quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

Carta ao pai 14: Sensibilidade

Joinville, 29 de dezembro de 2010.

Pai,
quando o final do ano chega (acho que com todo mundo é assim) fico mais sensível. Muito mais. Qualquer grão de areia nos olhos faz de mim cachoeira, ou pior, uma pocinha. Quanto a tudo, pai. Quanto a saudade que tenho de você, quanto às amizades de que sinto falta ou que duvido possuir, quanto aos caos familiares, e até quanto a meus sentimentos. Por sorte ou firmeza, não tenho problemas com os planos a longo prazo. Não me pergunte dos a curto prazo, estou tentando não me preocupar.
   No dia de Natal, estive com nossa (sua) família. Foi prazeroso, é claro, sempre é. Especialmente pelo meu irmãozinho que embora esteja cada vez maior, ainda é uma criança, e crianças transbordam aquela alegria, inocência, aquela sede de vida. Senti sua falta, e confesso que meu Natal teve essa sensação de falta por outros motivos também. No entanto, tive alegrias surpreendentes. Ah, pai... A felicidade barata, a felicidade de amar e crer ser amada.
   Muita coisa tem acontecido, no mundo, na minha vida. Parece que 2011 vem cheio de mudanças. Sempre valorizei as mudanças, ainda que algumas vezes elas nos assustem, é através delas que as coisas boas chegam. Nesses dias sensíveis, e um pouco tristes, essas mudanças parecem ainda mais importantes. Fico com a sensação que só ser diferente dos últimos dois dias já seria muito bom. Contudo, estaria mentindo se dissesse que foi assim 2010. Foi um ano bom, pai. Aprendi muito, descobri coisas incríveis, conheci pessoas geniais, e vivi intensamente. Talvez por isso mesmo esses últimos dias tenham sido tão difíceis, falta intensidade. Prometo correr atrás. Hoje sei que o necessário é buscar nossa felicidade.

Escrevo-lhe mais, logo mais.
De todo coração,
sua primogênita, Ana.

terça-feira, 28 de dezembro de 2010

Poeminha sentimental: Próximo

ela corre ou tenta dormir
sabe que cada minuto
aproxima
(ou afasta)

teme, não fala
fecha os olhos, repletos de lágrimas
como a si dizer
que milagres são possíveis

