sábado, 31 de julho de 2010

Coceira - Ana Kita


 Para coçar e ler.

Viciei-me. Sou lida, fui lida, quero sempre ser. Agora é assim. Surge a ideia, escrevo-a, e mostro-a. Todo o tempo. Antes me coçava para escrever. Agora, escrevo muito, nem chega a coçar já escrevi. Mas, vem a coceira de mostrar. E mostro. Mostro pra alguém que queira, que também escreva, que leia muito. Isso quando posso, quando há. Como uma boa viciada na falta mostro a qualquer um. É aí que vive o malefício, os novos olhos - depois dele, tão atento, tão generoso - são desinteressados, têm má vontade e nunca sabem o que dizer. Fico a me convencer que já não sei ler olhos, quando estou muito triste penso que olhos nem falam. Ah, como me engano.

E escrevo, e mostro. Pra não coçar. À quem interessar.

Ana Kita

sexta-feira, 30 de julho de 2010

Poeminha sentimental: Amor puro

sorrio
levinho, envergonhada

peço um beijo
escondido, apaixonada

fecho os olhos
sorrindo beijada

eu amo
é tão bom quanto ser amada!

Ana Kita

quinta-feira, 29 de julho de 2010

Poeminha doce: Ex-ciúmes

apelido em vez do nome
assim, só por carinho,
e meu ciúmes se desfez
(todinho)

Ana Kita

Poeminha pessoal: Eu

nem anjo, nem diabo
quem me anunciou
foi um preservativo não usado

fui menina poetiza
assistia à vida
caseira e sozinha

acordei mulher
escrevo o que sinto
acredito e não minto

ouvi e vi
entre homens e letras
sou lida e vivi.

Ana Kita

-> Poema orientado após conversa (prosaica? já ouvi tantas vezes...) sobre os poemas "Poema das sete faces" de Drummond e "Com licença poética" da Adélia Prado, proposta da aula de Língua Portuguesa 1 de se escrever num poema. Eis minha escrita, assim, quase que apenas rascunhada.

quarta-feira, 28 de julho de 2010

Poeminha sentimental: Papo de estrela

óh, estrela, por que parece cair?
fique no alto, é lá seu lugar
faça-me companhia nesta madrugada
ouça meus segredos e guarde-os

vele meu sono
e na manhã já terá sumido
mas, não caia jamais
que eu me afundaria em lágrimas

Ana Kita

Quanto aos presentes e aos cartões de que gosto

Adoro presentes! O especial está no ato de ser presenteada. Saber que alguém me quer bem, que essa pessoa pensou em algo para me agradar, que comprou ou fez buscando minha satisfação. Ah, que sensação gostosa abrir um presente. Sentir-se observada pelos olhos atentos de quem o deu, descobrir o presente e dar aquele abraço de agradecimento salutar a ambos.
O presente pode ser algo inútil ou de que eu não goste, algo que não tem a ver comigo ou que eu nunca compraria. O que me encanta são as suposições que faço: o que levaria a pessoa a me comprar tal coisa? Se tem a ver comigo, se serve, se gosto, se eu precisava, fico cheia de mim e satisfeita, significa que reflito quem realmente sou  a ela. Admiro os detalhes, a embalagem, as cores e principalmente... O cartão! Presente dado com carinho exige cartão, ainda que seja num pequeno envelope branco de floricultura, que só traga curtos desejos "Felicidades! Com carinho,", que venha com as pontinhas amassadas, que tenha sido feito encima da hora.
Adoro cartões! Especialmente aqueles que deixam de ser cartões e passam a ser cartas. Cartas que lembram a adolescência, falam do começo da relação entre eu e quem me presenteou, que humildemente explicam a escolha do presente, que me deixam ótimos desejos e compartilham um carinho imenso a mim. Como não gostar de cartões? Penso até que um ótimo presente poderia ser só uma cartinha, ainda que digitada, sem a emoção da letra trêmula e das confissões da caligrafia. Ainda que uma carta tímida, começando por elogiar minha habilidade com as palavras e dizendo que espera não cometer nenhum erro gramatical (já recebi algumas assim), cartas divertidas também acolhem meu coração. É isso, pois, que espero: ter meu coração acolhido, alegres lágrimas criadas e um grande sorriso verdadeiro nos lábios.

Ana Kita

-> Isso não é um pedido, embora dia 6 esteja chegando e com ele mais um ano de minha vida (risos arteiros), é apenas um relato divertido do quanto gosto de presentes. Quem quiser compartilhar seus sentimentos e/ou presentes: fique à vontade!

terça-feira, 27 de julho de 2010

Textofonia 17: A paixão

Antes dos olhos, ele me tocou com a mão. A mão dele na minha. Talvez me olhasse antes, estudasse meus movimento, eu nada sabia. Apenas com o toque quente de seus dedos entre os meus pude descobrir naquele sorriso o homem. O toque masculino, o cheiro de desejo, o calor do corpo, a respiração ofegante. Ele me queria, amava-me já naquele momento. Desejava-me como ser carnal, com toda sua selvageria e eu, presa inocente, aceitei dançar.
Trôpegos, Adão e Eva, únicos a bailar pelo salão. Poetiza e dançarino, numa última valsa, , em mais um samba, no primeiro tango. Éramos tão parte da música como um do outro. Sua mão suave segurava na minha, quente. Sua mão firme direcionava meu corpo pelos passos ousados daquela salsa. A força masculina não era ilusão, não era só paradigma, de repente tornou-se a verdade que me atraia. Ele era um imã, um herói e meu anjo. E eu, musa predestinada, sua mulher sob a luz.
A lua, cada vez maior, subia o céu, iluminava tudo, banhava-nos com aquele brilho prateado próprio dos apaixonados. Precisávamos dançar, já não sentíamos os pés, loucos pelo conhaque ou pela paixão, pisávamos nas nuvens que não apareciam no céu. O mesmo embalo de uma outra dança, de uma outra noite, mas já não havia aquela melancolia, nem ausência, nem nada. Uma lágrima escorreu, e não era triste, era vibrante. Desceu tranquila acompanhada pelo acorde carinhoso do contrabaixo. Pousou numa estrela, e foi tomada por seus lábios quentes. Ele procurou meus olhos, queria aprovação ou desejo, sei que os encontrou. E mais. Eu já o amava, naquele momento, com seu corpo quente junto ao meu e, seus olhos a me envolver.


Ana Kita


-> Auxílio sonoro da canção "De Primeira Grandeza" de Belchior.

segunda-feira, 26 de julho de 2010

Carta ao vizinho: Educação e paciência

Joinville, 26 de julho de 2010.

Caro vizinho,
há muitas pessoas que nunca moraram em apartamentos que alegam nunca querer morar pela "falta de privacidade", pela "proximidade" que pode trazer problemas. Eu, que praticamente morei em apartamentos minha vida toda, nunca vi como tanto problema essa proximidade. Encontro muitas vantagens em morar em apartamento, embora eu sonhe com uma casa pelo espaço, afinal apartamento garante segurança, auxílio de síndico, zelador, vizinhos... Enfim, foi com sua mudança para o apartamento de cima que comecei a enxergar os grandes malefícios de se morar em apartamento. Os primeiros males não eram de sua total culpa, pois o edifício é antigo e qualquer reforma traria consequências desagradáveis. É claro que sua culpa começa quando sua reforma não termina, é prolongada e prolongada, cria piscina e inunda meu apartamento, e por aí vai. Já tem algum tempo, prefiro não remoer o passado.
O que me faz lhe escrever hoje é um problema de agora - apesar do teto continuar úmido e algumas partes da tinta se abrirem, estes problemas finjo ignorar -, de hoje, de ontem e de quase todos os dias: o motor, creio que, da sua piscina. Você tem noção de quanto barulho faz? Eu penso que não. Eu sempre fico pensando que só deve fazer barulho para baixo, porque nem por toda alegria que uma piscina pode proporcionar eu usaria uma fazendo tanto barulho. Eu sou estudante de Letras, eu adoro ler, sou aspirante a escritora... Você acha possível alguém ler com um motor absurdamente barulhento sobre a cabeça? Eu não! Eu tento dormir enquanto está ligado, coloco música, procuro os cômodos onde menos se escuta... Mas, nada! Nada adianta para fugir de seu motor a não ser sair de casa. Você sairia de casa quando tem coisas a fazer nela porque seu vizinho está fazendo muito barulho? Quem sabe uma vez, duas... E todos os dias? Não? Nem eu.
Se hoje lhe escrevo é porque o barulho já ultrapassou toda e qualquer paciência. Eu não consigo ouvir meus próprios pensamentos com seu motor ligado! Como eu sou muito educada e simpática, sua esposa e seu filho podem falar, eu os encontro no elevador e sou pura simpatia, faço desta carta um pedido amistoso. No entanto, aviso que paciência tem limite e seu motor ultrapassa este limite todos os dias, prefiro nem pensar no que pode vir a acontecer. Por exemplo, hoje é meu dia de "voltar às aulas", pensa que eu revi meu material? Pensa que eu estudei para a prova que tenho quinta? Pensa que eu fiz alguma crônica para quarta? Não! Tudo que consegui pensar foi nessa carta, para quem sabe expelir tanta raiva. E não é que o motor desligou? Pois bem, fico feliz... Sabe qual o problema? Eu estou de saída para a faculdade!

