terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

   Quando é noite não saio para ver se os gatos estão pardos, só sinto aquela ausência, aquele não ser, não existir, não querer e esperar. Revejo meu dia, meu passado, meus planos, seus olhos. Sinto o cheiro do amanciante nos lençóis, o mofo dos armários, o gelado da noite, a distância do seu perfume. Não conto carneirinhos, nem até mil, tento lembrar os dias de praia e os sem nuvens, qualquer momento ao seu lado. Fecho meus olhos, mas já não tento dormir, espero abri-los para sorrir com seus raios. 

Ana Kita


segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

Carta a ti: que sei esperar

As pedras, as flores e as ondas me trouxeram a ti. Hoje o vento sussurra teu nome, balança meu cabelo, alegra-se com meu sorriso e deseja-me sorte, sabe que o futuro nos espera. E eu espero! Como espero... Espero teu recado, teu sorriso, tua entrega, teu pedido. Espero a chegada de nossos filhos, ver-te no altar, voltar do trabalho, uma viagem, mais uma fotografia. Espero a casa pronta, arrumada, cheia, festejando. Espero a lua cheia, o banho de chuva, o piquenique, um rolar na grama, um passeio de gôndola. Espero o anoitecer de hoje, o amanhecer de amanhã, e que não demore muito para que eles tenham sua companhia. Esperei a “vida toda” pra te ver chegar, agora só espero que sejamos muito felizes!

Com todo amor,
sua pequena, Ana.

terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Quem não tem medo do lobo mau?

Resenha do livro infanto-juvenil: “Fita verde no cabelo: nova velha estória”

        Quem não conhece a história de Chapeuzinho Vermelho? E quem conhece a de Fita Verde? Pode não ser tão conhecida, mas vale a pena, tanto ou mais que a outra. A narrativa em que o lobo se finge de vovó para devorar a menina pode ter seus ensinamentos, mas esta poética história de Guimarães Rosa em que o lobo só existe no imaginário infantil como representação do medo traz a crianças e adultos muitas reflexões.
        Por que a vovó poderia estar com aparência de dar medo à sua neta?
       Indico esta forte e triste história para leituras com crianças maiores, creio que na faixa dos oito ou dez anos, não que crianças menores não possam entender ou gostar, mas acredito que há meios mais amenos para elas.

Ana Kita

Título: Fita verde no cabelo: nova velha estória
Autoria: João Guimarães Rosa
Ilustração: Roger Mello
Editora: Nova Fronteira
Ano: 1992

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

Que cor?

Resenha do livro infanto-juvenil: “Uma casa sem cor”

        As cores são muito importantes para a literatura infantil, mesmo aqueles que sabem ler podem ser influenciados pelas cores da capa, das páginas e das ilustrações. Nesta obra, o próprio título anuncia que a cor, ou a ausência dela, será bastante significativa. Com uma capa escura a história começa sem apresentações ou nomes, simplesmente uma garota – que mais tarde revela ter 8 anos e dois irmãos mais novos – conta que depois que o pai viajou aconteceram mudanças negativas com sua família. Através desse olhar doce e ingênuo a autora representa as dúvidas e a sensibilidade infantil.
        Como as pessoas costumam dizem “as crianças não são bobas, elas vêem e percebem tudo”, ainda que possam não entender buscarão respostas com outras crianças, outros adultos ou em seu próprio imaginário. No caso da protagonista a resposta veio de uma vizinha, e a compreensão foi natural, já que necessária, a menina diz: “De repente, eu já não era mais criança, tinha entendido finalmente a morte dentro da vida...”. Ela não deixou de ser criança, a não ser pela ingenuidade e imaturidade que muitas vezes os pais atribuem aos seus filhos quando algo ruim acontece, mas já se sente capaz de ajudar a mãe e os irmãos nesse momento e encarar de outra forma esta ausência do pai. Negar e esconder não ajuda os pequenos, pelo contrário, eles sofrem com o não entendimento e são impedidos de se desenvolver com as coisas que fazem parte da vida. Indico este sensível livro para crianças a partir dos 8 anos de idade.

