quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

Carta ao pai 21: Fim de ano e vida

Joinville, 29 de dezembro de 2011. 

   Pai, tenho escrito pouco, não só a você. É que tenho vivido. Pode parecer estranho, nem tenho feito meus passeios naturais ou caminhadas matinais, acontece que tenho me sentido plena, feliz, realizada. E de uma forma ou de outra, escrevo menos, seja por falta de tempo ou por falta de palavras. Hoje lhe escrevo pensando no ano que termina, no Natal que passou há pouco e no meu presente. Não, não estou pedindo presente, embora a compra do meu carro ainda esteja adiada e uma mulher sempre deseje muito. Acontece que minha vida hoje é muito feliz, talvez nunca tenha sido tanto. Não quero desdenhar minha infância, que provavelmente é a fase mais pura e alegre de todos nós. Quero dizer que você e minha mãe, e todos meus amigos e professores me trouxeram até aqui. Permitiram que eu sonhasse, caísse, levantasse, acreditasse e algumas vezes me desiludisse, enfim vivesse plenamente e sabiamente, possivelmente tudo isso para aprender a viver o meu presente, e o que virá. Sei que virá muito! Obrigada, pai. Sinto saudade, mas, com com certeza, ainda mais gratidão e amor. 


De todo coração,
sua primogênita,
Ana. 

terça-feira, 13 de dezembro de 2011

Uma vida toda - Ana Kita

     Ensaio a manhã inteira o que dizer, e o primeiro brilho do seu olhar - junto da covinha mais discreta - disfaz tudo, ainda bem. É a pureza da naturalidade que me faz tão bem. Posso ficar em silêncio ou não parar de repetir as frases mais simples, sou eu mesma e isso basta. Não preciso de nada mais que apenas nós para ser feliz. A mais pura felicidade se faz no encontro de nossos corpos, sorrisos, lábios. Na certeza de que o verei, de que o terei, de que o amo.
     Paro, um instante, a pensar que são apenas 9 meses, embora pareçam uma vida toda, e alegro-me por lembrar que ainda há uma vida toda.

Ana Paula

terça-feira, 6 de dezembro de 2011

Primeira leitura de férias 2011/2012: Helena

Período de leitura: (aproximadamente) 17 a 25 de novembro.

   Esta postagem ficou depois da segunda leitura, por simples inspiração, ou falta dela. Como já sabem, ou deviam saber (risos), ainda não estou de férias, tampouco estava quando deixei um pouco minhas leituras para meu projeto de pesquisa para retornar aos clássicos que durante o ano passado adquiri - e ainda não tinha lido. "Helena" foi uma escolha com o simples critério de "protagonizada por uma mulher", uma vez que eu tinha terminado alguns dias antes a leitura de "Inocência". Ah, talvez eu devesse falar antes sobre "Inocência", pois a leitura me surpreendeu muito, mas meio que me "vacionou" sobre o que eu encontraria nos demais livros românticos de protagonistas mulheres. Bom, nem tanto assim, porque até metade do livro eu não podia supor o que aconteceria a Helena e Estácio, ainda que imaginasse a não realização do amor, previsível pra época. Enfim, talvez eu escreva futuramente sobre "Inocência", quem sabe "leitura antes das férias 2011/2012", não que estas primeiras não o sejam.
   Partamos ao livro! Prefiro primeiro frisar que é Machado de Assis, o que já dispensaria elogios, como se fossem preonásmos, mas não consigo deixar de dizer que é de uma escrita belíssima. A doce, porém firme, Helena é de entrar no coração de qualquer um, não só dos demais personagens, mas dos distantes leitores. Com muitas palavras da época, a narrativa encanta pela doçura do romance velado, o não assumir de sentimentos, o não poder falar, e o, próprio, não acreditar. Inspiração para muitos roteiristas de novela... Leia e concordará!
   Machado, como em outros livros que já tive o prazer de ler, amarra a história de uma forma contagiante. O leitor não quer parar a leitura de jeito nenhum e ainda é capaz de, como eu, lamentar quando só restam algumas páginas. Os mistérios em torno da protagonista, reanimados pelos demais personagens, além da dúvida do caráter dos personagens e até o sentimento que envolve Helena e Estácio são ingredientes especiais e na medida certa para uma tarde prazerosa de leitura ou alguns dias de absorção. Indico!

Ana Kita


Obra: Helena
Autor: Machado de Assis
Editora: L&PM
Ano: 2010 (primeira publicação em 1876, em folhetim)
Classificação: Romance brasileiro

sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

Segunda leitura de férias 2011/2012: Lucíola

 Período de leitura: 27 de novembro a 02 de dezembro de 2011.