Passe bem!
Sua vizinha de baixo,
Ana.

Carta ao pai 9: Dança e lembranças

Joinville, 26 de julho de 2010.

Pai,
comecei a fazer aula de dança de salão. Na verdade, ainda só tive uma aula, mas como meu amigo (é, assim mesmo, do jeito que as pessoas costumam pensar) e parceiro já fez um mês e pouco de aula anteriormente, passamos a treinar um pouco sozinhos. No começo a dificuldade foi imensa, sempre me sinto um tanto fora de ritmo e como bem sabe, pai, sou muito exigente comigo (pro meu azar ou sorte, ele é tanto ou mais consigo mesmo). Fizemos dois "ensaios" já, no primeiro tivemos muito trabalho e pouco resultado. Os dois estilos que tínhamos visto em aula até foram mais ou menos, forró e samba. Ele tentou me ensinar ainda soltinho e valsa, foi um tanto desastroso. Talvez eu exagere um pouco, na hora me diverti bastante, pra ser sincera.
Na valsa, pai, como sempre, pensei muito em você. Não posso dizer que me arrependo realmente de não ter tido valsa em meus quinze anos, mesmo sabendo o que aconteceria depois é bem possível que eu ficasse tentada a recusar novamente. Não seria da minha verdade querer valsa, nada ou pouco tinha haver com meu jeito. O que lamento é que você quisesse, é que tenha sentido falta. A valsa em seu casamento alenta meu coração, ter podido sanar um pouquinho dessa falta, embora na hora eu não quisesse (nem me sentisse apta). A verdade é que eu sempre imaginei aprender valsa, e só em meu casamento valsar com você. Hoje quando penso que isso não é mais possível algo se parte aqui dentro, por fora aprendi a ser forte. Para continuar achando o casamento a cerimônia de amor especial, que é, foco meus pensamentos na valsa dos noivos. Acho tão mágica a ideia de encontrar alguém a quem queira entrelaçar minha vida, um homem tão especial para mim quanto você, que eu escolha para valsar e para sempre amar. Não é isso, pois, o casamento?
Estranho falar isso com você, mesmo agora. Primeiro porque nem namorado eu tenho, quem dirá estou à procura de "pretendentes ao casamento". Precisei rir, coisa mais antiga de se dizer. É estranho em segundo lugar por você ter tido dois casamentos, méritos sentimentais prefiro não levantar. E em terceiro porque eu tive total vergonha quando minha mãe lhe contou que eu já tinha dado um selinho, eu tive vergonha e esconderia por tempo indeterminado que eu tinha um "relacionamentozinho" nos meus 13 anos, dessa vez por intermédio de meus tios você descobriu e ainda conversamos sobre. Enfim, eu sempre achava estranho compartilhar e preferia que não soubesse a ter conversa de "pai e filha" sobre "os meninos". Ainda hoje acho engraçado e estranho, sou tão aberta aos outros, mas pai parece ter aquele distanciamento um tanto idealizado, penso eu.
No último ensaio de dança de salão, fiquei bem satisfeita com o forró, pai. O samba ainda tem muito a ser arrumado, nada como o tempo, as aulas e bastante treino. Dançar é terapêutico e divertidíssimo para mim, mesmo quando me canso o sorriso não cansa de aparecer. Penso que seja isso o mais importante: fazer o que se gosta. Com quem se gosta? Aí entramos em outra temática, quem sabe mais pra frente lhe escrevo sobre. (Risos tímidos)

Escrevo-lhe mais, logo mais.
De todo coração,
sua primogênita,
Ana.

domingo, 25 de julho de 2010

25 de julho - Dia Nacional do Escritor

Só para não passar em branco. 

Escritor é um personagem fundamental na sociedade, influencia na fé, na confiança, na sensibilidade, no conhecimento, na sabedoria... Em tudo que permitirmos! Afinal, o escritor não faz nada sem o leitor, é um dialogismo necessário.

Minha parabenização aos escritores blogueiros que sigo e me seguem, de todo coração, pois são fundamentais para minha construção de aspirante a escritora.
Minha parabenização aos outros tantos escritores que escrevem suas verdades e com isso agradam tantos leitores, especialmente se estou entre esses olhos atentos (rs rs).

Abraços escritos e sentidos.
Ana Kita

Canção: Velha Roupa Colorida - Belchior

Compositor: Belchior

Você não sente nem vê
Mas eu não posso deixar de dizer, meu amigo
Que uma nova mudança em breve vai acontecer
E o que há algum tempo era jovem novo
Hoje é antigo, e precisamos todos rejuvenescer

Nunca mais meu pai falou: "She's leaving home"
E meteu o pé na estrada, "Like a Rolling Stone..."
Nunca mais eu convidei minha menina
Para correr no meu carro... Loucura, chiclete e som
Nunca mais você saiu a rua em grupo reunido
O dedo em V, cabelo ao vento
Amor e flor, quede o cartaz?

No presente a mente, o corpo é diferente
E o passado é uma roupa que não nos serve mais
No presente a mente, o corpo é diferente
E o passado é uma roupa que não nos serve mais

Como Poe, poeta louco americano,
Eu pergunto ao passarinho: "Blackbird, o que se faz?"
"Raven never raven never raven"
Blackbird me responde
Tudo já ficou pra trás
"Raven never raven never raven"
Assum-preto me responde
O passado nunca mais

Você não sente não vê
Mas eu não posso deixar de dizer, meu amigo
Que uma nova mudança em breve vai acontecer
O que há algum tempo era jovem novo,
Hoje é antigo
E precisamos todos rejuvenescer
E precisamos rejuvenescer


-> Além da letra de Belchior ser linda e muito reflexiva pra qualquer época, a versão de Elis Regina é estimulante. Dedico à banda Os Impublicáveis que a partir da versão de Elis presenteiam seu público com uma versão animadíssima. Gente, temos (no Brasil) letras e canções maravilhosas, em diversos estilos, vamos aprender a prestigiar!

sábado, 24 de julho de 2010

Poema: Esqueço - Ana Kita

todo dia esqueço um pouco mais
primeiro as crianças
os choros e risos
depois se foram os doces
os balanços e as corridas

a seguir me vi livre das mudanças
desteci os amores e os poemas
afastei-me das brigas
da busca por liberdade
e tirei o disco

desci dos saltos e das estrelas
desliguei o carro e a geladeira
abandonei as camas, desisti do diploma
e quando fui queimar os livros
também me desfiz

Ana Kita

sexta-feira, 23 de julho de 2010

Quanto aos masoquismos e às leituras

Ao escritor que na quietude de seu quarto maltrata a leitora na solidão de sua sala.

Faz um mal danado a mim. Ele faz. Eu faço. Os escritos fazem. Somos um grupo heterogêneo e muito unido, voltados ao mesmo ideal: maltratar-me. Sei, parece loucura, também a mim, não nego. Mas, é na loucura de confessar que eu percebo o quanto me faço mal. Não só eu o faço, é bem verdade, no entanto, talvez seja eu a única consciente da situação, embora a única insana e a única maltratada.
Em outro universo ele vive e escreve, e escreve e vive e me deixa ler. Eu aqui, leio e vivo, e sofro e leio, e vivo e sofro. E os escritos no meio, os escritos causando dor e sendo escritos, eles não sabem o que fazem, eles não querem o que me fazem, eles tão inocentemente embelezam a página, poetizam os pensamentos, sintetizam as sensações. Os escritos não são completos ao saírem da mente dele, tampouco ao passarem por seus dedos ou chegarem a mim. Eles só se completam quando me tocam, quando eu os leio, e os sinto e sinto tanto. Lágrimas estúpidas e ciumentas escorrem pelo meu rosto, embaçam meus olhos e nem assim eu deixo de ler os, agora, cruéis escritos.
Escritos estes que saem poesia, verdade, verbalização de ideias e ações dele. Mas, estas leituras são amargas, cortantes, agressão de sentimentos e lembranças minhas. A culpa é minha, eu assumo. Sou eu quem lê, sou eu quem sente. Ele nada quer comigo. Eu sei que quis no passado, mas passou. Hoje se ele escreve não pensa em mim, não me quer, nem bem nem agredir. Sou eu a tola que sente, a leitora atenta e boba que se magoa, que lembra, imagina e sofre com o presente.
O poeta nada tem culpa, escreve por sentir, entrega por necessidade. É o leitor quem se sujeita a lê-lo, quem se reconhece nos escritos ou a eles critica. O leitor é único culpado de suas lágrimas, de suas esperanças, de seus recordações ou fantasias. Se o escritor mata pouco a pouco o leitor é, na verdade, o leitor quem se suicida.