Ana Kita

Título: Uma casa sem cor
Autoria: Zahidé Lupinacci Muzart
Ilustração: Márcia Cardeal
Editora: Mulheres
Ano: 2009

sábado, 4 de fevereiro de 2012

Doce morte...

Resenha do livro infanto-juvenil: "O pato, a morte e a tulipa"

      Wolf Erlbruch escreve e ilustra "O pato, a morte e a tulipa", mais do que isso, inova, transforma e manda refletir. Por que a morte tem que ser um figura assombrosa e malvada? Não, definitivamente não precisa. A morte desta história é simpática e sorri, está com o pato desde que ele nasceu e torna-se sua amiga. Com a simplicidade das imagens e a narrativa bastante direta, este livro traz uma nova versão para a personagem da morte e resgata uma ideia que na sociedade moderna não é tão comum, a morte como algo natural e parte integrante da vida. "Quando perdeu o pato de vista, por pouco a morte não ficou triste. Mas assim era a vida."
        Assim como o pato desta história, todas as pessoas sentem a presença da morte, sabem de sua existência, imaginam o que acontece quando chega a hora, mas, infelizmente ao contrário dele, as pessoas costumam temê-la. O pato aproveita seus dias, faz as coisas de que gosta, quem sabe não é hora de aprendermos que viver é também saber que um dia não estaremos mais aqui e tudo bem.

Ana Kita

Título: O pato, a morte e a tulipa
Autoria e ilustração: Wolf Erlbruch
Tradução: José Marcos Macedo
Editora: Cosac Naify
Ano: 2009

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

E o que vem depois?

Resenha do livro infanto-juvenil: "E o que vem depois de mil?"


        As crianças são cheias de perguntas, das mais simples às mais complexas, também adoram aprender, descobrir, vencer desafios. Lisa não era diferente, com o jardineiro Otto se divertia o dia inteiro, plantando flores, ouvindo histórias, fazendo contas. Mas, como as outras crianças Lisa tem muitas lições a aprender, uma delas é a morte, outra, talvez ainda mais difícil, é a saudade daquele que parte.
        A escritora e ilustradora Anette Bley traz em "E o que vem depois de mil?" muitas lições, com o senhor Otto e a pequena Lisa fala aos seus leitores sobre a amizade, a confiança, o aprender com os mais velhos e suas histórias, o bem da natureza, enfim, lições que, como os números, não acabam jamais. Indico esta divertida narrativa especialmente para ser lida com ou por crianças na faixa dos sete anos - fase de decifrar os números "grandes".

Ana Kita

Título: E o que vem depois de mil?
Autoria e ilustração: Anette Bley
Tradução: Karsten Martin Haettinger
Editora: Berlendis & Vertecchia
Ano: 2009

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

Quarta leitura de férias 2011/2012: Angústia

Período de leitura: 26 de janeiro a 2 de fevereiro de 2012.