Ana Kita

segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

O rosto da fotografia - Ana Kita

   Levanta sorrateira da cama, procura não fazer barulho, não quer acordar ninguém. A noite anterior foi difícil demais, ninguém há de querer levantar tão cedo. Vai até a escrivaninha e pega, mesmo no escuro, o porta-retrato ao centro. Volta à cama, acende o abajur e admira o retrato. Por essa madrugada aquele sorriso forçado é o melhor conforto que poderia receber. Adormece com a ingênua certeza de que tudo ficará bem.
   Na manhã seguinte o sol já está alto quando a casa se acorda. Talvez nem mesmo tenha dormido, mas enfim, levanta-se. O ritual matutino se sucede lentamente, como se todos temessem o desenrolar do dia. Ela é a primeira a tomar banho, privilégio de ser "visita". Prepara a mesa do café, toma um copo de achocolatado e se dá por satisfeita. Desde ontem ninguém por ali parece ter fome. Meia hora depois o pai desfaz a mesa, quase intocada. O silêncio de quem quer dizer algo, mas não sabe o quê se instala na mesa, e logo parece percorrer a casa toda, pressiona-os. De repente o silêncio é bruscamente cortado pelo agudo toque do telefone.  Ela se levanta, o pai olha a esposa, a mãe parece que dirá algo, cala-se. Ela atende com a voz trêmula. Ouve quieta o que a voz profissional fala do outro lado da linha, agradece, diz que logo estarão "aí" e desliga. Ela coloca o telefone na base e se vira para a mesa. Seu semblante está tranquilo, mas os olhos brilham cheios de lágrimas. No rosto da mãe também escorre uma lágrima. O pai, menos convencido, questiona o que lhe disseram.
   Nem o pai, tampouco a mãe, tinham dúvida de onde era o "aí". Ambos sabiam que estavam inclusos entre aqueles que junto dela iriam para lá (ou "aí"). Embora não pudessem afirmar quem falava ao telefone, tinham como certo do que se tratava. A mãe levantou, já com o rosto entregue às lágrimas, e lentamente, como se os pés pesassem naquele dia muito mais que o normal, andou até a porta do quarto. Finalmente a moça respondeu dirigindo-se aos dois. Precisavam se arrumar e rapidamente ir ao hospital, o médico queria lhes falar, a enfermeira informou que o quadro melhorava. A mãe esboçou no quarto um sorriso, buscou um vestido sóbrio e rapidamente estava pronta na sala, batia o pé enquanto aguardava. O pai não demonstrou nenhuma reação, era mais contido, sempre o fora, já estava vestido, escovou os dentes e arrumou com gel seu penteado habitual.
   Ela foi ao quarto, trocou a roupa, incumbiu-se de levar um pouco de cor, de vida. No banheiro, maquiou-se, não sobrecarregou os olhos, nem passou batom, mas queria parecer o mais saudável e alegre possível. Voltou ao quarto por mais um breve momento, pegou o porta-retrato entre o lençol e o recolocou no centro da escrivaninha. Admirou os outros retratos, parou no retrato dela há alguns anos, tocou-lhe e lembrou-se do tempo. Não o tempo que a separava da moça sorridente na areia, mas o tempo que os pais deviam estar lhe esperando. Pegou a bolsa e a levou como estava, embora estivesse mais cheia que o necessário.
   Chegaram ao hospital quase uma hora depois da ligação. Havia mais trânsito que o esperado para manhã de segunda-feira, isso porque já era hora do almoço, mas nenhum deles se teve ao horário. O médico não tardou a chamá-los para sua sala, pediu que se acomodasse, cumprimentou o pai, e olhando profundamente nos olhos da mãe começou a falar. Entre termos médicos e seu profissional jeito sisudo, o essencial tentava ser compreendido pela família. Quando ele deu uma brecha na explicação, ela achou que ele terminara, perguntou, então, se poderia vê-lo. O médico consentiu com a cabeça, e ela foi, sem nem perceber que o médico voltava a falar sobre o "estado do paciente".
   Saiu da sala um pouco bamba, odiava aquele jeito distante e decorado de falar. Perguntou para uma enfermeira onde devia ir, e sem dificuldades encontrou a porta que devia entrar. Entrar? Por um momento, teve medo de encará-lo, talvez preferisse pensar só no rosto sorridente da fotografia. Mas, e a cor que vestia? A vida que buscava trazer seria inútil se não o encontrasse. Entrou. Como já sabia, no último leito a esquerda ele parecia dormir. Aproximou-se, quase sem ver os demais pacientes, apoiou-se na barra de segurança da cama, sentindo que seu corpo não conseguiria se manter de pé. Ele abriu os olhos e ela encontrou forças naqueles olhos repletos de vida, contrariando tudo ao seu redor.
   "Você está tão bonita..." - falou a voz fraca que vinha da cama.
   "É para você... é sempre para você."
   "Então, tira uma foto... Uma foto nossa."
   "Aqui?" - espantou-se ela.
   "Onde mais? Só me prometa que continuará sempre assim, linda.Você me..." - por um instante a voz foi mais firme, mas uma falta de ar interrompeu o pedido.
   "Prometo. Eu lhe prometo..." - a voz dela foi embriagada de emoção, mas tateou a bolsa à procura da câmera. Por sorte, ou pela pressa, a câmera estava ali. Parou um instante, podia mentir que não trouxera e se livrava de fotografá-lo tão... Já não sabia como defini-lo. Achou melhor atendê-lo. Tirou o flash, não devia incomodar os demais "pacientes". E os fotografou. Não conferiu a foto, sabia como ninguém fotografar a si mesma. Deu-lhe um beijo na testa e pediu que se cuidasse. Ela justificou sua partida precoce com a vontade dos pais de também o visitar.
   "Você é quem precisa se cuidar, aqui muita gente cuida de mim." - ainda pode ouvir antes de sair. Como imaginava, os pais, ansiosos, esperavam na porta. Ela passou por eles direto para as poltronas no final do corredor, a força para manter-se em pé parecia acabar. Quando sentou os pais já entravam na porta que há pouco ela temia entrar. Ainda com a câmera na mão, ela se ajeitou na poltrona e fechou os olhos por um instante. Em sua mente só conseguia ver o corpo fraco e o exagero de aparelhos ao seu redor. Uma enfermeira passou, estava atrasada para entregar uns medicamentos, nem deu pela moça pálida sentada de olhos fechados e câmera na mão. Ela abriu os olhos, ligou a câmera e conferiu a última fotografia. Os pais já paravam em frente a ela, quando ela esboçou um tímido sorriso. A mãe chorava compulsivamente, ela os olhou questionadora.
   "Ele se despediu. Ele se despediu de nós..." - sussurrou a voz chorosa.
   "Mas, o médico não disse que ele está melhorando?" - contestou a moça.
   "Os médicos não sabem de nada. Ele sabe..." - falou o pai, com lágrimas nos olhos.
   "Olhem essa fotografia!" - e os três pareceram hipnotizados pelos sorrisos da imagem. Não fosse o fundo hospitalar ninguém poderia crer a situação em que a foto havia sido tirada. Alguns minutos depois de a família, agora sentada, ver médicos e enfermeiros apressados passarem, o médico se aproximou e informou o "óbito do paciente". O profissionalismo da voz do médico caiu por terra, quando ele, lendo na ficha, falou o nome do "paciente". Informação à família errada.

