terça-feira, 31 de maio de 2011

Quanto a enfraquecer e a ser forte - Ana Kita


   Ele não me deixou falar. Não me permitiu partir. Ficou comigo naquela noite, velando meu sono. Pode ter parecido autoritário, podia ter sido indiferente. Talvez devesse. Mas foi, como costuma ser, o melhor namorado. Disse-me que me ama, beijou meus lábios revoltados. Calou-me. Impediu que eu lhe disse as maiores mentiras, os piores desaforos. Esperou até que eu acordasse e lhe dissesse o quanto o amo. E eu o amo tanto. Amo-o ainda mais agora, depois de nos proteger de mim, depois de aguentar minhas inseguranças e crises, meus medos e traumas. Sempre soube de sua paciência, de sua confiança, mas naquela noite ele precisou ainda mais. Precisou ter sangue frio, acreditar, lutar. Sei que o amor o guiou, como nos guia todos os dias. Mas, ao me ver fraca podia ter enfraquecido, e não se permitiu. Pelo contrário, foi mais forte do que nunca. Um herói. E sobrevivemos, os três. 

Ana Kita

segunda-feira, 30 de maio de 2011

Sublimemente nós

   Deito em seu peito e tudo se acalma. Encaixa-se, harmoniza. O passado já não existe, e o mundo além de nossos corpos desaparece. Só ouço o mesmo ritmo, em você e em mim. O único som sublime que me faz completamente feliz. E tudo de que preciso está ali. Não mais entre nós, em nós. Somos nós.

Ana Kita

sábado, 28 de maio de 2011

Um pouco de humor de sala de aula, ou não

   - "Sem título" é o título do seu poema?
   - Não, professora. Meu poema não tem título, por isso coloquei entre parênteses "sem título".
   - E por que seu poema não tem título?
   - Droga!
   - O que disse?
   - Nada.
   - Pode me justificar a ausência de um título?
   - Pra que jamais um livro ou uma professora pedisse a alguém justificar a escolha do título.

Ana Kita

sexta-feira, 27 de maio de 2011

   Rrrooonnnncava e como me incomodava. Quando foi embora, senti falta de tudo, mas especialmente daquele ressonar que me ninava.

Ana Kita

quinta-feira, 26 de maio de 2011

Quanto a conter e a sofrer - Ana Kita

   Fico calada, com dor. Queria ser ouvida, mas me escondo. Sempre foi assim, sempre soube que não era ouvida, sempre aceitei. E fui considerando normal, contendo. Camuflar a felicidade, disfarçar desejos, guardar sonhos... Até que não era difícil. Agora, a tristeza... Ah, como pesa. Eu tento deixar por debaixo dos panos, mas nada cobre. Tento confinar em diários, mas acaba escapando. E você não vê. Deixa de ler, de olhar, nunca sente (sentiu). Fecho meus olhos brilhantes, abafo meus gemidos, e mesmo meu sorriso mais amarelo lhe agrada. Despedimo-nos e, a areia abre espaços às pedras.

Ana Kita

terça-feira, 24 de maio de 2011

Poeminha sentimental: Meu livro

uma longa introdução
que não diz mais nada

e vou vivendo os primeiros capítulos
como se a vida começasse agora

Ana Kita

domingo, 22 de maio de 2011

Carta a ti: que quero amar

Domingo, 22 de maio de 2011.

   Eu o amo quando me elogia, me agrada, me diverte, me abraça, beija, acompanha, faz carinho, ouve... Mas, isso não surpreende ninguém. O que me instiga todo dia a dizer que o amo é amá-lo também quando ganha de mim em algum jogo, quando me contraria, quando me faz sentir ciúmes, quando me critica, quando discute, quando me falta, quando ri de mim. Eu o amo todo o tempo, perto e longe. Se fosse hoje o momento de casar, encheria a boca pra dizer: na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, na riqueza e na pobreza. Mas, digo ainda assim, digo que o amo e o amarei sempre.
   Ouso dizer mais, que é através desse amor enorme a você que descubro - diariamente - outros amores. Ao seu lado sou tão cheia de amor que passo a amar ainda mais (e ser consciente disso) meus pais, meus irmãos, meus amigos e a mim mesma. Respiro e transpiro amor, e nem por isso deixo de aspirá-lo mais e mais. Sempre lia que para ser amada bastante ser amável, acho que ajuda, mas amar facilita muito mais. Uma vez que se é amada se ama, e o percurso cíclico não tem fim. Eu amo, muito. 

Com muito amor,
Ana. 

sábado, 21 de maio de 2011

Caminhos até nós - Ana Kita

   Olhou suavemente na minha direção, e olhando para seus próprios pés desceu lentamente as escadas. Voltou a me olhar, e, em linha reta veio andando até mim. Eram poucos metros, mas o tempo pareceu parar. Fiquei admirando seu caminhar, o jeito que movia levemente os ombros, os passos curtos e firmes, o balanço dos braços... Chegou a mim. Depois de tanto tempo, seus olhos eram maiores e mais brilhantes, seus lábios mais grossos e vermelhos, e meu amor ainda maior. Ele me envolveu com seu braço e nos beijamos, como se o tempo não tivesse nos afastado.