Ana Kita

quinta-feira, 22 de julho de 2010

amor perfeito - Ana Kita


Ela via em cada homem a possibilidade de ser mãe. Na verdade, não via, mas procurava. A cada encontro investigava se o sujeito tinha condição de gerar bons descendentes. Perguntava da família, interessava-se por doença hereditária, queria saber como foi na escola. Os homens estranhavam, alguns se divertiam com as perguntas tão inesperadas, poucos desconfiavam das reais intenções. O maior divertimento dela era pesquisar sobre estudos genéticos, todos os dias aproveitava seu tempo livre para entender melhor as características que comprovadamente vinham de herança genética. Frustrava-se ao perceber que cada vez mais os pesquisadores se contradiziam, alguns colocavam a mão no fogo que tais doenças vinham nos genes, outros consideravam isso absurdo. Acabou desistindo das pesquisas, trouxesse a genética o que fosse, importante tornou-se o pai.
Ela buscava em cada homem um bom pai. Os segundos encontros eram sempre em parques ou festas públicas, queria colocar o possível namorado em confronto com bebês chorando, meninas brincando, meninos correndo, crianças lambuzadas. Ao primeiro choro estridente ela corria a fazer algum comentário negativo do tipo: “nossa, que bebê chorão”. Esperava do sujeito uma negativa, queria o milagre de que ele dissesse que as crianças são assim mesmo, gostaria mesmo que ele não se importasse. E todos a decepcionavam. Àqueles que em outros quesitos não tinham ido tão mal ela dava uma nova chance, começava a perguntar sobre as crianças na família, se ele já pensava em ter filhos, como ia o trabalho. Alguns chegavam perto de seres bons, mas ela ia ficando mais exigente, e mais velha, e via na TV que quanto mais tarde a mulher tem filhos mais chance de Síndrome de Down, por exemplo. Ela ia se desanimando, esperando mais dos homens, os homens oferecendo menos.
Numa viagem a uma cidade próxima ela o conheceu. Ele não era do tipo “quero casar e ter filhos”, mas tinha um sorriso lindo, braços fortes, ah, um beijo... E foi assim, assim sem mais nem menos, no quarto do hotel, com o homem do final de semana, num mês em que falhou com o anticoncepcional que ela, finalmente, engravidou. Percebeu logo, confirmou no laboratório e se assustou. Ela nem pensava em voltar a vê-lo, ele nem ligou. Ter o bebê de um sujeito que ela nem entrevistou? Ele era bonito, simpático, mas e se a família sofresse de algum mal? E se ele não quisesse assumir? Abortar? Procurar um outro pai? Entre procurá-lo pra contar ou tirar logo o bebê, ela não fez nada. As dúvidas vinham e iam, e ela esperava, nem sabia o quê.
Fazia quase dois meses que eles não se viam, ele ligou pra ela, disse que estaria na cidade no próximo final de semana, falou do lançamento de um filme. Cinema? Ela se surpreendeu, ele a procurou, combinou um programa legal, bom, ela aceitou. Foram ao cinema, depois a uma pizzaria, divertiram-se muito, foi um sábado legal. Ele a deixou em casa, convidou para um almoço no dia seguinte, não tentou ficar e ela não contou. Almoçaram num restaurante bonito, a conversa era agradável, a comida gostosa. Ela decidiu falar. Ele pareceu tão tranqüilo, não se exaltou. Não fez propostas absurdas, disse apenas que não pensava em ser pai já – o já a animou -, mas se aconteceu que fizessem disso o melhor possível. O plural iluminou a tarde, passearam na pracinha, ele perguntou se ela se sentia bem, ela contou que nem tivera muitos enjôos.
Ele começou a visitá-la todo final de semana, trazia bombons, dizia o quanto ela estava linda. Foi no quinto mês que ela descobriu que era um menino. Ficou preocupada, agora exigia um pai, ser mãe de uma menina ela se sentia capaz sozinha, mas um menino, ah, um menino pedia um pai presente. Ela ligou, e contou no meio da semana, ele ficou feliz, perguntou se ela torcia pra algum time, ela disse que só o da cidade, ele perguntou se ela tinha algo contra o Flamengo, ela disse que tanto fazia. No final de semana, ele trouxe um sapatinho rubro-negro, o primeiro presente do papai para o bebê. E foi ali, sentado na cama, com o sapatinho sob a barriga dela, que ele a conquistou. Não tinha sido planejado, talvez ele nem passasse pelos critérios dela, mas era assim, era ele o pai do filho que ela tanto desejava, e era muito bom que fosse assim.
A barriga crescendo, ela cada dia mais feliz, planejando o quartinho, escolhendo - com ele - o nome. Novamente num almoço de domingo, ela começou um assunto de que tinha dificuldade de falar, mas que gostaria. Sugeriu, bem suavemente, que se sentia sozinha. Que a casa era grande, que quando voltava do trabalho só a TV lhe fazia companhia. Ele não fugiu do assunto, entendeu muito bem, e foi direto ao ponto, perguntou se ela preferia uma nova casa ou se ele podia morar com ela. A escolha foi a casa dela, já estava quitada, era espaçosa. Em um mês ele transferiu o emprego para uma filial na cidade, vendeu o apartamento onde morava, trocou de carro, arrumou suas coisas e veio morar com ela. Mobiliaram o quarto do bebê e dividir a cama tornou-se um prazer.
Na sala de cirurgia, entre uma contração e outra, ele segurava a mão dela, tentava acalmá-la, ela respirava fundo. Ela olhou nos olhos castanhos dele, e entendeu tudo, não dava para explicar, mas disse a ele que o amava. Os olhos dele se encheram de lágrimas, e o bebê nasceu no meio de todo aquele amor. Amor construído, amor que o destino escolheu, amor de plantinha que agora florescia. Eis mais um flamenguista no mundo, na verdade, aos oito anos ele seguiu o padrinho e decidiu ser vascaíno. De uma forma ou de outra, ele cresceu num lar de amor e ensinou a mãe que o amor perfeito nos encontra.

Ana Kita

Passos da tarde

  Abriu os olhos, colocou as mãos nos ombros dele e projetou seu próprio corpo para trás. Talvez quisesse se afastar, talvez só quisesse que nisso ele acreditasse. Quisesse o que fosse, ele voltou a beijá-la. Ele não era alto, não tinha olhos verdes, não gostava de samba, nem parecia do tipo romântico. Ela sabia bem que ele não faria questão de conhecer sua mãe, não iria brincar com seu irmão, talvez nem se quer a oferecesse carona. Que diferença fazia? Algo dentro da roupa amassada, entre o cabelo despenteado e o sorriso largo, a fazia imensamente feliz. Sentia-se flutuar, sabia ser amada. O sol já não a tocava de leve, incendiava seus pensamentos, aquecia seu rosto, acelerava seus batimentos e congelava o tempo.
   Naquela tarde fria, o mundo tinha se desfeito para que os dois fossem o único casal no paraíso. Não havia fruto proibido, nem diabo de serpente. Só havia ela e ele, o sol brilhante e um romance a sonhar. Ele a convidou pra dançar. Ali, sem música, sem ninguém para assistir, sem ninguém para acompanhar. Ela cuidava para não pisar nos pés dele, mas já nem sentia seus próprios pés tocar o chão. Eram nuvens, nuvens sob e sobre. Pensamentos apaixonados, passos compassados. Uma tarde para sempre, mas o sol se punha, a noite chegava. Ela temia que a lua pusesse fim a magia, mas já estava enfeitiçada. Bailava por todo o paraíso, fechava os olhos e sabia que nada mais era preciso. Ele a beijou mais um vez, a mão das costas escorregou, o desejo emergiu. Ela, então, abriu os olhos e afastou do seu o corpo dele.