Ana Kita

sábado, 25 de dezembro de 2010

Sobre adorar o Natal...

   Preciso dizer que estava errada. É difícil confessar, sempre foi, assumir um erro é como permitir que os outros o enxerguem, ou voltem a percebê-lo. Mas, muitas vezes é necessário. Nem que seja necessário só para mim mesmo. Eu sempre adorei o Natal, adorava a ideia de no fim do ano as pessoas reservarem uma noite, e com sorte uma manhã, para estarem em família. Enfeitariam a casa, vestiriam bons trajes, fariam deliciosas comidas, presenteariam aqueles que amam. Tudo por sentirem que durante o ano todo a correria e as outras coisas que julgam importantes as impediu de darem a devida atenção que seus familiares mereciam.
   Mas, não é isso. Eu continuo gostando da data, porque as pessoas sorriem, porque pensam mais nas crianças, acreditam em milagres e lutam para conseguir o que julgam o melhor. O que mudou é que eu descobri o sentido de tudo isso, ao menos para mim. Não é a família inteira ou parte dela reunida, não é a casa enfeitada ou eu mal vestida, não tem haver com o cardápio que será servido ou os presentes escolhidos. É o que se sente. Trata-se de amar alguém, ou a todos. De ter alguém que me ame, ou muitos. Não preciso de presentes, embora goste deles, adoro quando aqueles que amo estão presentes, mas o essencial é que haja amor. Onde quer que seja, no dia de Natal e de preferência em todos os outros.

Feliz Natal a todos!

Ana

sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

um buraco. entre tantos órgãos e pensamentos uma falta. como entender o que não há? como suprir se não se compreende? dá-se tempo. espera-se que o existente preencha. ou, na melhor das hipóteses, algo virá. surpreendente, inesperado... o que menos se espera pode ser o mais esperado.

Ana Kita

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

   Ele queria que eu soubesse, é ridículo, mas sei que ele esperava que eu lesse. Eu li. Noivo. Quem fica noivo hoje em dia? Que coisa mais antiquada! As pessoas nem se casam mais, elas no máximo decidem morar juntas. Casamento virou estratégia de artista para aparecer nas revistas. E ele noivo. Coisa ridícula. Há menos de um ano ele me dizia que não fazia questão de casar, que talvez depois dos trinta pensasse em ter um filho, mas que seus objetivos "românticos" não passavam disso. Seis meses com ela e ele quer casar!
   Que raiva. Estou chorando de raiva. Raiva por passar minha adolescência vendo telenovelas, tudo tão absurdo, os casais enfrentavam as coisas mais improváveis e no fim ficavam juntos. Droga. Eu acreditei. Eu acreditei que na vida também era assim. Eu fiquei esperando ele descobrir que o grande amor era eu, que era armadilha do destino estarmos separados. Mas, na vida não tem maçã envenenada, nem fuso enfeitiçado. Não tem beijo que tire do encantamento, nem sapatinho de cristal. Na vida não há felizes para sempre.
   Eu era sua amiga e em 72 horas fui do orgasmo de uma relação romântica a maior das secas. Para mim foi suficiente para marcar, criar esperança... Para ele foi apenas um final de semana, logo começou a se envolver com ela, e hoje diz que descobriu o amor. Mas, e o meu amor? Tudo que eu sinto, todo sentimento de que eu fui cuidando esse tempo todo, para onde vai tudo isso? Vai ficar nessa página, e amanhã quando o sol nascer eu procuro um sapinho ou mesmo um "plebeu", não faço questão de príncipe.