   Na verdade, nem estou de férias ainda, tampouco escrevi sobre o primeiro livro que li neste final de ano (que foi Helena, de Machado de Assis, em breve devo escrever). Acontece que hoje pela manhã terminei a leitura deste clássico - pornográfico? -, "Lucíola" e senti uma imensa vontade de compartilhar. Indico!
   Muita gente deve se assustar, mas preciso confessar que adoro leituras com tom erótico, mesmo que de forma bem implítica, que não é o caso. José de Alencar se superou em erotismo numa época que nem era permitido, era? Enfim, caso seus contemporâneos não tenham aproveitado, aproveitemos agora. É uma narrativa simples, apesar de uma ou outra palavra em desuso, possível de acompanhar sem qualquer auxílio técnico, juro. Acima de tudo é uma leitura envolvente, se não fosse final de bimestre e eu tivesse tanta coisa todos os dias teria lido de uma vez só, é muito gostoso. Por sinal, gostoso mesmo, eta, paixão! Os puritanos, ou hipócritas, podem se espantar com algumas passagens, os menos sensíveis poderão não compreender as razões da protagonista, mas sinto que qualquer leitor que se entregar ao enredo sentirá e se questionará junto de Paulo.
    De uma forma ou de outra, acredito que muitos, como eu, ao lerem tentarão decifrar a sensual Lucíola, e na metade da narrativa adivinharão o que sucederá. Mas, tenham a certeza que de jeito nenhum isso fará com que a obra perca seu brilho. Confesso que estou até em dúvida se este livro não superou - no meu gosto - "Iracema" (do mesmo autor), e olha que adorei a história desta outra forte mulher. Claro, situações muito diferentes, até porque acredito muito na importância social de "Iracema", mas se refletirmos bem, uma narrativa da tradição romântica em que a protagonista é uma prostituta também tem um caráter bastante social - embora ainda mais moral.
   Não falarei mais sobre a história, pois o enredo é conciso e o desenrolar pelas palavras de Alencar tem seu valor. Leiam (e comentem, caso já tenham lido!)!

Ana Kita

Obra: Lucíola
Autor: José de Alencar
Editora: L&PM
Ano: 2010 (essa versão claro, porque a obra foi publicada originalmente em 1862)
Classificação: Romance brasileiro

domingo, 27 de novembro de 2011

sexta-feira, 25 de novembro de 2011

Carta a ti: que quero me perdoar

Joinville, 25 de novembro de 2011.

   Já faz dois meses que não lhe escrevo, mas se o vejo e o beijo, qual seria o desentendimento? São vários, aos montes. Ou vales. O ápice deles deve ser minhas perguntas clássicas. Já a baixa altitude deve ser as pequenas discordâncias. Dizem que é bom, eu também acho, fica tão lindo quando dá aquele sorrisinho contrariado, ou um beijo apertado pra eu parar de ser boba. Mas continuo, eu sou assim (já cantava Luiza Possi).
   Eu podia pedir que me perdõe, dizer que tentarei mudar, mas tudo isso todo mundo diz, tudo isso eu repito toda vez que fico triste antes de dormir (é meu momento de reflexão natural). Escrevo pra dizer que estou aprendendo a me perdoar, não dizem que só ama o outro quem sabe amar a si mesmo? Pois bem, amo-o muito, portanto devo me amar, mas ficar me culpando não é uma boa mostra de amor, certo? Por isso venho me perdoar. Venho me perdoar porque sou humana, apaixonada e inconstante, sou aprendiz da vida, cheia de defeitos e mais propícia a acertar errando. É, soa estranho, mas é assim mesmo. Não dizem que é errando que se aprende? Tenho errado bastante, podemos ficar felizes: logo saberei de tudo!
   Acho que mês passado vimos um filme que recém-casados falaram algo do tipo "nunca fomos casados, precisamos aprender juntos", assim também acontece com nós. Não estou falando do futuro casamento, tranquilize-se! (risos) Digo mesmo da relação namoro, da convivência diária, do amor gigante e do continuar a sermos nós mesmos. Isto é, numa curta relação pode-se tentar agradar ao outro o tempo todo, tipo criar - principalmente inconsciente - um personagem e viver num mar de rosas. Mas, ao se ver todos os dias durante oito meses, bom, daí a verdade grita. Não é possível acordar linda todo fim de semana, não sentir fome, não sentir dor, não estar irritada, não chorar, não sentir ciúmes, não rir, suar, zoar ou ser grossa. Não tem condições de não precisar desabafar, fazer número 2, tomar banho, falar palavrão, criticar ou reclamar. Bom, não é esse o sonho das pessoas que se amam? Poder serem elas mesmas!? Ter olhera, maquiagem borrada, feijão no dente, assoar o nariz na frente, revelar um pneuzinho? Não!! Talvez todos nós queiramos esconder nossos defeitos até de nós mesmos, mas não é possível. Penso, então, que o melhor é poder não se preocupar tanto, contar com a compreensão, confidência e reciprocidade do outro. Vejo isso na gente, estou certa?
    Então eu me perdoo, e já me vejo mais confiante. Quem sabe perguntando menos, discutindo menos, rindo mais. Quem sabe do mesmo jeito, mas mais feliz. Enfim, sempre vivendo nosso amor ao máximo.