Ana Kita

terça-feira, 20 de julho de 2010

Dia do Amigo - 20 de julho

  Todos os anos, desde que eu possa me lembrar, no dia de hoje (20 de julho) - sempre férias - envio mensagens aos meus amigos mais marcantes do ano em vigor, digamos assim. A tarde já vai caindo e não mandei mensagem alguma a ninguém. Coloquei uma mensagem no Twitter e outra no Orkut, mas não destinei a ninguém específico. Escrevendo assim pode parecer que não tenho amigos que marcaram 2010. E não seria a verdade. Pelo contrário, este está sendo um ano de muitas amizades. Amizades que eu desejo muito que durem para sempre, ou pelo maior tempo possível. Amizades que me enriquecem muito. Companheiros realmente, de vida, de estudo, de estrada. Aquelas pessoas com quem nas primeiras trocas de palavras já nos sentimos íntimos, que com apenas um sorriso iluminam nosso dia, que leem nossa alma e com um abraço tiram toda nossa dor. E aí chego ao motivo que me fará este ano não seguir minha tradição de mensagens: a amizade está nas coisas simples, não quero as mesmas tradições, cada amigo é único, e cada amizade exige uma "abordagem" única.
   Prefiro apenas pensar naqueles bons e grandes amigos que tenho, sejam os que me acompanham há algum tempo, sejam os que acabaram de chegar. Quando falo com meus amigos sei dizer o quanto os quero bem, desejar meus honestos votos de "boa sorte, boa noite, sucesso, tudo de bom, feliz aniversário, boa virada de ano". Em meus olhos ou em minhas palavras (especialmente aqueles que desconhecem o brilho do meu olhar) meus amigos encontram meus votos para que nossa amizade seja duradoura, os agradecimentos de tê-los comigo, os carinhos que os dedico. Amizade é assim... Sem começo, nem fim. Só um longo e prazeroso durante. Só tenho a agradecer e a fazer acontecer.

Ana Kita

segunda-feira, 19 de julho de 2010

Poeminha sentimental: Seus olhos

algemas castanhas
libertadoras,
abrigo brilhante
sonhador,
alma pura
unida a mim.

Ana Kita

Paradise - Kawen



O meu paraíso é assim.

Ruas desertas.

Vento que assobia, 
mexendo as folhas das palmeiras.

A cidade inteira vazia.

Ninguém, nem uma alma viva.

Esse é o meu paraíso. 

Pode estar chovendo também.

Essa visão me extasia demais.

Vou comprar uma cidade deserta e viver feliz pra sempre.



Texto de Kawen, extraído (com permissão) do blog: http://lugomast.blogspot.com . Blog que, sem dúvida, eu indico a todos que queiram ler textos que nos levam a diversas reflexões e/ou se divertir. "Paradise" em especial eu adorei por me remeter diretamente a nossa querida Joinville (minha cidade e do autor) que tanto chove e que aos domingos (especialmente chuvosos) é deserta.

domingo, 18 de julho de 2010

Quanto aos olhos e à conquista

  São os olhos, antes dos dedos, dos lábios ou das palavras, que me conquistam. Assim comigo e com "toda a torcida do Flamengo" talvez. Contudo, comigo é diferente. Os olhos, claros ou escuros (escuros penso, escuros peço), percorrem o caminho, iluminam-se pela luz ou pela ausência dela, procuram meu corpo, penetram meus olhos, e descem. É na descida do olhar arteiro que me rendo. Queria não, queria ser forte como as virgens das novelas. Uma vez conquistada pelo olhar seduzido minhas coxas tornam-se mais atraentes, como perus na ceia de Natal. Comparação grotesca, diriam as mães de novelas e estariam erradas, sou sim alimento, o prato principal e tudo que o olhar deseja. Os olhos acariciam meus joelhos, produzem arrepio, deliciam-se com minha coxa arrepiada e, invadem minha saia. Rápidos e sorrateiros os olhos vão adentrando, sem pedir nem temer. Sinto-me uma peça rara admirada, observada em minhas mais complexas singularidades, possuída por desejo e necessidade.

Ana Kita

sábado, 17 de julho de 2010

A garota dele - Ana Kita

  Eu a imaginava tão alta quanto ele. Cabelos claros até os ombros, emoldurando um rosto fino. Olhos verdes tímidos e uma voz doce. Eu a imaginava estudiosa, prendada. Vestindo roupas claras e confortáveis, quem sabe vestidos costurados a própria mão. Seios pequenos e pontudos, cintura fina e longas pernas brancas. Eu a imaginava sorrindo aquele sorriso receptivo de esposa.
    Ela, na verdade, é baixa como eu. Tem longos cabelos escuros, como os grandes olhos. A boca rosada e o rosto redondo. Seios avantajados e veste roupas justas. Tem aquele jeito mimada e patricinha, também romântica e namoradinha. Tem uma capacidade vocal incrível e fala bastante. É ciumenta, mas simpática. Cumprimentei-a com todo respeito e admiração que ela merece, menti que era um prazer conhecê-la e me afastei tão logo pude. Apenas antes de dormir me dei conta de tudo, baixinho pedi a Deus que me ajude a esquecer essa paixão e que ela o faça muito feliz.

Ana Kita

sexta-feira, 16 de julho de 2010

Carta ao pai 8: Frio e aproveitamento

Joinville, 16 de julho de 2010.

Pai,
tem chovido muito. Está frio, um frio intenso. Mas, eu estou feliz. Não digo que aquecida, contudo sonhadora. Eu gosto tanto do frio, pai. Especialmente porque as pessoas costumam ficar mais dispostas ao amor. Minha vida não mudou tanto do outono pro inverno, nem poderia. O certo é que eu fico repleta de sonhos, esperança, sorrisos... Deve vir junto com os cachecóis ou com as boinas, quem sabe com os elogios que estas roupas trazem. Não importa como ou do que vem. Essencial é sentir, é vir e ser visto.
   Pai, logo mais faço aniversário. Estou tão ansiosa aguardando este momento, esperei minha vida toda, acho que com todo mundo é assim. É claro que assim como com todo mundo só tenho essa chance de aproveitar ao máximo, e farei isso. Sinto que você não estará presente, ainda recordo com carinho de um lindo buquê de rosas que me deu nos meus 13 aninhos. Sempre tenho a sensação que foi ainda ontem. Cada vez passou mais tempo, e meu único medo é que eu esqueça. Não quero esquecer seu sorriso, seu abraço, sua voz. Esquecer as coisas lindas que vivemos me parece pior do que nunca as ter vivido.
   Tenho uma novidade boa, farei aula de dança de salão. Sempre quis, sempre faltou parceiro. Amanhã é a primeira aula, estou um tanto ansiosa. Vai ser muito divertido. Meu parceiro é um amor, acho que vai dar bem certo. Talvez eu gostasse de o apresentar a você. Ah, eu e esses meus pensamentos. Deixa pra lá. Se tem uma coisa que aprendi nos últimos dois anos é a importância de aproveitar o momento. Eu soube que você disse isso ao meu irmão quando estava no hospital, todos nós aprendemos isso com sua doença e com a nossa vida. Todos que passam por algo assim sofrem, normal, mas é preciso continuar a vida, aprender com a dor. Pois bem, espero que fique orgulhoso de mim, vivo todo dia intensamente.

Escrevo-te mais, logo mais.
De todo coração,
sua primogênita, Ana.

quinta-feira, 15 de julho de 2010

Poema: Mulher Imensa

vinha vindo a onda forte
a menina com os pés de areia
pensava em correr
ou mergulhar

veio a onda suave
beijou suas pernas
umedeceu suas coxas
fê-la flutuar

na busca insana
pela onda que não veio
a menina decidiu esperar

esperou muito
admirou o luar
e a mesma sumir

de tanto esperar
esqueceu a onda,
sentiu a plenitude
e não queria mais nada.

(de repente nova água 
escorrendo pela perna)

Ana Kita

quarta-feira, 14 de julho de 2010

Conto longo e descritivo

   Como alguns leitores do blog sabem, eu participo de um projeto chamado "Leitura e Escrita em Círculos", fruto de uma Pesquisa de Iniciação Científica, com outros acadêmicos de Letras da UNIVILLE (Universidade da Região de Joinville), mediado e organizado pelo Ítalo Puccini. Há um blog onde os encontros do Círculo são registrados, assim como as produções textuais dos envolvidos.
   No blog do Círculo (http://circulodeleituraeescrita.blogspot.com) já é possível encontrar três contos meus, faço um convite para lerem um em especial. É longo e talvez por isso mesmo um tanto trabalhoso de ler na tela do computador, mas creio que estas leituras sempre nos acrescentam algo (ainda que seja algo do tipo "como não escrever"). Para lerem só clicar: aqui.

Aguardo suas impressões cá ou lá!
Beijos!
Ana Kita

Poeminha só

saudade dói.
ainda no café com pão de ló.
paixão sem dó.
ele tão longe, e eu tão só.
éramos um nó, a sós.
(virei pó)

Ana Kita

terça-feira, 13 de julho de 2010

Quanto às danças e aos corpos


Tomou meu corpo junto ao seu, decidido e carinhoso. Fui tomada por aquele sentimento de estar segura e ser desejada, entreguei-me. Seu corpo quente me abraçando, seus braços fortes me conduzindo. Seu sorriso espontâneo e irradiante fazia com que eu não abandonasse um só instante minha alegria labial. Ah, os lábios. Seus lábios carnudos apertavam os meus, acariciavam minha pele e minha alma. Seus olhos escuros me penetravam, guiavam meus passos. Suas palavras gentis aconchegavam meus pensamentos, seu cheiro másculo atraia meus sentimentos. 
Queria eu que a música nunca mais parasse, queria eu continuar o admirando. Queria dançar para sempre.