Ana Kita

quarta-feira, 18 de maio de 2011

Folhas cheias - Ana Kita

   Não somos folhas em branco. Jamais acredite que encontrará uma. Somos folhas, aparentemente, sempre cheias. Escritas à caneta, antes de haver corretivo. Então alguém chega, tenta nos conhecer, admira e critica alguns escritos, e, logo, vai escrevendo-se por cima. Algumas vezes parte deixando apenas discretos rabiscos. Contudo, na maior parte do tempo, permanece tempo suficiente para nos transformar - repaginar-nos. Parece que também somos rasgados, mas penso que não. Quero acreditar que sempre podemos voltar a ser quem fomos, acessar, transformar, decidir. Como aqueles papiros antigos que historiadores desvendam diversos textos, somos o que consideramos ser o melhor escrito.

Ana Kita

sábado, 14 de maio de 2011

Confissão de enjôo - Ana kita

   poema romântico demais me enjoa. é assim, sinto dizer. talvez por isso tenha mantido tanta distância dos grandes poetas. nunca fui de pegar ou comprar livros de poemas. os poucos que li foram de drummond, quintana e bandeira. acho que são mais pontuais, sem exageros, sem manchar-se de vermelho. hoje com os contemporâneos é mais fácil, mas suave, verdadeiro. amor levado às últimas consequencias deixe para os romances - românticos - e para aqueles garotos que morreram jovens. eu escrevia poemas assim, amores eternos e homens perfeitos. mas, eu tinha meus lindos onze anos e esses homens não passavam dos doze. não era eu completa, menos ainda eles. éramos apenas crianças descobrindo sentimentos, desenvolvendo sonhos e amizades. saudável, mas com fim marcado. acabou. antes mesmo dos - tão esperados - quinze anos, tudo já havia mudado. poesia já ficava apenas para as aulas de literatura e as narrativas ganhavam força. eu as escrevia aos montes e raramente terminava. vivia-as intensamente e sempre terminavam antes do que eu esperava. eu era feliz, mas não acreditava. hoje, se me julgo mais feliz é porque sei reconhecer. voltei aos poemas, sem sangue nem perfeições. verdadeiros e sentidos. parecem me fazer mais sentido, e com sorte, são sentidos por leitores. sim, hoje tenho leitores. não os temo e me orgulho de me lerem. não garotinhas de onze anos "profundamente" apaixonadas, mas mulheres e homens que sentem, viveram e vivem. eu vivo um intenso amor, nem por isso escrevo sobre a utópica felicidade eterna. seria vomitar palavras. prefiro viver cada dia, e escrever quando sinto.

Ana Kita

sexta-feira, 13 de maio de 2011

"Tudo tem razão de ser, nem sempre a compreendo." 

   Um anjo volta ao céu. Nós, pequenos mortais, sentimo-nos flores despedaçadas. Fechamos os olhos molhados, caímos na negra tristeza. E o sol insiste em brilhar, ilumina outros olhos infantis, pede que olhemos para o céu. Se olharmos bem, talvez entendamos o que a brisa quer nos ensinar ao derrubar a folha. Pois, meus ombros cansados e meus olhos vermelhos tentam ignorar, mas o coração e as mãos lutam para seguir. A vida é breve, valiosa, significativa e feita de aprendizado. Aprendamos, ainda que enquanto sangramos.

Ana Kita

quinta-feira, 12 de maio de 2011

Nossos papéis - Ana Kita

   Estou sempre escrevendo. Cartas, poemas, lamentos, histórias. Vejo seus olhos na rua e me sai uma narrativa com humor. Sinto o cheiro de morangos frescos na verdureira e me jorra um poema sensual. Ouço sua voz na mesa ao lado e me escapa um lamento com saudade. Toco o cetim do seu pijama no lençol e me escorre uma carta molhada. No folheto do supermercado, na nota fiscal, no guardanapo, na lista telefônica. Todo o tempo, em qualquer lugar, você me tira do chão e minha mão precisa registrar. Sou vista como louca, e até tenho me sentido assim. Mas, quando o encontro numas linhas escritas nada disso importa. O cenário se dissolve ao meu redor, o silêncio se instala, e seu sorriso se ilumina no pedaço do papel.
   Nos domingos à tarde, quando não há jogão na TV, reúno meus papéis, tento unir nossos momentos e sinto seu abraço. Acabo adormecendo com o ritmo dos seus batimentos. Mais uma semana começa, sem você.