Com todo meu amor,
sua pequena, Ana.

sexta-feira, 18 de novembro de 2011

Confissão de quereres - Ana Kita

   eu queria escrever coisas lindas, profundas, felizes e emocionantes. eu queria falar de nós, da chuva na janela, do dia de ontem, do que ainda virá. eu queria desenhar flores azuis, lagos no céu e sóis verdes. queria que todos lessem as estrelas dos meus olhos e cheirassem as flores dos meus cabelos. queria sorrir um sorriso tamanho do mundo, aquecer os pólos e refrescar a dor na áfrica. eu queria voltar a ser criança, passar a tarde numa balança. não me preocupar com peso, espinhas, nem contas. eu queria voltar a me chatear com as equações do primeiro grau. queria passar a tarde na praia, ficar vemelha e passar óleo refrescante. queria subir o morro correndo, tomar caldo de cana. queria ter ajudado o joão quando ele caiu de bêbado, queria ter aprendido mais cedo as verdadeiras lições das aulas de biologia. queria contar logo os vinte dedinhos do meu filho. queria lembrar de eu dormindo no meio dos meus pais, se é que isso aconteceu. queria ter acontecido mais, falado menos, gastado menos. queria passar um ano guardando dinheiro. queria em um mês comprar tudo que desse vontade. queria ter mais empenho nos estudos, na limpeza, na organização, no planejamento do futuro. queria que já fosse amanhã para eu poder querer mais milhões de coisas novas e esquecer boa parte do que quero.

Ana Kita

quinta-feira, 27 de outubro de 2011

Desafio das outras casas, claro - Ana Kita

    Uma televisão e uma transmissão esportiva: pronto, os monstros acordam!

Ana Kita

Fragmentos únicos de dois

“Eu não quero mais falar com você, pois tudo o que falo sai feito plástico retorcido.”
“Eu lhe escuto muito bem.”
“Esse é o problema: você é todo plástico retorcido.”

 (Philipe Macedo Pereira)

Este texto faz parte de um projeto de escrita coletiva intitulado “Fragmentos únicos de dois”, criado por Amanda Correa, eu, Eduardo Silveira e Philipe Macedo Pereira.

quarta-feira, 19 de outubro de 2011

Manhã de mim - Ana Kita

   Às vezes amanheço só medo. Medo de que o relógio dele não mais o desperte, medo de que o apaguem de mim. Seria um dia sem cor se meu medo se realizasse, os cães não mais latiriam e ninguém passaria na frente da minha janela a fim de me mostrar se está frio ou calor. Eu tomaria banho como todos os dias, mas não cantaria. Tomaria meu café e não sentiria gosto ou prazer. Sairia pra trabalhar, talvez esquecesse o caminho, não daria bom dia às pessoas que fosse encontrando. Abriria a porta e a janela e acenderia a luz e ligaria o computador e leria o recado sob a mesa e atenderia o telefone e faria o meu trabalho. O tempo passaria sem eu notar pressa ou lentidão, só comeria quando desse a hora e meu estômago roncasse. No fim do dia, quando para casa eu voltaria, a televisão já não me agradaria, o sono viria e nem o livro de cabeceira conseguiria minha atenção. Assim seriam todos os meus dias, sem suspiro nem arroz doce.
    Foi só depois de ouvir Antes do Depois* que me dei conta do quanto preciso dos doces e dos fôlegos. Eu sempre os desejei, mas nem sabia como nomeá-los. Jamais parei para pensar como não podem me faltar - o que seria de mim se isso acontecesse? Eu nunca quis ser pastel de vento, mas me tornaria. Todas as leituras, conversas, risadas e choros naufragariam junto de todas as coisas sem importância que deixamos para trás. Canetas, guarda-chuvas e cinzeiros. 
   Há manhãs que junto do sol vem a vontade. Visto-me toda dela e saio à rua sorrindo. Mando uma mensagem dizendo que ele é muito amado, ainda que ele saiba. Compro um chocolate, canto a música do elevador. Aprendo tanto no trabalho que nem vejo a hora passar. Admiro o colorido do meu prato na hora do almoço. Decido voltar a pé para apreciar a primavera. À noite, passeamos de mãos dadas, sem destino nem hora para voltar, depois de um beijo revelo minha vontade. Ele ri, aquele riso tímido e cúmplice que só eu sei despertar. Pede-me paciência, prometendo que ainda seremos muito felizes. Eu também rio, confio nele. Dormimos com as estrelas sobre nossos olhos.

Ana Kita

*QUEIRÓS, Bartolomeu Campos de. Antes do Depois.

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

Confissão de pesquisa - Ana Kita

   o título ficou meio sem pé nem cabeça, penso eu. mas, que fique assim mesmo, pois é da minha pesquisa que quero falar e não deixa de ser uma confissão. a confissão não é a pesquisa, fique isso claro, ou não. minha pesquisa é a morte na literatura infantil e juvenil. num primeiro momento buscar obras que tenham a temática e livros teóricos que discutam o acontecimento e seu efeito. depois vem várias etapas de separação e classificação, para enfim expor meus resultados. tá, só queria compartilhar isso pra poder pedir indicações. sugiram livros a mim!
   o que faz ser confissão começa agora. na verdade, nas últimas semanas, quando comecei algumas leituras indicadas por minha orientadora. acontece que pra alguém sensível e emotiva feito eu, que perdeu o pai há dois anos, ler a morte na literatura infantil ou juvenil é impactante. minha mãe me julgou louca, talvez eu seja mesmo. mas, nunca gostei e me empolguei tanto com leituras. tenho lido de dois a cinco livros por dia, salvo domingo e feriados (risos), em que tenho relaxado com outro prazeres. e chorado muito. sim, qual o problema? chorar também é bom. às vezes eu digo e acho que pouca gente realmente entende: chorar a dor dos outros pode ser alegrar-se por sua própria vida. no caso da literatura eu me sinto bem assim, gosto de me envolver e sofrer junto às personagens, porque termina, e minha vida continua bem, entende? é claro, que muitas dessas leituras me fizeram pensar na morte do meu pai, na sua ausência, na minha saudade, mas, é como trazer aquele usual clichê (quase sempre modificado, mas com o mesmo sentido): "não foi só você que precisou superar isso". bom, e eu vejo que superei sim. lido na boa com a morte, não estou até pesquisando sobre? e vivo. é isso que minha pesquisa quer defender. o bem viver exige a boa compreenção da finitude da vida, a literatura pode ajudar. eu acredito. sinto-me melhor e melhor a cada bom livro (que me faz chorar, sim).