Ana Kita

segunda-feira, 12 de julho de 2010

"Flor minha, desculpe minha ousadia. Preciso despi-te. Desvendar ao fim das tuas pétalas os labirintos do amor. Penso que não vá doer. Caso doa saiba que me dá prazer, um prazer pleno que mereço. Se cuidei de ti, se te reguei com meu carinho foi para que crescesses assim linda. Não fiques triste, não me olhes como se eu te fizesse mal. Vê com meus olhos, és tu quem me faz bem, cura-me de meus vícios, sana minha tristeza, alivia minha solidão. Dispo-te calmamente, pétala a pétala, deixo o vento levar tuas roupas. Quero-te por inteira."
Luíza Hstan

Quanto ao destino e ao fim

   "É preciso pensar o que ninguém pensa, sentir como ninguém sente, e deixar de mentir porque todos mentem. O caminho desbravado é mais seguro, também mais enfadonho, e fadado ao mesmo destino dos demais." ela me disse ontem à noite e hoje ainda posso ouvir. A voz era quase um trovão. Os olhos negros pareciam saltar do rosto angelical como a dizer que não pertenciam àquela alma doce de outrora. Eu fiquei apático, acho que foi o melhor a fazer. Meu silêncio parecia programado por ela, suas frases de efeito e às vezes que me olhou eram cinematográficas. Fiquei esperando o momento em que os créditos começariam a subir. Mas, eles não vieram. Apareceram lágrimas que desciam. As primeiras mais tranquilas, contornando o rosto angelical. As próximas mais rápidas, descendo em correntes sem fim. Borraram a maquiagem, trancaram o trovão, avermelharam o arrebitadinho central.
   E eu ali, assistindo, mantendo-me distante. Ela sofrendo, e desfalecendo. E eu quieto, observando os traços úmidos e escuros debaixo dos olhos. Ela tremendo, e gemendo. E eu pensando que eu podia ficar ali por horas admirando sua beleza a escorrer. Na minha mente não havia dor, eu a olhava e via a maquiagem borrando, as gotinhas brilhantes descendo, os lábios ainda mais vermelhos e grossos... Era tudo tão bonito na posição em que eu estava. Ela não aguentava mais, ela gritou, xingou e por fim me deu as costas, abriu a porta e disse que não voltaria mais. Passou muito tempo até que eu percebesse que era sério, que eu a tinha deixado partir. Percebi então que ela sofreu e muito, que ela queria ficar, que se eu tivesse lhe dito qualquer coisa poderia ter amenizado sua dor. No entanto foi ela - e não eu - quem determinou que este era nosso destino final, o mesmo dos demais.

Ana Kita

domingo, 11 de julho de 2010

Eternos Amantes

"Poderíamos ser um casal de namorados, andar de mãos dadas, e mostrar para todo mundo o nosso amor.
Poderíamos ser noivos, fazer planos para o futuro e trocar juras de amor.
Poderíamos ser marido e mulher, todas as noites dividir a mesma cama e estar sempre juntos na alegria e na dor.
Mas, optamos por ser eternos amantes, amantes que se fazem felizes a cada encontro às escondidas, e que se saciam no amor proibido.
Amantes que vivem um amor jamais sentido por casais de namorados, jamais compreendido por noivos, amor que muitos maridos e mulheres levam uma vida toda pra sentirem.
É por esse amor incompreendido que seremos eternos amantes."
Alice Giovaná Piaf

sábado, 10 de julho de 2010

sexta-feira, 9 de julho de 2010

Meu dia 7 de julho, com 1berto em Jaraguá do Sul

(Foto pessoal da Feira do Livro de Jaraguá do Sul.)

   Uma conversa. Bom, assim em "tom de conversa" tento fazer meu registro do meu dia 7 de julho de 2010 e da adorável conversa na Feira do Livro com o Humberto Gessinger, tendo como plano de fundo seu livro (que também é uma conversa informal) "Pra ser sincero - 123 variações sobre um mesmo tema".

   Mal consegui dormi de tanta ansiedade, além de rever o 1berto tinha toda a aventura de viajar sozinha para uma cidade de que nem me lembrava mais (fui na infância, talvez algumas vezes). Saí de casa apressada, embora adiantada. Tomei um ônibus antes do horário que planejava para a rodoviária, lotado, lá aguardei e aguardei e aguardei. Passagem comprada, li o presente que eu daria, ou não, ao Humberto. Muitos fumantes, muitos viajantes e outros tantos como eu, só a passeio. Olhares desligados, olhares atentos, olhares invasores, olhares doces. Peguei o ônibus, este, destino: Jaraguá do Sul. Saiu pontual, viajávamos bem, até tirei um cochilo. Eis que de repente, uma maldita combe, de entrega de galão de água parada em Guaramirim, dá a ré. Assim, sem mais nem menos, assim mesmo, ao som das buzinas, acerta a frente do ônibus. Por sorte ou agilidade do revoltado motorista, um micro-ônibus vem nos buscar, éramos 6 passageiras, uma ficou em Guaramirim, as outras 5 partiram para Jaraguá, com outro motorista e o cobrador.
   Rapidamente cada uma chegou ao seu destino. Eu fui a penúltima e, um tanto temerosa, desci no local orientado, procurei as demais orientações (bancos, lojas) e cheguei com êxito, sozinha à praça. Poucas pessoas circulando pela Feira do Livro, dei uma breve olhada, ouvi o anúncio que me trazia lá. E como uma boa turista fui a uma lanchonete beber água e usar o banheiro. Confesso que me pareceu surreal ter que pedir a chave do banheiro para usá-lo. Mesmo sem custo para quem consumia algo achei coisa de outro mundo, talvez eu que ande meio alienada. Mandei uma mensagem de celular para um amigo que reside em Jaraguá, ele me respondeu confirmando presença na Feira do Livro para ver, também seu ídolo, o Humberto Gessinger. Passei por uma barraquinhas de artesanato, também na praça, e, novamente como uma boa turista, comprei um charmoso cachecol de tricô. Voltei à Feira, olhei uns livros, comprei dois de contos. Assim aleatórios mesmo, valores que valiam a pena e capas que me chamaram atenção, é bom vez ou outra. Não me importa nesses momentos o autor ou a editora, não é preciso conhecer, no máximo folhear e me intrigar. Revelo-os assim que os ler.
   Sentei-me em frente a uma quadra esportiva (creio que pública). O dia tão lindo se pondo, um clima tão agradável. Surpreendentemente vejo meu amigo. Ele, sem óculos, não me vê, chamo sua atenção e ele se aproxima. Conversamos um pouco e decidimos por ver a Feira, ele ainda queria adquirir ao livro do Gessinger. Demos uma volta, fomos ao banheiro, que embora um organizador tenha dito que podia não ser aconselhável "às senhoritas", era muito limpo. Depois nos sentamos numa das primeira fileiras de cadeiras, frente ao palco que Humberto Gessinger se sentaria para um "bate-papo" com os fãs. Quase pontualmente ele chegou, de boina amarela, óculos e aquele sorriso suave. Sentou-se descontraído, ouviu o "apresentador" e agradeceu estar ali, embora ainda se assustasse com a posição de "escritor". Humilde ele até disse não ser um ótimo baixista por exemplo, quem dirá um escritor, acredita que precisaria escrever mais e ser bom na ficção, o que ainda não julga satisfatório para ir à público. Respondendo a minha pergunta disse que pretende lançar mais um livro, possivelmente ano que vem, uma espécie de continuação para o "Pra ser sincero", onde incluirá suas demais letras de música e continuaria a auto-biografia, já que escreve nesse jeito "barroco e cíclico". Muito receptível e educado respondeu a todas as perguntas, fossem pedidos para levar o projeto "Pouca Vogal" para Jaraguá ou perguntas quase filosóficas, por exemplo questionando termos de suas letras ou sua visão da música atual.
   Muito divertido e aberto, repetidamente falou de sua visão quanto na arte ser importante a identidade e verdade do artista. Deixou claro que não rejeita "cover", por exemplo, até porque não deixam de ser criativos, mas na visão dele é preciso colocar sua verdade mesmo tocando clássicos. Falou sobre considerar respeitoso do artista ignorar seu público, no sentido de não lançar um álbum ou tocar uma música pensando como o público gosta ou porque alguém pediu. Deu seu testemunho de que não vota num político porque ele faz enquetes e lança as propostas que as pessoas querem, ele gosta de votar em tal político ou ouvir tal banda por representarem suas verdades e ele acabar se agradando. Piadas, como a diferença entre "porto-alegrense" e "gaúcho", ou seu sotaque ser o mais feio do Brasil (coisa que não concordo de jeito nenhum!), também de que gosta muito do sotaque paranaense que diz "leite quente", divertiram os ouvintes. Elogios às bandas da década de 70 e outros tantos comentários musicais, como suas fases de gostar mais de tal instrumento, ou ouvir músicos e bandas pela importância da composição, animaram os músicos ou aspirantes da plateia. Ainda falou de ter adorado compor a canção "Pouca Vogal", uma das poucas que ele sentiu ter terminado (o que me lembrou o trabalho do escritor, eu, pelo menos, muitas vezes não sei que hora acabar um conto, por exemplo), e que "Infinita Highway" poderia ser uma música elegida para sintetizar sua carreira, por unir os dois públicos básicos: fãs de longa data que conhecem todas as canções e sua história a fundo, e fãs "superficiais", que só conhecem as músicas de maior sucesso.
   A conversa durou uma hora, mas abrangeu diversos assuntos. No final quem tinha livro, CD, DVD, vinil ou fita podia pedir autógrafo e tirar foto. Deu uma fila imensa e ansiosa de fãs de longa data e pessoas que não perdem autógrafo de alguém famoso. Tive meu momento (pedi autógrafo no encarte do CD "Filmes de Guerra, Canções de Amor", tenho este como o meu álbum preferido entre os que tenho) , como pode se ver na foto, e ainda lhe entreguei umas páginas com escritos meus (textos publicados neste blog, por sinal) que ele não só recebeu super simpático como disse que leria. Foi um prazer imenso! Meu amigo também recebeu seu autógrafo e tirou sua foto (por sinal, a câmera que me fotografou foi empréstimo dele, só tenho a agradecer pela companhia, carona, foto, etc.), demos uma volta e ele me levou a rodoviária. Na caminhada até o carro -já que estacionar perto era uma luta - falei sobre minhas sensações em Jaraguá, compartilho-as: Se eu levar como verdade absoluta as ideias de Piaget de que a aprendizagem se dá por relacionar um conhecimento ao anterior creria que não vou me lembrar de Jaraguá. Sim, pode parecer engraçado, mas achei Jaraguá diferente de qualquer cidade que minha memória pudesse lembrar. Eu sei que fui algumas vezes, minha tia-avó mora lá. Mas, o centro, as avenidas, as lojas e sua disposição... tudo muito diferente. Eu gostei do que vi, embora mesmo no ônibus tenha ouvido muito mal da cidade (por falta de entretenimento, pessoas fechadas, ônibus urbanos só de hora em hora, difícil de se localizar). Fiquei com vontade de voltar outras vezes, explorar e tentar conhecer realmente. Quem sabe quando Pouca Vogal fizer show. (risos)
   Na deserta rodoviária, o ônibus atrasado 20 minutos, comprei a passagem e me restava aguardar a partida para Joinville. Meu amigo, um verdadeiro cavalheiro, esperou comigo. Enquanto esperávamos umas aves barulhentas pousaram nas "plataformas" (sei lá se tem outro nome para onde os ônibus param), a viagem de volta foi tranquila e rápida, e ao sair da rodoviária joinvilense aves como as de Jaraguá levantavam voo fazendo o mesmo forte barulho. Poético, não? Em 50 minutos cheguei em Joinville, no horário que costumo sair da faculdade, então peguei dois ônibus e cheguei em casa no meu horário habitual. Conclusão: uma ótima quarta-feira e uma vontade imensa de viver mais "aventuras" assim.