Ana Kita

terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Quarta leitura de férias 2010/2011: Eu sou o mensageiro

Período de leitura: de 16 a 21 de dezembro de 2010.

   Há alguns anos ganhei da minha madrinha (de Crisma) um livro que ficou muito tempo entre "os mais vendidos", talvez por ser assim famoso acabei não tendo muita curiosidade em lê-lo de imediato. Um tempo depois comecei a ler "A menina que roubava livros", as primeiras páginas foram quase torturantes, eu gostava do que lia, mas não me inspirava a ler mais. Sem dúvida pelo tema bastante triste e que me leva a pensar na minha descendência: Alemanha de Hitler. Chegando a umas cem páginas lidas a história me prendeu, dali por diante li em pouco mais que uma noite. Adorável, emocionante, tocante.
   Este ano fiquei interessada em ler o outro livro de que tinha ouvido elogios, também de sucesso, do mesmo autor. Ele também ficou um tempo na estante e agora o escolhi para ser minha quarta leitura dessas férias. Não me arrependi. Demorei mais do que gostaria para ler, pela correria de final de ano. Esse, embora seja um livro de 300 páginas, é um daqueles livros que gostaríamos de ler de uma só vez. Uma história bem amarrada, com mistério, com "estratégia".
   Já no começo da leitura fiquei surpresa, esperava um livro poético - não que alguém tivesse me dito isso, achei pelo título, e até pela leitura de "A menina que roubava livros" - e no primeiro capítulo duvidei que o fosse. Também tendo como primeira frase "O assaltante é um mané." não era de se esperar outra coisa que não um receio e até preconceito da minha parte, um protagonista e narrador tão "popular", "vulgar" e "natural" é realmente impactante. Ainda assim me permiti, não só continuar a ler, como mergulhar na história e sem dúvida enxergar o quão poético a história é.
   Cartas que chegam ou são entregues, que dizem muito em pouquíssimas palavras. Ah, faltou dizer que são cartas de baralho, embora tenham mais mensagens e significados que muitas cartas (estas convencionais de mandar notícia ou falar de saudade) com várias páginas. Uma narrativa cheia de mistérios, especialmente por ser contada "na voz" de um taxista de 19 anos que se sente um nada, e que entra em algo como um jogo em que ele não conhece as regras nem os objetivos. Cabe ao leitor descobrir junto dele, embora algumas vezes minha mente passasse a frente dele, uma questão de sensibilidade ou repertório.
   Conheço muita gente que já leu, mas digo que conheço muita gente que deveria ler. Sem grande demagogia quero dizer é um livro com uma mensagem sobre força de vontade, sobre acreditar, sobre transformar... Até me lembra o que eu penso sobre o "espírito de Natal". Enfim, eu indico!

Ana Kita

Obra: Eu sou o mensageiro
Autor: Markus Zusak
Tradutor: Antônio E. de Moura Filho
Editora: Intrínseca
Ano: 2007
Clássificação: Ficção. Romance australiano