Ana Kita

terça-feira, 13 de setembro de 2011

Carta a ti: que quero comemorar

Joinville, 13 de setembro de 2011.

   Há alguns dias espero pelo dia de hoje, sei que o tempo é relativo e tudo isso parecerá bobagens daqui uns 15 ou 30 anos, mas por esses dias minha alegria é imensa. Não só por ser o relacionamento mais longo que vivi, não por ser o mais intenso, nem o mais cheio de planos ou o que me faz mais feliz. Bem, talvez por um pouco disso tudo, mas principalmente por cada sorriso, cada beijo, cada abraço, cada risada, cada filme, cada passeio, cada jogo, cada aniversário, cada show, cada presente, cada mensagem, cada carta... Por cada momento nesses adoráveis 6 meses. Instantes mágicos que me fazem acreditar na magnitude da vida, dizer que vale a pena, e sonhar...
   Há exatos 6 meses, eu me arrumava para sair com um "colega de faculdade", bom, com um gatinho, um tímido flertador, não sei se eu acreditava que daria em alguma coisa, mas a essa hora me dava um baita frio na barriga. Hoje entendo porque. Naquela primeira aula, um olhar tímido, mas insistente, já me facinou. Eu não fazia ideia do quanto. Talvez seja ele o motivo que me faz olhá-lo tanto, admirar seus olhos, seus lábios, suas covinhas, suas sardas, seu nariz, seu queixo, e todos os detalhes que o fazem tão lindo e tão especial pra mim. Há quem diga que tal galã de novela parece ser o "seu número", uma viagem. Mas, acho que não estaria exagerando ao confessar que quando estou ao seu lado, quando o admiro e o deixo constrangido, penso que foi feito pra mim. Daqueles sob medida mesmo, com encaixe perfeito, que a gente não quer largar de jeito nenhum e tem vontade de mostrar pra todo mundo.
   Não sei como expressar tudo que sinto, especialmente porque estou ansiosa para poder vê-lo e finalmente lhe entregar minha surpresa. É certo que tenho fé em nós, então sinto e acredito que você entenderá tudo que deixo por dizer, pois também sente e também deixa de falar. Dizem que uma imagem vale mais que mil palavras, daqui alguns minutos terá uma. Espero que ela diga tudo que eu gostaria sobre ser feliz, sonhar junto, planejar e realizar, e uma vida a dois.

Com muito amor,
sua pequena, Ana.

quinta-feira, 8 de setembro de 2011

Confissão de fala - Ana Kita

   tenho falado muito, e escrito pouco. este é o meu mal. talvez de outrens também. mas, especialmente meu. pois é, saber já devia ajudar, e não ajuda. pelo contrário, faz-me mal. quando falo não sei o que digo, digo qualquer coisa, de qualquer jeito, às vezes até com aquele jeitinho de menina que quer doce. ain, quanto doce. e por isso quero escrever. porque na escrita me corrijo, torno-me melhor, encontro-me. não quero ficar me idealizando ou agradando alguém. só não queria parecer boba. dessas que andam de cabeça baixa e vivem pedindo perdão sem motivo. se posso escrever e acertar, por que não fazer? não sei. e é aí que mora o medo, e falo. falo sem parar. por falta de tempo de escrever, um teclado ou uma caneta. por falta de vontade ou pelos dedos gelados. por simples preguiça.

Ana Kita

quarta-feira, 7 de setembro de 2011

Conto de um sonho - Ana Kita


 Uma vez sonhei que me disseram que esquecer os sonhos era o melhor a se fazer.

