Pai,
Faz muito tempo que não lhe escrevo, mas nem por isso tem passado muito tempo sem que eu lhe dirija uma palavra ou muitos pensamentos. Estou grávida, pai! Hoje iniciamos o quinto mês de gestação, nunca me senti tão feliz e realizada. Nem tudo são flores, tive muitos enjoos, um pouco de falta de ar já no comecinho. Depois prisão de ventre, e muita dor na lombar. Estou afastada do trabalho por lombalgia crônica agravada com a gravidez, mas nada disso me impede de tentar ao máximo curtir. No começo foi difícil porque os enjoos e a dor me consumiam, hoje já consigo lidar melhor. Aproveito os dias de disposição para sair, comer bem, escolher coisinhas do enxoval, nos demais dias peço socorro ao meu marido e a minha mãe e durmo bastante.
Ontem assisti a um seriado investigativo que uma das personagens tinha duas das suas doenças, ela também morreu, mas em seriado que não é de tratamento médico só se fala em doença se a pessoa for morrer. A verdade é que me fez pensar e falar, não costumo ficar falando porque não acho que mudará algo, mas a ideia de velar também não me agrada. Bom, é muito triste, são doenças que mexem comigo, e provavelmente sempre mexerão. Que bom, tenho sentimentos!
Você sempre esteve entre os pais jovens do meu grupo de amigos. E um mês no hospital sem problema cardíaco ou cirurgias complexas não parece suficiente para se pensar em risco de morte. Talvez ninguém consiga de fato assimilar a ideia de que o pai pode morrer, ainda mais quando se tem apenas 16 anos. Sei lá, talvez quando o pai já é avô, tem limitações devido a idade avançada ou passou por muitos problemas de saúde seja possível cogitar, mas eu não. A não ser enquanto minha mãe era avisada do velório e algo dentro de mim apertava, eu nunca tinha imaginado, se quer pensado na possibilidade.
Não é estranho que justamente agora que o tema mais presente na minha vida seja vida, nascimento, eu tenha pensado e decidido escrever sobre sua morte? Talvez seja o ciclo, talvez você não conhecer seus netos. De qualquer maneira, sinto sua bênção, lembro seus exemplos e sigo feliz.
Escrevo-lhe mais, logo mais.
De todo coração,
sua primogênita, Ana.