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Carta ao Noel

   Querido Papai Noel, 
agora que estou de férias tenho visto mais televisão, vejo tanta gente tendo seus desejos de Natal realizados, mas são pessoas pobres que tem desejos compráveis que realmente transformam ou ajudam a transformar suas difíceis vidas - máquina de costura, telhado, máquina de lavar roupa, carrinho de churros... Assim me sinto até boba de lhe escrever, minha vida não tem grandes dificuldades, nem minha família passou por nenhuma grave crise financeira. No entanto, meu pedido é tão sincero e humilde que achei que não custava escrever. Lembrei aquela música "seja rico ou seja pobre o velhinho sempre vem", e sempre foi verdade, todo Natal ganho os presentes mais adoráveis. Não vou dizer que este ano eu também não gostaria de uma porção de coisas, assim de brinquedos a roupas. Mas, há algo mais importante, e eu decidi que abro mão de outros pedidos por este. 
   Eu queria o espírito natalino. Nossa casa está cheia de enfeites vermelhos, há uma guirlanda na porta, bonecos seus nas estantes, velas douradas, sobre a mesa de centro há até um trenó com renas de porcelana que meu tio trouxe da Rússia, mas este ano, mais do que em qualquer outro, o mais importante está faltando. Ninguém por aqui lembrou o motivo desta festa, nem vou apelar tanto pelo lado religioso, porque temos ido à missa quase todo domingo. O que eles esqueceram é o que realmente importa. Não são os enfeites, a ceia ou os presentes. É a família, é o amor que nos une, a paz, a esperança... Todos aqueles votos tão bem escritos nos cartões não podem ser só palavras. 
   Estão todos tão distantes, trabalhando muito, preocupados com os presentes que faltam, com a organização da festa ou da viagem pra praia... Eu nem digo por mim, sempre a família consegue um tempinho para afagar os mais novos. Eu digo por todos eles. Eu vejo seus rostos cansados, as testas enrugadas, os lábios apertados, os pés inchados ou vermelhos, as mãos sempre se movimentando, algumas vezes até se medicando contra dor de cabeça. Não devia ser assim.
   Este ano nem jantaremos todos juntos, os motivos foram diversos, mas nada convincentes. Eu sei que a verdadeira razão é a falta de significado. Eles só estão vendo o Natal como o último feriado do ano, um tempo de folga, muitos gastos, uma festa com luzes. É claro que se fosse assim podia cada um ficar no seu quarto, podíamos todos passar dormindo, nem "bom noite" seria preciso. Ah, querido Noel, por favor, eu acho que não deve ser um pedido dos mais fáceis, mas eu ouso acreditar que é mais importante que muitas bicicletas, bolas ou bonecas. Ainda temos quatro dias, se o senhor puder realizar esse pedido fará não só a mim, mas a minha família muito mais feliz. 

A. (Eu sei que você saberá de quem é, fiquei com medo que mamãe pudesse ler e se chateasse.)

Ana Kita

sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

Poeminha sinestésico: Saudade

café sendo feito na janela ao lado
e o cheiro é do perfume dele
o jornalista falando de caos
e eu ouço o riso dele
nas pinturas, nos espelhos, nos desconhecidos
vejo sempre o mesmo rosto

ao matar a sede
a falta do beijo.

Ana Kita

quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Terceira leitura de férias 2010/2011: Ensaio sobre a cegueira

Período de leitura: de 11 a 16 de dezembro de 2010.

   Há tempos queria ler, depois de ter assistido ao filme a vontade só aumentou. Engraçado que depois de ler me veio uma vontade de reler, como se só a repetição pudesse me permitir compreender as diversas reflexões que a leitura trouxe. Quem como eu nunca tinha lido Saramago deve correr, perde muito. Não é só a organização nada convencional do escritor premiado, é a descrição tão viva, são as ideias tão inusitadas, é a poesia das cenas mais trágicas às alegrias mais sublimes. Não é fácil lê-lo, menos ainda compreendê-lo ou dormir tranquilamente depois de umas páginas lidas. A leitura é densa, é complexa. Como é mantida a ortografia vigente em Portugal, a desejo de Saramago, há palavras que só pelo contexto são compreensíveis (peões, por exemplo, são pedestres). Contudo, não tenho dúvida de que vale a pena. Primeiro porque é preciso exercitar a mente, acabamos tentando poupá-la muito, quase o tempo todo. Segundo porque a leitura é magnífica, as reflexões são várias e o desenvolvimento como ser humano e leitor é garantido.
   Uma cegueira branca, como se nos olhos tivesse leite, contagia um homem, o oftamologista que o atende, os outros pacientes que estavam no consultório, o taxista que o leva, a secretária, a esposa... E logo a cidade toda. A primeira medida do governo é isola-los no prédio de um antigo manicômio, depois em qualquer lugar. Logo já não há comida para abastecê-los, não há soldados para contê-los, e até os membros do governo cegaram. O caos está feito. A maior cegueira torna-se a falta de bom senso, de humanidade, uma cidade sem leis, querem sobreviver e já se sentem mortos. No meio de toda população cega, uma única mulher, esposa do médico, não cegou. Não se sabe a razão do mal, nem dela não ter sido contagiada. Não se encontra cura, não se encontra explicação. A sujeira e os instintos vão sobrepondo e destruindo tudo que a sociedade - que via!? - valorizava.
   Mesmo conhecendo o final eu quis ler, mas eu sou assim. Acho que o importante é a jornada, é como ela acontece e não onde ela termina. Mas, a maioria prefere ser guiado pela surpresa do que virá. Sugiro então que leiam. "Ensaio sobre a cegueira" é mais um dos livros que eu indico a todos que querem pensar, refletir, humanizar-se.