   Pulou da Ponte Rio Niterói e passeou no Central Park, queria ter abraçado o artista de rua, mas as moedas que jogou já o parabenizaram. Seus sonhos eram assim, de fatos reais, mas com uma poesia digna da imaginação, ela se realizava ao lembrá-los. Compartilhava com sua melhor amiga, Hannah, que nunca os entendia, tampouco gostava de ouvir. Contudo, naquela manhã sentiu-se mal, acordou e correu ao banheiro, lavou o rosto, olhou-se no espelho, estava pálida. Vestiu-se logo e bateu na vizinha, uma senhora simpática que oferecia bolo semanalmente, ninguém atendeu. Desceu pelas escadas a fim de ligar para Hannah, caiu na caixa postal, na certa tinha se esquecido de carregar a bateria, clássico de domingo. Chamou um táxi e partiu para a casa da mãe, encontrou-a no portão, pediu para conversarem, mas a mãe estava com pressa. Tudo bem, mentiu ela. Decidiu visitar os avós, fazia tempo que lhes devia um almoço, ninguém em casa – tinham ido à praia. Apelou para o celular do irmão, este não atendeu. Ligou para o pai, por telefone não seria tão bom, mas ele desligou dizendo que não podia falar agora. Até para a cunhada ligou, mas a sobrinha chorava ao lado, entendeu que não era um bom momento.
   Dirigiu-se a pé até o apartamento dos pais de Hannah, nos finais de semana ela costumava pousar lá. Ficou com vergonha de bater e sentou-se na pracinha. Repetidamente olhava o relógio, agora já marcava 11h, seu estômago roncava, sobretudo o número 26 a afligia. Uma senhora com sacola de feira passa pela praça, elas se olham, a senhora senta ao seu lado. Eis sua chance. Dona Amélia se apresenta, reclama do aumento do preço do tomate, e lhe sorri confidente, o esposo Alberto merece no dia do seu aniversário uma bela macarronada. Dona Amélia pede desculpas, pergunta seu nome. Em seguida a pergunta fatal: O que a incomoda nessa linda manhã de domingo, Isis? Finalmente a protagonista revela a confusa e preocupante narrativa sonhada à noite. Não que Dona Amélia fosse ligada em ocultismo, mas ouvira dizer certa vez que sonhar com morte era bom presságio. Isis deixa uma lágrima cair. Confessa que a morte nunca a assustara tanto, ver-se morta fizera refletir na falta de um namorado, no distante sonho de construir sua família, na incerteza de seus pais saberem de seu amor. Dona Amélia a abraçou, se não fosse aniversário de Alberto a convidaria a almoçar, mas o esposo não gosta de jovens, nunca tiveram filho pelo temor da juventude rebelde. Dona Amélia se despede com um conselho simples. Isis volta para casa menos agitada, compra um lanche no bar da esquina, mas desiste de comer. Tira um cochilo no sofá e ao acordar se esquecera do sonho da noite, dessa vez um sonho bobo, uma conversa com uma senhora sem filhos.

Ana Kita

segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Carta ao pai 20: Aniversário e casamento

Joinville, 26 de agosto de 2011.

Pai, estou em falta com você, eu acredito. Talvez você na sua plenitude já considere qualquer exigência desnecessária. Mas, queria ter lhe escrito antes. Fiz 19 anos. E daí, né? Ano que vem faço 20, e anualmente será assim. O fato é que nunca em minha vida me senti tão mulher, tão plena. Quero casar, pai. Bom, isso não é novidade, desde que aprendi a falar digo querer. Agora é diferente. Não só quero, eu planejo, tenho o noivo e o querer dele. Ainda é preciso esperar (sempre é), ele quer (sensatamente) que nos formemos na faculdade antes (ou seja, esperar pouco mais de dois anos). Ainda assim, finalmente é real, já me parece certo. Torça por mim, pai. Estou muito feliz!

Escrevo-lhe mais, logo mais.
De todo coração,
sua primogênita, Ana.

quinta-feira, 25 de agosto de 2011

Confissão de medo - Ana Kita

   silêncio, sempre gostei de ti. de verdade mesmo. embora eu goste de música e do som do mar, deliciava-me com o silêncio da noite ou da mata. mas, sempre o temi. fosse pela escuridão, ou principalmente pelo clima de desentendimento. bastava um momento de vulnerabilidade pra me sentir consumida por ti. estava lá eu e alguém de que muito gosto, de repente eis que aparecia e me apavorava. não queria que fosse assim, juro. lembro que uma vez li algo sobre o amor existir na falta de constrangimento de duas pessoas frente a ti. talvez seja verdade, não se trata de constrangimento. se tá tudo bem, nem te sinto, muito menos como incômodo. mas, quando não tá, qualquer instante te torna um monstro gigante. sério, não me julgue louca. dói tanto. às vezes tento conversar, não necessariamente te quebrar, mas entender teu aparecimento. ninguém me fala. fico sem entender e na dúvida: peço tua ajuda, silencio.

Ana Kita

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

Falando o que calo - Ana Kita

   Há muito tempo, nem sei quanto tempo faz, eu disse que mudaria. Não disse com confiança, na verdade não acreditei que eu poderia mudar. E hoje, de repente me dei conta que eu mudei. Exatamente como eu disse, embora sem uma real intenção. Dou razão a quem me disse que tal mudança não seria boa, não tenho estado muito feliz. Não que eu ficasse feliz naquele tempo. Mas, quem tem a medida? Entre falar e calar não parece haver muitas opções... Tampouco me parece que minha atitude transforme alguém. Antes me desesperava pelos outros, pela inércia, ficava decepcionada, desiludida. Agora me magoo, guardo toda a raiva e deixo o tempo apagá-la. Geralmente demora, mas é sempre assim. Falando ou não, um belo dia aquilo já não terá tanta importância e terei superado. Questiono-me apenas por amanhã, sem dúvida acontecerá mais uma situação e terei que escolher. Bom, no mínimo espero superar logo.