Ana Kita
(Inverno 2010)

quinta-feira, 8 de julho de 2010

Carta ao pai 7: Ausência e saudade

Joinville, 8 de julho de 2010.

Pai,
hoje faz um ano. Eu juro que eu não queria lhe escrever, não queria despertar lágrimas em ninguém, tampouco em mim. Mas, ontem eu ouvi o Humberto Gessinger falar e ele insistia na ideia de que todo artista deve expressar sua verdade, disse até que é uma forma de respeito com o seu público ignorá-lo, no sentido de não fazer sua arte pensando em como ou no que as pessoas querem. Acho que eu concordei, por exemplo adoro as canções, álbuns e o livro dele sobre a trajetora musical justamente por serem a verdade dele, não um jogo de marketing ou a resposta a pedido de fãs. Enfim, veio a vontade de lhe escrever e não a contive. Nem penso que deveria.
   Eu não achei que eu fosse esquecer, nem que o sol fosse brilhar mais forte hoje. Ainda por cima é quinta-feira, o dia que menos gosto na semana. Mas, está sendo mais duro do que eu imaginava. Recebi uma mensagem logo de manhã. Coincidência ser novamente de manhã? Dessa vez ao menos eu já sabia o que me diriam. Falava de uma missa, a qual não poderei ir: tenho aula. Se quando eu podia estar ao seu lado o máximo possível eu deixei tantas vezes de estar por querer estudar, agora não seria diferente, ainda mais se tratando apenas de costume de famílias católicas. Não posso dizer que estou tão ou mais triste do que ano passado e acho muito bom e normal. Eu queria até não chorar, mas meus olhos permanecem úmidos.
   Talvez algumas pessoas me julguem forte, pai. Algumas possivelmente me considerarão insensível por levar minha rotina acadêmica mesmo no dia de hoje. Lamento dizer que o que elas pensam ou falam só diz respeito a elas. A maior falta já tem mais de um ano e não há nada que se possa fazer. Eu me agarro às boas lembranças e crio forças. Se lamento não ir à tal missa é só pelo apoio que eu poderia proporcionar a família. E aí vem outro problema, é no meio de tanta gente, é ouvindo palavras de consolo que parecem mais palavras para marcar dor, que fico mais triste. Se eu me "recuperei" tão bem dessa perda, a olhos distantes, foi por acreditar no motivo (oculto) das coisas ruins acontecerem. Em acreditar na aprendizagem pela dor, em acreditar que as pessoas tem suas missões na vida e quando elas terminam está na hora de partir e até mesmo em acreditar que todo fim é um começo. Embora nada disso anule minha dor e o buraco que a ausência de suas mãos quentes, seus olhos castanhos e seu sorriso tímido me deixaram, fazem com que eu viva minha vida intensamente e busque motivos no passado, no presente e nos sonhos para muito sorrir.
   Desculpe-me por esta carta num tom tão triste, cheio de saudade e lamentos. Eu o amo muito e assim como sei que sempre quis e quer meu bem, também quero o seu, eternamente.

Escrevo-lhe mais, assim que os sorrisos voltarem.
De todo coração,
sua primogênita,
Ana.

Poeminha visual: Ver

vim ver
viver
vem me ver
vem

      Ana Kita

quarta-feira, 7 de julho de 2010

Quanto a minha sorte e à alegria de viver - Ana Kita

Sorte é pegar um ônibus antes, cheio. É presenciar um acidente, ficar esperando. Sorte é não ter nada pra fazer, é ficar andando por aí, não ter destino. Sentar para descansar, esperar, imaginar e estar errado. Sorte é encontrar você. É lhe ter perto e longe, falando ou calada. Vermelha ou sorrindo, tremendo e nervosa. Sorte é saber que mesmo se tudo der errado, a curva de seus lábios aparecerão no meu dia e tudo ficará claro, lindo, vivo. Valerá a pena cada batimento acelerado.

A energia do seu corpo até o meu, 
do seu olhar dentro do meu, 
do seu sorriso refletido pelo meu.
Ana Kita

terça-feira, 6 de julho de 2010

Carta ao pai 6: Esperança e apreciação

Joinville, 06 de julho de 2010.

Pai,
tenho estado tanto no chão. Quase que o tempo todo. E por isso lhe escrevo, para tentar imaginar, pra tentar flutuar um tantinho que seja. Não sei se é mal do meu tempo, se são meus olhos, mas as pessoas deixaram de sorrir, pai. Andam sempre desconfiadas, chateadas ou irritadas. Penso que elas esqueceram a beleza da vida. Não sentem mais a energia da música ou a inocência das crianças, não apreciam a lua ou o orvalho, não confiam em seus sonhos nem experimentam o novo.
   Confesso que tenho medo, pai. Mesmo que eu tente me preservar, elas estão ao meu redor, "nenhum homem é uma ilha". Como sobreviver? Como continuar com o sorriso no rosto, a pureza nos sonhos, a confiança no olhar? Como saltitar pelas ruas, distribuir "bom dia", brincar com as crianças ou ajudar os senis? Ah, pai, eu busco poesia na vida. Posso escrever e escrever, mas senão houver dentro do coração dos leitores tamanha literariedade não fará sentido algum. É difícil, pai. Estou numa fase de fraqueza, mas não desistirei. Não se preocupe! Vejo nos olhos do nosso pequeno, vejo na paixão do nosso já tão grande, e em meu próprio reflexo. Há sempre uma esperança, enquanto houver amor.