Ana Kita

Obra: Ensaio sobre a cegueira
Autor: José Saramago
Editora: Companhia das Letras
Ano: 1995
Classificação: Romance Português

domingo, 12 de dezembro de 2010

   Armou um circo, sem palhaços - claro, teme a eles -, nem domadores. Planejou os mínimos detalhes, queria a alegria infantil, a emoção de surpreender, a música, as luzes, os doces, o prazer e os desejos. Assim a magia e o amor superariam tudo, encheriam o recinto, seus corpos e, com sorte, os tempos que virão. Queria crer na perfeição de seu figurino, na certeza de seus passos, no espetáculo executado com maestria, no encantamento de seu público alvo... Contudo, uma insegurança, uma maldita pontinha de insegurança tomava seu ser, fazendo com que duvidasse de seu êxito.
   Revia seus projetos, conferia as listas... Rezava. (...) Temia tanto que algo saísse errado que quase desistia de realizar aquilo que com tanto carinho programou. Dizia a si mesmo que se dependesse só dela, tudo bem, faria, sem problemas, sem medos, mas e ele? O que ele pensará, sentirá? Capaz de tudo sair mais ou menos e ele não gostar. Tanto esforço, tanto cuidado, tanto trabalho, tanta espera... Ah, como desejava que as horas corressem, acelerassem tanto quanto seu coração. Ansiava por anoitecer antes que pudesse desistir, pelo circo já armado, pelas luzes acesas, a música tocando, os desejos sendo liberados, os sorrisos surpresos e os gritos eufóricos. Quando finalmente a hora chegasse tudo aconteceria como tem que ser, já não faria diferença temores ou planos dando errado, o espetáculo se daria com todos os esforços dela e ele... Ele sentiria o que tiver que sentir, o que se permitir.
  "Ah, por favor, dê tudo certo, dê tudo certo..." - adormeceu pedindo.

Ana Kita

sábado, 11 de dezembro de 2010

Segunda leitura de férias 2010/2011: A estrela da manhã

Período de leitura: de 8 a 10 de dezembro de 2010.

   Ao terminar de ler "O jovem Lennon" (aqui meus comentários sobre a leitura) quis continuar com o autor, segui então para a outra obra que eu também ganhei da minha mãe, "A estrela da manhã". Um livro um pouco mais grosso, pura ficção e com a seguinte frase na capa, abaixo do título: "Assuma o risco de se  apaixonar". Sendo eu uma "romântica incurável" e uma escritora sentimental achei uma excelente ideia lê-lo.
   Já nas primeiras páginas observei uma linguagem muito diferente, talvez por ser uma obra mais recente.    Uma história contata sem rodeios, direto as circunstâncias, mostrando um pouco do que as personagens sentem, mas focando em descrever as cenas. Um romance contemporâneo, com o primeiro encontro numa discoteca, com saídas em pizzarias e bares... Embora a antiga dificuldade das classes sociais serem diferentes.
   Ainda que o livro passe de duzentas páginas sua leitura é breve e envolvente, talvez pela proximidade com a vida que vemos todos os dias ao nosso redor. A história é um pouco "adolescente", um pouco "surreal" também, não conseguiria me imaginar aos dezesseis anos enfrentando tanto. No entanto, deliciosa de ler, até emocionante, causou-me lágrimas ao fim. Vou me conter a não contar muito da história, nem mesmo explicar o maravilhoso título, para quem sabe contagiar possíveis leitores. Indico aos que gostam de romances, no sentido mais puro e envolvente que há, aquele tipo de romance que os mais céticos chamam de "água com açúcar", mas que quem sabe apreciar sabe que têm um grande valor.

Ana Kita

Obra: A estrela da manhã
Autor: Jordi Sierra i Fabra
Tradutora: Maria Luísa Garcia Prada
Editora: Paulinas
Ano: 2001
Classificação: Literatura infanto-juvenil

sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Primeira leitura de férias 2010/2011: O Jovem Lennon

Período de leitura: de 5 a 8 de dezembro de 2010.