Ana Kita

segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Não nasci com medo - Ana Kita


   Não nasci com medo, ninguém nasce. O medo vai aparecendo aos poucos, sendo convidado pela família, pelas professoras, pelos livros, filmes e a televisão, mais tarde até pelos amigos. Na infância, convivi com os medos “clássicos”: de escuro e de bichos (de cachorro a arranha). O tempo passava e meus medos aumentavam, alguns deixei pelo caminho, outros se tornaram maiores. Passei a ter medos mais psicológicos, como de perder quem amo, ou não realizar meus projetos.
   Ainda estava na adolescência, quando ao perder meu pai entendi que temer algo não interfere no curso natural da vida. Se fosse para usar positivamente meus medos, o máximo que eu podia fazer seria viver intensamente, lidar com meus medos como algo possível de acontecer e, portanto, não dar motivos para me arrepender mais tarde. O aprendizado foi valioso, mas nem por isso deixei de ter medo.
   Acredito que o medo faça parte do nosso “desenvolvimento”, é o medo que nos leva a diante, e também ele que nos protege dos perigos. Desde que não sejamos dominados pelo medo, ele pode ser benéfico. Se eu nunca entrei num carro com um motorista bêbedo foi pelo medo que a mídia me deu, e acho que foi prudente. Se eu nunca aceitei sair com um estranho foi pelo medo que meus pais me passaram, e não me arrependo. Se eu nunca usei drogas, se eu nunca cometi crimes, se eu nunca exagerei na velocidade... Se eu sempre digo que amo minha mãe e meus irmãos, se eu planejo me casar e ter filhos com o homem que amo, se eu faço faculdade, se eu estudo bastante... Enfim, se eu cedi aos medos muitas vezes, foi por considerar certos medos proteção. Diversas vezes os medos – algumas vezes mais dos outros que meus - fizeram-me bem. Estou viva e vivi intensamente, mas não me expus a tantos perigos.

Ana Kita

Obs.: Proposta de crônica com a temática "medo", no terceiro encontro do projeto de pesquisa aqui apresentado.

sábado, 13 de agosto de 2011

Procuram-se amigos - Ana Kita

   Procuram-se amigos para caminhadas, visitas e conversas. Procuram-se amigos de museus e bares, de festas e cinema, de calçada e sofá. Procuram-se amigos que tragam histórias e silêncio,  presentes e abraços. Procuram-se amigos para formaturas, casamentos e batizados. Procuram-se amigos para hospitais e velórios. Procuram-se amigos que topem viagens, delírios e não fazer nada. Procuram-se amigos que vejam o nascer-do-sol, compartilhem o almoço e assistam ao anoitecer. Procuram-se que abram a carteira, a mente e principalmente os braços. Procuram-se amigos que ouçam músicas para chorar ou alegrar e deixem de notar qualquer música por uma conversa honesta. Procuram-e amigos despretensiosos, que sejam amigos pela pura amizade, sem visar a interesses ou provas, apenas amigos. Procuro por novos amigos. E que permaneçam.

Ana Kita
 

sábado, 6 de agosto de 2011

6 de agosto de um ano qualquer...

o dia nascendo
eu (re)amanheço

tudo tão diferente de um ano atrás
mas nada mudou desde ontem
(dizem que sim, penso que sim
vejo que não)

sorrio. Alguém me diz: parabéns!
tenho vontade de retribuir, agradecer é pouco
quero parabenizar por me aturar, por me alegrar
por estar comigo

logo, o dia anoitece
e eu renascendo.

Ana Kita

quinta-feira, 4 de agosto de 2011

   Parecia uma bailarina, sempre tão linda e leve. No entanto, morava nela muita dor e destruição. Por trás das fantasias havia insatisfação e insultos. Definhava-se em seu próprio espetáculo.

Ana Kita

domingo, 31 de julho de 2011

O par perfeito? - Ana Kita

   Há algum tempo eu procurava um "adulto mais experiente" que pudesse me dizer como se sabe que aquele amor vai durar tempo suficiente para criar uma família, para um dia olhar para trás e se orgulhar das escolhas feitas a dois. Encontrei poucos que talvez tivessem a resposta, só alguns saberiam dizê-la e achei que nenhum deles iria me contar. Foi num domingo à tarde, sem pretensão de encontrar a tal resposta que já me perturbara, que finalmente descobri.
   Ninguém me contou, nem eu acreditaria. Encostei no peito dele e tudo ficou tão claro. Olhei em seus olhos e a verdade também o atingia. Não há fórmula mágica que nos diga que ficaremos juntos para sempre, tampouco uma receita para não brigarmos ou algumas vezes errarmos. Tudo que temos de resposta ou certeza é o gigante amor e tudo que dele vem, o respeito, a cumplicidade, a harmonia, o carinho, os sonhos... Restá-nos vivê-lo ao máximo enquanto for nossa verdade, e que ela seja eterna.

