularidades.Também não é facilmente possível entendê-las, nem é preciso. Observe e admire uma flor, antes mesmo de entendê-la já a amará. Poderá um dia entender, amando é mais fácil, mas sua plenitude lhe dirá que não precisa de mais nada. 
   Hoje muitas mulheres ganharão flores, de pais, maridos, namorados, ou restaurantes, e ficarão felizes, lisonjeadas. Outras não receberam mais que um simples "feliz dia das mulheres" (talvez até de outra mulher) e sonharão com rosas vermelhas e paixões avassaladoras. Ainda haverá aquelas que não serão presenteadas, tampouco se importarão. A grande maioria das mulheres mereceria não só flores, mas reconhecimento e amor recíproco. Contudo, a felicidade de uma mulher não pode ser contada pelo número de rosas que recebe, e sim pelo número de flores e ervas daninhas que já admirou.

Ana Kita

segunda-feira, 7 de março de 2011

Tempo meu, tempo seu - Ana Kita

"minha vida está congelada desde a última vez que lhe vi" [Lulu Santos]

   Foi o tempo em que o tempo passava igualmente para nós. Minhas rugas podem estar mais perto de aparecerem e minha dieta deve estar dando resultado, contudo o tempo passava para ele, enquanto eu, congelada, esperava pelo retorno de alguém que não mais existe. Neguei mil vezes até entender. Negar ou enxergar me fez triste algumas vezes, como era de se prever. E hoje - quando passei a entender -, a verdade me aquece. Sigo em frente.

Ana Kita

sexta-feira, 4 de março de 2011

   Quanta verdade há por trás de brincadeiras? E de desejo por trás de devaneios? Melhor não descobrir, ou não. Melhor viver.

Ana Kita

quarta-feira, 2 de março de 2011

"(...)
Também dos corações onde abotoam
Os sonhos, um a um, céleres voam,
Como voam as pombas dos pombais;

No azul da adolescência as asas soltam,
Fogem... Mas aos pombais as pombas voltam,
E eles aos corações não voltam mais."
[Raimundo Correia]

Obs.: Contribuição (traumática) da minha professora Sueli Cagneti.

terça-feira, 1 de março de 2011

Sinto frio - Ana Kita

   Um poeta* de algum desses litorais escreveu "é mais frio quando se está do outro lado do oceano", ele devia ter saudade, não ausência de calor. Contudo, é difícil ser cético ou coerente quando um sentimento nos invade. Bartolomeu Dias viveu intensas tempestades, nenhum nome teria mais sentido que "Cabo das Tormentas", ainda que o Rei não concordasse. Estamos sujeitos a impressões, sensações e a olhares. Estes, essas ou aquelas podem gerar sentimentos, ou, em outras palavras, serem fatais. De fato hoje sinto mais frio.

Ana Kita

*Nota da autora: Não houve pesquisa, mas criação. Talvez fosse melhor ter dito "um poeta de algum desses litorais deve ter escrito", no entanto, não acrescentaria devaneio poético.