   Ganhei o livro de minha mãe, há alguns meses, eu que havia pedido. Queria ler várias obras de Jordi Sierra i Fabra depois de ter lido "Kafka e a Boneca Viajante" (empréstimo de um professor). É também uma obra linda, inspirada e inspiradora. Mal estava de férias e decidi, entre vários livros a ler, começar pelo fino "O jovem Lennon". Eu, que não conheço (aliás, não conhecia) muito ou qualquer coisa sobre a história dos Beatles, fiquei instigada. Embora definido como ficção, na contra-capa dizia que tratava da adolescência de Lennon. Só ao fim da leitura entendi por completo isso que a princípio parece contraditório, através dessas palavras do autor: "Desejo agradecer a todos os personagens reais desta obra pelo uso que faço de seus nomes e pedir desculpas tanto pelas palavras que não existiram e que foram escritas, como pelas que existiram e não foram. Obviamente a realidade sempre é outra coisa, embora nunca se chegue a saber se melhor ou pior."
 Penso eu que a adolescência é realmente uma fase muito significativa na vida de qualquer um, senão a mais significativa. Com John Lennon não seria diferente, ao que agora sei foi uma fase marcada de experiência, muita busca por conhecimento, sonhos e grandes projetos! Além é claro, de muita composição e treino para ser o grande músico que ainda hoje idolatramos. O livro é encantador, como diria um amigo meu, é daqueles que lemos rapidinho, mas "que nos tira o ar". Simples, tanto no objetivo, quanto nas palavras, ainda assim ou por isso mesmo, admirável!
   O último capítulo é mais "jornalístico" que literário e prossegue com a história até a morte de Lennon. Aí então, vem uma espécie de "explicação". Enfim, o autor chamou de "E um pequeno comentário...", já no primeiro parágrafo ele explica que se trata de uma apresentação ou introdução, que geralmente é feita no início, mas "devido à singularidade do tema" achou oportuno finalizar com ela. O motivo? Eis muito bem explicado nas palavras de Sierra i Fabra: "O único motivo disso é permitir uma total liberdade ao leitor, conhecedor ou não da história de John Lennon ou dos Beatles, para tirar suas próprias conclusões, se forem necessárias."
   Indico esta linda obra aos amantes da literatura e/ou da música! Um livro prazeroso de ler, uma história ("O sonho mágico que se tornou realidade.") admirável de se conhecer. Peço desculpas se me alonguei, nem pretensão de resenha eu tenho, o objetivo desse novo projeto é de compartilhar leituras, essas minhas, mas que não impede que você, amigo leitor, comente e indique também as suas.

Ana Kita

Obra: O Jovem Lennon
Autor: Jordi Sierra i Fabra
Tradutora: Cláudia Schilling
Editora: Nova Alexandria
Ano: 1995
Classificação: Ficção: Literatura espanhola

Poeminha sentimental: 5 meses

"entrega"
ouço todo o tempo,
já não sei se minha ou dele,
prefiro que não se distingua...
seja nossa,
em mais uma contradança.

Ana Kita

quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

Ilusões - Ana Kita

   Numa outra noite, ela estava sentada no meio fio. A cabeça distante, viajando ora pelo tempo, ora pelo espaço. Não conseguia pousar em lugar nenhum, tampouco segurar as lágrimas. Sentia-se sozinha, abandonada. Embora soubesse que podia fazer algo para que fosse diferente, continuava ali, sentada, sofrendo. Por um instante ansiou por um abraço, no momento seguinte preferia ir à praia, depois sentiu o corpo cansado e desejou poder dormir por um dia inteiro.
   Deitou-se na calçada a fim de procurar uma estrela que a distraísse. O céu cinzento não a fez mais melancólica do que já estava. Tentou se enganar que tudo era uma questão de cansaço, que havia trabalhado muito, que já era tarde e devia se permitir o aconchego da cama. Entreteu-se observando um inseto que voava sobre a luz do poste e refletiu que o quarto lhe traria mais solidão.
   Sentiu um arrepio, talvez fosse medo, talvez uma ideia estúpida. Quis crer que tinha sido a brisa noturna. Juntou suas forças para se erguer. Parecia tonta, como se a tristeza a embriagasse. Antes fosse um bêbado dormindo na calçada do que uma mulher apaixonada. A embriaguez passa na manhã seguinte, a dor de cabeça não dura mais que doze horas, às vezes vomita o que lhe faz mal e já é uma nova pessoa. Com ela seria diferente.
   Deu um passo na direção contrária, uma boba esperança de que alguém lhe abrigasse. Era tarde, ninguém poderia ajudá-la. Seguiu o caminho de casa. Jogou-se no sofá depois de abrir as janelas e as cortinas. Desejava que o vento tivesse o poder de levar tudo, todo o mal, a dor, aquela solidão que a corroía... Levasse também a paixão, as lembranças, aquela maldita esperança de que até a noite cair novamente, ela seria amada. Julgava-se burra, como se merecesse sofrer por não ter aprendido. Já tivera tantos homens, já sofrera tanto, não entendia porque ainda se entregava desse jeito. Por que sempre achava que seria diferente? São todos iguais, ela também não mudou muito. Ganhava um dia a mais, um passeio diferente, mas terminava sempre do mesmo jeito. Caía sempre na mesma armadilha de acreditar, de se envolver. Quase amanhecia, então ela pensava que lhe faltava amor próprio. Que assim que se apaixonava por um novo homem, esquecia de si. Ficava submissa aquele sentimento, lutava tanto para que a relação desse certo que nada mais importava, cegava-se a queda de interesse dele por ela e... Por fim sofria sozinha.
   (...)
   Adormeceu com os primeiros raios de sol, pensando que talvez amanhã fosse diferente. Ele podia ter um motivo para ter sumido, podia estar tão envolvido quanto ela e quando se vissem o amor transbordaria. Sonhou com pétalas e música, numa perfeita noite de amor.