Ana Kita

terça-feira, 26 de julho de 2011

Quanto aos sonhos e à escrita

   Esta noite sonhei - na verdade, não foi sonho, eu ainda estava acordada, mas o verbo "pensei" tiraria boa parte da força do meu devaneio e principalmente o caráter mágico de poder se realizar, pensei eu - que um dia meus escritos, sejam neste blog ou num guardanapo, eram lidos por alguém influente que me levou a uma grande editora. Eis que começaria minha carreira. Os tempos verbais ficaram confusos, numa hibridez de imaginação e desejo.
   Talvez seja meu lado racional me alertando que minha carreira não cairá no céu, e embora não saiba como, preciso em breve agilizar esse processo de iniciação. Mas, ainda creio ter sido um desejo ingênuo, como quem vê na televisão modelos contando como começaram suas carreiras ao serem encontradas por agentes. Será que há editores agentes ou que pedem a subalternos para procurarem blogs de bons escritores? Acho pouco provável, a internet é arriscada, ainda que eu seja muito sincera. Deveria ser um trabalho muito interessante. Encontrar talentos, dar-lhes oportunidades. Queria eu uma oportunidade gigante, confiável e paciente. Sei que temeria. E sobre pressão é mais difícil escrever bons textos, não? É o que dizem. Não sei. Há texto feitos, isto é, orientados, de que muito me admiro, mesmo que poucos tenham gostado, e outros que jogaria fora se não fossem os elogios. Há textos que floresceram na minha mente sem quase regar que nunca foram elogiados, bem como alguns aplaudidos.
   Pelas aulas de literatura chego a conclusão que é normal ser assim, há quem sempre escreveu, há quem só na velhice, há quem teve fases excelentes e outras de péssima crítica. Adoro Iracema e a professora que me "indicou" ler, disse que era um livro difícil e chato. Gosto dos dois livros de Paulo Coelho que li e meus professores da faculdade adoram criticá-lo como lixo repetitivo. Trata-se de sentir. Tenho dois livros favoritos, um é mundialmente famoso, super elogiado, muito lido e extremamente traduzido. O outro foi alugado por alguém (da biblioteca pública da minha cidade), abandonado na rua e ainda não conheci ninguém, além da minha tia, que foi quem o achou, que o tenha lido. Já os li duas vezes, em fases diferentes da minha vida e continuo me encantando e considerando os melhores para mim. Gosto quando meus textos são assim também. Há alguns que meses ou anos depois fazem com que eu própria me admire. E por vezes tenho vontade de mudar, tirar do blog ou mesmo jogar fora textos antigos. Pra usar de um clichê maravilhoso: nem Cristo agradou a todos. Muitos nem acreditam que ele existiu.
   Mas, eu sou até tranquila com a crítica alheia ao que gosto. Sem dúvida, sou mais atingida pela minha própria auto-crítica. Sou do tipo que fica perplexa por esquecer o nome de um filme de que gostou tanto, e só sente as bochechas quentes quando tira uma nota mediana numa redação. Não vou dizer que não me atinge, claro que sim. Muitas vezes tenho o sonho de que meu leitor sinta tão forte quanto eu. Logo em seguida lembro que é assim mesmo, cada um tem sua vivência, sua verdade e sua fase. Poucas as chances de coincidirem pra muita gente. E continuo escrevendo. Porque é meu enquanto escrevo, e será de alguém quando tocar, caso ocorra. Ainda creio que acontecerá aos milhares.

Ana Kita

Confissão de ontem - Ana Kita

   queria ter recebido um parabéns, queria mesmo, unzinho que fosse. mas, não me surpreendi. tampouco esperava. tenho escrito pouco. tenho sido ainda menos lida. por sorte tenho um futuro. espero que lindo. e aguardo. não de braços cruzados, pelo contrário, sentindo e escrevendo. fazendo o que creio e esperando, quem sabe, dias melhores. é como perder "colegas" virtuais por ajudar um amigo numa promoção, o amigo nem me considera mais tão amiga, mas eu ainda creio. amizade é pra sempre, pra mim. e ele ganhou.
   dia do escritor, e não escrevi. dia seguinte, aqui estou escrevendo. não com presunção de escritora. mas com alma de quem quer fazer disso sua vida. de quem precisa verbalizar em tela e papel aquilo que sente, que emociona, que ouve, vê. não penso que faço melhor que outros, penso que faço com alma por muitos. quem sabe um dia para muitos. por hoje, especialmente por mim e meu amigo. escrevo, com saudade.