        Comprei em janeiro o lindo e grosso volume de "Angústia" e na ânsia de lê-lo esqueci minha listinha de livros a ler, isto porque durante meus dois anos do curso de Letras inúmeras vezes ele foi citado, já não consigo lembrar os motivos dessas menções, mas hoje dou razão. Já li e reli "São Bernardo", do mesmo autor e publicado apenas dois anos antes, por "obrigação" escolar (ensino médio e superior), mas com prazer, pois apesar de uma realidade bastante diferente a minha - classe média, escola particular, catarinense - encantou-me ambas as vezes pela força da narração. Enfim, impossível não se render a Paulo Honório. Em "Angústia" não é tão diferente, o ritmo e a densidade da obra me pôs escrava da leitura, angustiada pelos diversos sofrimentos passados e presentes de Luís da Silva queria ler, e ler, devorar as quase 300 páginas para livrá-lo ou me libertar. 
         Esta edição da Editora Record é um primor, embora volumoso e pesado são merecidas as letras grandes e a brancura da página para esta obra. Talvez só assim possamos verdadeiramente ter prazer na angústia. Sei que soa absurdo, mas assim me senti. O prazer desta leitura consiste mesmo na angústia de colocar-se no lugar do protagonista, em se deixar um pouco assombrar por seus fantasmas da infância e se seduzir por seus desvios do presente. Há ainda quem, como eu, que apaixonado por literatura e pela palavra, possa ter um prazer extra ao pensar na grandiosidade de Graciliano, o poder no uso das palavras, as discussões levantadas e amornadas por um pensonagem fora de si, a graça de por dúvida no leitor atráves das incertezas do narrador, a genialidade de absorver e retratar os caos da sociedade. 
        Caos estes que ainda hoje sofremos. Encantei-me com um trecho que preciso compartilhar. Ao ver uma pixação de cunho político sem pontuação, Luís fica a se questionar e num dado momento reflete: "Aquela maneira de escrever comendo os sinais indignou-me. Não dispenso as vírgulas e os traços. Quereriam fazer uma revolução sem vírgulas e sem traços? Numa revolução de tal ordem não haveria lugar para mim. Mas então?" (p.204) Com a era digital por vezes também me questiono, são tantas as revoltas que podemos ler em blogs e redes sociais, poucas e até raras se preocupam com a ortografia, não só com a pontuação, mas com a escolha de palavras. Dou-me conta que talvez seja este mesmo o motivo que me leva à literatura, a chance de renovação, de fonte de força e fé nas palavras. Sem emotions, ilustrações ou excessos de pontos de exclamação ou vogais é sim possível transmitir os mais fortes sentimentos, as mais densas angústias, até a realidade regional. Aprendamos!
        Enfim, "Angústia" é um livro que recomendo, é pesado, forte, sensual, longo, mas acima de tudo é a literatura brasileira em sua melhor forma, com verdade e poesia, com sabedoria e bem articulada. Não sugiro que as escolas obriguem as crianças a lerem, longe disso, mas mesmo um aluno de ensino médio poderia se encantar com esta história, é claro que pela extensão necessita já ter o gosto pela leitura. Indico para qualquer leitor adulto, imagino que do mais letrado ao mais esporádico uma obra tão rica pode envolver e ser admirada, além do mais, com sorte pode fazer refletir sobre um bocado de coisas.

Ana Kita

Obra: Angústia
Autor: Graciliano Ramos
Editora: Record
Ano: 2004 (primeira publicação em 1936)
Classificação: Romance brasileiro

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

Boa pergunta!

Resenha do livro infanto-juvenil: "A preciosa pergunta da pata"

        Este é, sem dúvida, um precioso livro de Leen van den Berg e Ann Ingelbeen. O próprio título já nos faz refletir, qual seria a dúvida de uma pata? E por que tal pergunta seria preciosa? Na reunião anual, a pergunta foi descoberta: a pata gostaria de saber "... o que acontece quando não estamos mais aqui, (...) quando morremos".
        O silêncio de todos deixa nítido a preciosidade da pergunta e a dificuldade da resposta, cada um respondeu o que achava que seria quando morresse. O floco de neve sussurrou:  "Sentarei no colo do Sol", já o Sol bufou: "Finalmente não sentirei mais tanto calor". E mesmo com tantas respostas diferentes e até algumas vezes opostas, a mamãe pata encontrou uma resposta própria para pensar no patinho que havia morrido.
        Uma excelente narrativa para divertir e acalentar, super indicada para contações e leituras, acredito que mais apropriada para crianças a partir dos 4 anos.
  
Ana Kita

Título: A preciosa pergunta da pata
Autoria: Leen van den Berg
Ilustração: Ann Ingelbeen
Tradução: Vânia Maria Araujo de Lange
Editora: Brinque-Book
Ano: 2009