Ana Kita

quinta-feira, 5 de maio de 2011

terça-feira, 3 de maio de 2011

Paixão auditiva - Ana Kita

   Há seis meses todos os dias, ela ligava o rádio dez minutos antes, só para ter certeza de que não perderia nenhum segundinho do programa. Nas primeiras semanas, ouvia o rádio lavando louça, ou passando roupa, depois não mais conseguia, sentava-se à mesa da cozinha e segurando o rosto ouvia aquela 1h30 diária. As músicas não lhe agradavam já no primeiro mês, a partir do terceiro mês lhe chateavam profundamente, mas ela não se importava. Queria, inclusive, que aquela hora e meia se estendesse pelo dia todo. Depois de ouvir, caso não tivesse muito trabalho (e raramente tinha acumulado), deitava-se, mesmo sem sono, só para a tarde passar mais rápido e o dia seguinte amanhecer "antes".
   Durante a noite também ouvia o rádio, mas em outra rádio, numa que tocavam suaves canções antigas, que lhe agradavam bem mais que as vespertinas. Por sorte, quase a noite toda só duas ou três vezes as músicas paravam, para uma propaganda ou dizer a hora. Tecia seus trabalhos com agilidade e cuidado, deles vinham toda sua renda há três anos, desde quando o irmão casou. Os pais moravam no interior, cuidavam de uma pequena fazenda e lá queriam morrer, ela partiu bem nova com o irmão que viera fazer faculdade.
   Todas as manhãs eram iguais, dormia até perto do horário de almoço, já que passava a noite trabalhando, fazia seu almoço - sempre variado, como a mãe ensinara para ser uma boa esposa -, levava as costuras até a sócia (que as vendia) e voltava para escutar o rádio. Não sabia como aconteceu, mas por acaso ouviu aquela rádio regional e o novo radialista a encantou. Era a voz mais sonora que já tinha ouvido, tão grave e imponente... Apaixonante! Dito e feito, a paixão já durava seis meses, não revelava a ninguém, sabia o quanto insensato podia parecer. Tentava se convencer de que não era paixão, afinal nem era pelo que ele dizia, não falava nada além do nome e compositores das músicas, era a voz, o jeito que falava... Ah, todo dia, naquele mesmo horário, a paixão voltava ainda mais ardente.
   Até que no final de um programa, ele disse: "Bom, ouvintes, muito obrigada pela companhia, mas hoje é meu último dia aqui na rádio. A partir de amanhã vocês terão um novo e mais completo programa. Boa tarde." E ela ficou sem chão. O que fazer sem seu amado na tarde seguinte? Nunca mais? Pensou em ir na rádio, pensou em ligar, por aquela tarde só chorou. E no dia seguinte, como se tivesse esquecido, ligou o rádio, no mesmo horário. Então, uma voz sedutora fez propaganda do novo programa. Ouviu e... Apaixonou-se, ótimas músicas, maravilhoso locutor, encantadores comentários!

Ana Kita

domingo, 1 de maio de 2011

Quanto a torcer e a sofrer

   A maioria de nós nem entende, simplesmente cria expectativa e no fim pode se alegrar ou frustrar. Fiquei triste. Simples assim. Como num jogo das olímpiadas internas do meu colégio, em 2005, onde no final do último jogo fui substituída. Perdemos. Eu perdi. Não pude fazer nada, só podia torcer, e chorei. Chorei tanto quanto se eu tivesse sacado pra fora no último ponto. Não foi culpa minha, nem de quem ficou no meu lugar. Não foi árbitro ladrão, falta de torcida, ou incapacidade de nosso time. Ganhar ou perder é um acumulado de técnica, sorte e preparação, de ambos os times. Contudo, a emoção esquece tudo, racional demais tentar se convencer ao fim do jogo, da competição. Discuti, queria ter dado meu sangue, momentos depois do jogo eu dizia preferir ter pedido por erro meu. Sofri, e sofreria de qualquer jeito.
   Hoje não foi diferente. Eu estava muito distante, em outro estado, apenas vendo na TV, um jogo de pessoas que "nem conheço". Mas, sofri igualmente. Como a garotinha que teria se jogado num peixinho pra pegar aquele último ponto, e só estava no banco assistindo. Sofri. Como todos os garotos ao meu redor que levavam a camisa do time vice no peito. Os olhos ficaram úmidos e pesados, e foi trabalhoso parar em três lágrimas silenciosas. Jogo a jogo conquistando, torcendo, e em minutos: tudo acabou. Parece, agora, ignorância, até maldade, foi um jogo disputado, foi uma boa atuação no campeonato... No entanto, quando os outros torcedores gritaram e a TV tocou o hino deles, tudo era dor. Toda vitória anterior parecia pouco, a história parecia se apagar, e a tristeza invadia.
   Um abraço, que me faltou, em 2005, quando precisei voltar pra casa sozinha e ainda ter o ônibus batido, hoje fez da dor suportável. Era um abraço quente - quente de felicidade, de vitória -, mas que se importava com meu sofrimento e fez dele harmonia. Lamento que meus olhos de lágrimas tenham tirado o brilho vitorioso dos olhos apaixonados que me olhavam, mas agradeço que tenham me acolhido. Fiquei dias imaginando como seria, tanto com vitória minha, quanto dele, e não cheguei a conclusão nenhuma, a não ser um certo estranhamento, um não saber como agir. E não houve. Tive amor, conforto, fui cuidada e amada. Então, vencemos. O time dele, e o nosso amor. Meu time, confesso, não estava tão bem preparado. Em 2006, com várias mudanças, levamos o ouro. Quem sabe numa próxima... O importante é o amor continuar invencível!

Ana Kita