Ana Kita

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

   Ele não a amava, ela sabia. O que ela sentia talvez não fosse amor também, mas era forte e os mantinha em harmonia. Ele ignorava a situação, havia sido marcado pela vida, optou por sobreviver cada dia e repreender seus sentimentos. Ela se calava, sonhava com o amor e aguardava.

Ana Kita

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Quanto às confissões e às paixões

   Devia manter em segredo. Queria, inclusive. O que acontece é que sempre gostei de falar, compartilhar, oferecer minhas palavras. Tanta gente oferece flores a Iemanjá, no dia seguinte, reclamam que o mar está sujo, mas a tradição está lá. Assim também comigo, eis-me aqui, novamente, falando do que sinto. Quem sabe o estrago sendo feito, quem sabe as consequências vindo - como dizem - à cavalo. Torço que não!
   O grande "estrago" já aconteceu. Apaixonei-me. Na brincadeira de negar, sinto que cai - mais uma vez - nessa armadilha que é a paixão. Confesso que tentei, ao máximo, não me render. Cansada de paixões que não davam em nada, em entregas sem retorno, em promessas que o sol nascente desfaz, quis me fazer de forte. Eu quis manter-me muralha e aproveitar da vida só, só. Não consegui. Não é fácil para alguém sentimental, romântica, com um histórico de "paixões avassaladoras" simplesmente negar seus impulsos, sentimentos e rituais. Assim me senti, como se negasse a mim mesma. A tudo que fui, a tudo que sou, ao que minha alma transpira - até inspira. Antes que me fizesse mal por completo nasceu aquela pontinha de desconfiança: Estou apaixonada? A pontinha cresceu, tomou meus pensamentos, meus sentidos e desejos. Hoje me faz plena, feliz.
   Não sei do amanhã quando estou entregue a paixão, cada dia é único e o futuro total incógnita. Feliz ou infelizmente não me importo. Quero a felicidade barata, imediata. Uma volta de mãos dadas, um chocolate dividido, uma dança, um beijo, um arrepio. Quero ver em outros olhos o brilho apaixonado dos meus, em outros lábios o sorriso calado de quem é feliz, em outras mãos a vibração de estar com quem se gosta. Não espero promessas eternas ou presentes caros. Eu vivo de momentos mágicos, simples, mas completos. Com cumplicidade e companheirismo, admiração e respeito, amizade e empatia, envolvidos de amor e paixão nossa receita está feita e nossas vidas entrelaçadas.

Ana Kita

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

Poeminha sentimental: Nascimento

Às mamães: Déia e Daia, aos papais: Giovani e Junior, 
e aos filhos: Henrique, Alice e Sofia, nascidos em 25 e 27 de novembro.

Estivemos juntos tanto tempo
Que mesmo agora, tão perto,
Já sinto tua falta, tenho saudade

Acaricio tua face, tão pura
Tuas mãos, tão perfeitas
Teus pés, tão pequenos
E posso imaginar tua vida toda

Teus sorrisos, teus choros, tuas palavras
Tua curiosidade, e os perigos de que tentarei te proteger,
Teus primeiros passos, tuas quedas, teus saltos
Ah, tuas conquistas

Sei que és do mundo
E não impedirei que o seja,
Mas neste instante
Quero crer que és meu
E que logo me chamará tua. 

Ana Kita