Escrevo-lhe mais, logo mais.
De todo coração,
sua primogênita, Ana.

segunda-feira, 5 de julho de 2010

Quanto às dúvidas e às desistências

Às vezes sim, às vezes não.
Muitas vezes nem sei.
Quando penso me pego afetada pelo que me dizem. Penso o que dizem ou dizem o que penso? E se nem o que sinto fosse coerente com o que penso? Seria possível?
Calar... Falar... Questionar? Pergunto-me.
Já não sei as perguntas nem as respostas.
Não sei a quem fazê-las nem a quem dar.
Calo-me.

Ana Kita

domingo, 4 de julho de 2010

A pureza de outro músico - Ana Kita

   A você que me toca enquanto ele cantava.

  Um músico que tocava verdades da outra margem do oceano, sem alguém que o quisesse ouvir. Pedia aplausos e recebia, ninguém escondia o descaso. Eu o olhava nos olhos e ele não me via. Lembrou-me tanto de você. Talvez o sorriso verdadeiro. O olhar esperançoso. Quem sabe os cabelos latinos. A pele queimada de sol. A suavidade dos dedos nas cordas. Os acordes marítimos do violão. Tinha tanto de você. A camiseta branca como a dizer que a beleza está na simplicidade. Os tênis velhos como se pedissem para seres descalçados. A pureza com que cantava cada frase.
   Ele pediu a outro para tocar junto. É, assim como eu, ele se sente sozinho. Sob a luz verde ele também lembra um amor distante. Como você, ele tem o anelar coberto. É bonito, é alegre. Sozinho continua a cantar músicas que falam de amores perdidos. Ao contrário de mim, ele tem um amor para viver assim que a melancólica canção terminar. Eu peço só uma mais para que eu possa sonhar. Eu e você, personagens de mais uma melodia. Ele acende um cigarro. Para de fumar para continuar cantando, mas a magia já se desfez. Você continua distante e ele é só mais um cantor de bar. Um entre muitos. Um músico bom, toca com paixão, com verdade, não desafina e dedilha como se fosse fácil. No entanto, só você pode me tocar. Ele não tenta. Ele sorri e agradece meus aplausos, ambos sabemos que não é suficiente.
   Um palhaço me cumprimenta, desperta-me de meus devaneios. Não me liberta de você, nem poderia, nem eu gostaria. A canção, em outra língua, diz-me que não desista. Assim como eu e o cantor continuamos sozinhos. Num outro dia, num outro lugar, posso ter sua companhia. Mais uma música, dessas de cantar para sua amada em volta da fogueira. Ouvir o mar, assistir ao nascer do sol. Entre tantas canções que não me dizem nada, ao menos não as compreendo, eis que surge uma conhecida. De uma outra noite, quem sabe, para outro público, de outro cantor, em que meu coração já lhe pertencia. Você não sabia. Você, tampouco, escuta agora, e ele termina de tocar.

Ana Kita

Quanto aos primeiros medos e às curvas

Uma garotinha. Uma garotinha acoada. Escondendo-se, querendo se manter calada. Difícil. Uma garotinha ao embalo das melhores canções. Sentindo os mais fortes batimentos. Uma garotinha descobrindo o amor, o amor não correspondido, incompreendido. Disfarça-se de mulher, vez ou outra consegue enganar. Sorri enquanto evita chorar. Grita sem conseguir quebrar o silêncio. Dorme dias e dias para não abrir as janelas, não quer se molhar. Liga a TV, assiste a qualquer coisa desinteressante. Liga o rádio, acende a luz. Está queimada, é sempre escuro.
Uma garotinha num quarto escuro. Uma avenida de mão dupla, uma garotinha na contra-mão. Corre, parece saber onde quer chegar. Uma garotinha que esquece as impossibilidades. Uma garotinha sozinha num barco à deriva. Não luta, não olha. Encolhe-se e tenta dormir mais uma vez. Sonha com seu futuro azul. Uma garotinha que acorda, olha ao redor e se perde na imensidão.

Ana Kita

sábado, 3 de julho de 2010

Vida que rompe - Ana Kita

Uma ruptura, em algum lugar, perto ou dentro. Sem poesia, sem olhar. Um silêncio e só. Um sentimento solitário na quietude de tantos pensamentos. Mas, já não há ninguém. Olha ao redor, só o breu. Um buraco, uma passagem. Nenhum lugar pra ir, pra ficar. Ninguém que possa acompanhar. Solidão que não é salutar. Falta força, falta coragem. Uma atitude, palavra que fosse. Se tivesse uma canção, um livro que lhe dissesse que viver é preciso. Não é mais necessário. Pra quem seria? É simples, será razão. Esquecerá da vida, do que não é material, das discussões e dos sentimentos imantados. Destino não existirá e por egoísmo seguirá seu caminho, só. Fé em si, e nada mais. Construirá o que for seu e ninguém dirá nada. Não haverá nada a dizer, ninguém que possa. No vício da solidão, viverá o silêncio. Formal. Profissional. Bom. Talvez esqueça de rir, sorrirá cada vez menos. E na metade da vida, desistirá de viver. Alguém escreverá do corte em sua perna. Leitor ou historiador algum poderá compreender. Não foi dito, é segredo. Não existiu, sonhei.

Ana Kita

Canção: Mutante - Rita Lee

Composição: Rita Lee - Roberto de Carvalho

Juro que não vai doer
Se um dia eu roubar
O seu anel de brilhantes
Afinal de contas dei meu coração
E você pôs na estante
Como um troféu
No meio da bugiganga
Você me deixou de tanga
Ai de mim que sou romântica!

Kiss baby, kiss me, baby, kiss me
Pena que você não me quis
Não me suicidei por um triz
Ai de mim que sou assim

Quando eu me sinto um pouco rejeitada
Me dá um nó na garganta
Choro até secar a alma de toda mágoa
Depois eu passo pra outra
Como mutante
No fundo sempre sozinho
Seguindo o meu caminho
Ai de mim que sou romântica

Kiss baby, kiss me, baby, kiss me
Pena que você não me quis
Não me suicidei por um triz
Ai de mim que sou assim

Textofonia 16: Minhas rotas, suas, e quem sabe nossa


(Foto de minha autoria: 02/07/2010 - Pouca Vogal no Clube Cruzeiro em São Francisco do Sul)

Se ando sempre apressado é porque sei que parecem idiotas as rotas que eu traço. Todos acham. Mas, se sou eu quem as traça que diferença faz o que pensam? Sei que nem sempre faço o que é melhor pra mim, pode parecer inclusive bobagem, eu sou guiada por algo bem maior do que posso ver. Ainda assim tenho motivos a sorrir. Ouço boas músicas, lembro-me de você, imagino o quanto você é feliz.
 Eu não viro vampiro, eu prefiro sangrar. Dei o que achava ser o melhor de mim, e se nunca for suficiente espero que encontre alguém melhor. Vou ficar aqui, continuar distante, só não posso matar. Você não é apagável em mim. Se ando sem direção é porque nunca se sabe. Eu não sei. O futuro é inevitável e sombrio. Não vejo, nem quero adivinhar. Siga em suas próprias rotas e se acaso nos cruzarmos não evite me olhar, vou continuar com sorriso de paisagem. Pode só apreciar.

Ana Kita

-> Utilização da canção "Nunca se sabe" de Engenheiros do Hawaii.

