quinta-feira, 8 de outubro de 2009

Medo romântico - Ana Kita

Não tenho mais medo. Medo? Medo de amar parece insanidade. Como posso temer aquilo não controlo. Quando criança, eu sentia sede à noite, acendia as luzes até a cozinha, bebia água, depois apagava as luzes e corria até meu quarto. Eu não entendia bem o que temia, mas minha respiração só deixava de ser ofegante quando minhas cobertas voltavam a me "proteger". Ainda hoje busco as cobertas. Mas, quem são elas?
Quando penso no amor logo um rosto masculino, momentos ao seu lado, seu corpo me aquecendo, suas palavras doces - sem promessas -, vêm a minha mente. Não me preocupo em sonhar com ele, não tenho problemas em entender que o amo, e normalmente nem sofro ao pensar que pode não retribuir a esse sentimento. O que circula minha mente, faz com que eu acorde agitada, escreva compulsivamente pela madrugada é a falta que sua presença me faz. Ao seu lado sou mais criativa, mais saudável, mais feliz... Ao seu lado me sinto completa, e quando não o vejo sinto que me perco. Acho absurda essa dependência, passamos a vida nos libertando. Procuramos a liberdade das opiniões alheias, da estabilidade financeira proporcionada pelos pais, dos padrões educacionais e sociais, das formalidades, das expectativas dos demais... E quando vemos já criamos outras amarras. Queremos satisfazer um parceiro, atingir as metas do trabalho, ser admirados pelos amigos, reconhecidos pela sociedade, fazer parte de uma grande massa (ainda que sonhemos com um nível acima da maioria).
Complexo pensar em liberdade falando em amor. O amor normalmente aparece como celas. Possuímos toda a liberdade e desejamos nos entregar a alguém. No fundo o que desejamos é estarmos presos, amarados a convicções românticas, a promessas que nem sempre serão cumpridas, a documentos hipócritas, a futuros imprevisíveis. Não tente entender. O amor é assim mágico, envolvente, justamente por sua magnitude incompreensível. Ele mais parece uma obra surrealista que romântica. Não há mocinhas ou malfeitores, parece que todos somos relógios derretidos.

Ana Kita
(Inverno, 2009.)

->Revisto em 28 de julho de 2010.