sexta-feira, 2 de julho de 2010

Calada, Laura

Por um momento eu penso em falar. Não daria as respostas, nem as que Laura espera, nem as verdadeiras. Mas, eu diria. Diria algo que a fizesse sorrir, que fosse verdade. Não sei o que eu diria, ainda assim pensei em falar. Antes disso Laura começou a falar. E não quer mais parar. Por que a maltrato? Ela me pergunta, sem que eu possa responder. Se eu não ia rever nosso passado por que nos encontrarmos? Como eu podia amá-la se hoje fico apático ao amor dela? Por que eu não respondo? Ela não sabe, tampouco eu. Os lábios dela se mexem com uma delicadeza. Parece tudo planejado para fazê-la ainda mais bela em seu discurso quanto “ao amor que morreu”. Eu quero gritar que não morreu, mas não posso. Ela não para de falar.
Mais um susto. Nunca vi Laura chorar. Eis que seus lindos olhos começam a brilhar mais, melancólicos, raivosos. E uma primeira lágrima escorre sobre o blush, uma lágrima de desespero. Meu dedo indicador corre a secá-la, mas Laura impede. Ter sua lágrima secada por mim seria uma prova de fragilidade, talvez. Ela fica muda. É como se não apenas parasse de falar, ela tira a cor do mundo. Eu me sinto mal. Até então ela continuava a mulher forte, e agora é meia menina, meia mulher. Toda minha. Minha culpa, ela diz.
Meu olhar confessa a culpa, sem que eu a entenda. Laura sente. Sente-se vitoriosa, agora sou eu o culpado e ela uma vítima. Vítima? Vítima fui eu, por tantos anos. Amava uma menina numa mulher forte demais, uma muralha, a torre mais alta dos sonhos. Aproximo minhas mãos quentes das dela, sobre a mesa. Tão brancas, frias, trêmulas. Seus olhos penetram nos meus, continuam a me perguntar. Agora com a doçura de uma menina. Cruel, ela sabe como me ganhar. Aqueço suas mãos entre as minhas, protejo-as. Fujo meus olhos dos dela, temo-os. Temo qualquer dor que eu possa ver neles, qualquer dor que possam me provocar. Mais uma lágrima escorre por seu rosto, do outro lado agora. Lembrou-me Raimundos. Apunhalou meus instintos. Aproximo nossos corpos mais uma vez. Sinto o coração de Laura saltar. Já não sei se é raiva, tristeza. Se é a menina ou tesão. Este eu também sinto, demonstro. Queria beijá-la, queria esquecer esta conversa chata, o futuro e o passado. Ela não permitiria, eu sei. Ela então me pergunta do que tenho medo. É uma pergunta diferente, chama minha atenção.
Do que tenho medo? Do quê? Sei que tenho medo, muito medo. Não sei expressar o quanto, não sei precisar do que. Temo não a ter em meus braços novamente. Temo que a distância seja irreversível. Temo que seu amor a mim seja só reflexo. Temo que as mágoas tenham se camuflado com o tempo e de repente apareçam. Temo que já não seja minha. Temo que esqueça nossa canção. Temo que tenhamos perdido o laço que nos unia. Temo que nos esqueçamos, como uma troca de estação. Temo que a conversa não flua como antes. Temo que outros a amem. Temo que não tenha sentido minha falta. Temo que me ache pouco.
São os olhos, outra vez secos, atentos de Laura que me mostram que eu pensava em voz alta. E temo. Fico um minuto em silêncio, como caindo em mim. Ela me acompanha, quem sabe ruminando minhas palavras, quem sabe suportando a dor de possíveis apunhaladas. Não quero mais seus olhos. Sinto que só eles poderão falar por Laura e já não a quero ouvir. Eu falei demais. Ela está satisfeita agora. Eu infeliz. Meus olhos caem sobre suas coxas. Brancas e grossas, ainda me despertam desejos.

Ana Kita

->4.

Tantos homens - Ana Kita

toda mulher tem um homem que se foi
um homem que a deixou por outra
um homem que a deixou por um cancêr
um homem que nem mesmo a notou
um homem que a deixou por um ideal
um homem que sumiu num temporal
um homem que não passou de dois drinques
toda mulher tem um homem que se foi
um homem que foi pego em flagrante
um homem que prometeu um brilhante
um homem que saiu pra jogar
toda mulher tem um homem
que esqueceu de voltar

(Martha Medeiros)

E mesmo com tantos homens, e tão semelhantes, toda mulher continua a procurar.

Repetidamente. Quando ouço um piada repetida eu me lembro de um homem. Quando assisto a um filme lembro-me de um homem. Quando sinto um arrepio, quando noto um enrubescimento, quando corro na chuva, quando descubro um compromisso, quando pego uma carona, eu lembro um homem. Quando sou convidada a um show eu me lembro de um homem. Quando vejo um sorriso metálico lembro-me de um homem. Quando fico sozinha, quando estudo demais, quando minto, quando choro, quando viajo, quando danço, eu lembro um homem. Quando torço a uma boa partida eu me lembro de um homem. Quando leio poesia lembro-me de um homem.
E entre tantas lembranças quase esqueço que ainda sou menina. Sou a mulher que conheceu ou criou todos estes homens. Poetiza de sentimentos que se apagam com o tempo. Sonhadora de promessas que serão verdades. Apaixonada por um homem entre tantos que me perdem.

Ana Kita

quinta-feira, 1 de julho de 2010

Não lhe escrevo - Ana Kita

Mia pega uma folha de papel um pouco amassada, passa a mão direita tentando esticá-la. Segura uma caneta preta, aproxima seu rosto da folha. Antes de começar a escrever questiona-se em voz alta:
- Eu entregaria uma carta escrita numa folha amassada? Não quero entregar.
Começa a escrever:
“Joinville, 5 de junho de 2010.

Felipe,

Desculpe-me por lhe escrever. Não por estar escrevendo, nem pelo que escrevo. Não sei por que, mas caso seja necessário tente me desculpar. Você sabe que pode confiar em mim, nenhuma palavra que eu diga ou escreva partirá de mim com a intenção de lhe magoar. Pelo contrário, seria um imenso prazer se minhas palavras pudessem lhe fazer bem. Saiba que uma vez direcionadas a você, elas passam a serem salutares para mim.
Queria lhe contar uma história de duas pessoas, um homem e uma garota. Faz tanto tempo que não sei dizer quanto tempo já passou. Eles se conheceram por acaso, começaram a se falar ainda mais sem propósito e no fim já não conseguiam controlar o desejo de manter contato. Era verão, começo do ano... Uma vida inteira pela frente, duas. Tentaram unir suas vidas e não conseguiram. Não eram opostos, embora se atraíssem. Eram apenas diferentes, e não viam.
A garota via no metal dos dentes dele aqueles desejos de inovar, de se tornar outra, de investir e conquistar. Ela não acreditava, ou pensava que não. Engraçado, né? Tantas vezes se tenta negar os próprios sentimentos. O que você acha disso, Fe? Não é contra sua própria natureza? Sobre o que ele pensava eu não sei dizer. Penso que ele próprio se negava pensar ou concluir pensamentos.
Eles viveram em outra época, sentiram outras coisas, assistiram a outras novelas, algumas bandas até continuam as mesmas, mas eram outras rádios, talvez nem houvesse DVDs. Fe, fico envergonha em lhe dizer, mas eles permitiram ou até mesmo decidiram viver por instinto. Sim, mãos, sons, suores. Ela era feliz, e ele tinha problemas. Ela compartilhava sorrisos e ele calava seus lamentos. Ela sofria na solidão de um quarto escuro e ele festava em galpões barulhentos. Eles se amaram. Viveram o amor quase por completo.
Quase porque ele desistiu. Quando o sol estava nascendo só para eles, ele saltou para longe. Quis fugir, teve medo, ficou com vergonha de olhar nos olhos, mas disse a ela que o fim chegara. Os olhos dela foram cachoeiras por algum tempo, bastante tempo. Ele a procurou novamente, viveu ainda mais intensamente. Mas, o caminho já estava traçado, era a distância que os aguardava. Ambos negaram o esquecimento. E conseguiram, por... Por um tempo suficiente para marcá-los. Hoje é só isso, uma marca, duas.
Ficaram muito tempo sem se verem e quando se viram já eram dois estranhos. Sorriram aquele sorriso amargo de fotografia e partiram em direções opostas. Não se pergunte por que lhe conto tal história. Nem eu mesma saberia dizer. Se há algum propósito quero que fique neste parágrafo, um pedido. Peço, meu amigo, que não se afaste, que não se cale e que se lembre de mim. Nossa amizade é algo iluminado, não deixemos que o tempo faça dela uma só marca em nosso passado. Não precisa me escrever, mas me abrace quando terminar de ler.

Estarei sempre aqui.
Com todo meu carinho,
sua Mia."
- Não vou entregar. – dizendo isto a garota amassa a folha de papel.

Ana Kita

-> Proposta de narrativa com a personagem anteriormente criada, vejam-na aqui, em Língua Portuguesa 1, no curso de Letras. Tirei 9,5. Concordam? Gostaram?

Descrição da personagem Mia

Mia, uma garota em seus dezesseis anos de dúvidas e sonhos. Olhos verdes, cabelo escuro, estatura abaixo do padrão ocidental. Mia, dando sempre uma de madura, é simpática, romântica, criativa e sensível. Tornara-se o membro pacificador da família e o líder reflexivo dos amigos.
Foi criada por jovens pais solteiros, de famílias bastante diferentes. Estudou em um dos melhores colégios do sul do país. Aderiu na infância, influenciada pela mãe, a paixão pela literatura. Gosta de escrever poemas e contos românticos – muitos deles inspirados em seu melhor amigo, Felipe.
Se acreditasse poder se vestiria exclusivamente com calças jeans e camisetas tão simples quanto às do uniforme escolar. Mia não usa vestido ou saia. Varia entre seus diversos modelos de tênis All Star - ou sapatilhas, se necessário. A garota mantém constantemente o longo cabelo preso e raramente entrega-se ao poder de uma maquiagem.
Mia insiste na anual reunião natalina da família materna. Assim como na reserva dos domingos para confraternizar com o pai. Na manhã de domingo vai à missa, e alterna os almoços na companhia da avó ou do avô, em que o pai costuma lhe agradar fazendo seus pratos preferidos.

-> Só pra situar os possíveis leitores da próxima postagem. Produção para Língua Portuguesa 1, no curso de Letras.