Ana Kita

quinta-feira, 21 de julho de 2011

Tirar paranhos - Ana Kita

   Eu pensava que seria pra sempre, todas as noites. Achava que fazia parte de mim. Acreditava ser tão necessário a mim quanto o ar. Mas, eu estava errada. Custei a perceber. Foram noites em claro e centenas de lágrimas. Hoje o anel descascando em meu dedo, a blusa que já doei, o perfume que há muito tempo deixei de usar e o xampu que acabou, mostram que o tempo foi longe demais para esperá-lo. Ele jamais mudaria, eu sempre encontraria falhas para não aceitá-lo de volta, e não seríamos felizes juntos.
   Tão fácil ver agora. Difícil é olhar pra trás e ver todo o caminho que sozinha precisei percorrer. Quantas vezes o carteiro e o entregador de pizza me viram de pijama e pantufa. Quantas vezes a caixa do supermercado se surpreendeu com a quantidade de sorvete e chocolate. Quantas caixas de lenço gastei chorando. Quantas cartas tentei escrever, quantas vezes disquei seu número, quantas fotos beijei depois rasguei. Fiz tanta coisa tentando me enganar ou lutar, e por muito tempo não fiz nada por mim. Esmaltes gastos, depilação por fazer, cabelo oleoso, janelas fechadas, casa suja. O mundo lá fora seguindo e eu me impedindo, trancando-me.
   A culpa não é dele. De jeito nenhum lhe daria tanta responsabilidade, nem merecimento. Fui eu que mais uma vez me dediquei demais. Acreditei demais, sofri demais, culpei-me de mais. É sim, como todo filme da sessão da tarde, é assim com todo mundo. Começa, perde-se, e fim. Prolonguei demais, adiei minha recuperação e algumas vezes desacreditei ser capaz. Hoje, saí para caminhar. Estava um dia lindo, tomei sorvete no parque, recebi uma cantada, olhei umas vitrines. Amanhã farei as unhas e um novo corte no cabelo, combinei com as meninas de sair às compras e sexta tenho uma festa. Não é que de repente eu tenha me tornado fútil e vazia, só me abri a ser completa. Ler, correr, trabalhar muito, mas também me produzir, dançar, rir. Voltar a viver.

Ana Kita

quarta-feira, 20 de julho de 2011

Poeminha sentimental: Hoje

o dia de hoje

é melhor que ontem
tem mais de você
e de mim

é melhor que amanhã
tem mais realidade
e menos ilusão

começou há pouco
e logo terminará
ótimo dia

Ana Kita

segunda-feira, 18 de julho de 2011

Anoitecer - Ana Kita

   Amanheceu. Eu devia ter julgado assim, como um simples novo dia. E não pude. Tinha medo. Era o primeiro dia do resto da minha vida. E ninguém me acordou com café da manhã. Não haveria beijo, nem precisaria esperar para usar o banheiro. Não arrumei a mesa. Comi apenas uma banana encostada no balcão da cozinha. Foi um esforço danado abrir as cortina e preferi manter as janelas fechadas - eu demoraria a voltar para casa.
   Tranquei a porta atrás de mim e veio um aperto daqueles de voltar correndo pra cama. Segui em frente, tinha sol e crianças brincando na rua. Por que tinha que ser um domingo? Nunca um domingo foi tão longo. Saí da garagem como quem está aprendendo a dirigir. Não era cautela, era falta de perspectiva. Não queria ver meus pais, nem meus irmãos. Não gostaria de visitar amigos, muito menos ir ao shopping. Fiz-me de turista e comecei a andar pelas ruas como a investigar o bairro. Nada do que via me agradava. Eram famílias indo à Igreja, casais caminhando, senhores aparando a grama, garotinhos andando de bicicleta. Não podia haver um clima melhor ou um céu mais azul. Era tudo de propósito, algo ou alguém queria que eu me dilacerasse. Mas, eu fui forte.
   Não tinha fome e só dei conta da hora às quatro da tarde. Já não havia tanto movimento na rua. Deviam descansar, ou assistir ao futebol. E eu continuava dirigindo. Faria até amanhecer se fosse preciso. O sol se pondo e achei que já não era necessário trancar-me no carro. Estacionei numa pracinha, sentei-me num banco de madeira e logo me arrependi. Um pai e um filho jogavam bola, o garotinho não devia ter mais de 3 anos e logo a mãe se juntou a eles. Deixou as coisas ao meu lado, pegou o filho no colo e beijou o marido. Antes que eu saísse dali com o rosto molhado, ainda pude ouvi-la dizer: Hoje é o dia mais feliz da minha vida, como é bom estar com meus amores.
   Andei um pouco apressada uns dois quarteirões. Queria tirar a voz dela da minha cabeça. Mas, a frase se repetia, e tantos beijos, e abraços, e muitos sorrisos. Deu vontade de gritar. Chorei. Olhei pro céu que começava a revelar as estrelas, e a lua não quis aparecer. Não sei se era por ser nova, ou por pura maldade. Nunca fui de entender esses motivos ocultos. Fui até o carro, sentei ao volante e me perguntei pra onde ir, o que fazer. Voltei pra casa, já era noite, eu podia apenas chegar e dormir.

Ana Kita

quarta-feira, 13 de julho de 2011

O melhor do tempo - Ana Kita

   Uma hora, dois dias, três, quatro meses, um ano e meio, uma vida toda. Tempo é tão relativo e acaba sendo tão importante na nossa vida. Passa-se tanto tempo fazendo coisas bobas como dormir ou ver TV, tanto tempo estudando ou trabalhando. Pelo menos, passa-se muito tempo amando, e sendo amado. O sorriso no meu rosto e a prata no meu dedo demonstram tudo isso. O tempo, a realidade, o amor, e todas as coisas que vivemos. Viveremos.
   Já fui menina de 13 anos e contava os dias como um mérito diário de relacionamento "longo". Já desacreditei e esqueci datas. Já guardei pra mim com medo de ferir alguém. Hoje tenho compartilhado e alegro-me não por mais um mês que se completa, mas por 31 felizes dias. Ah, a simples felicidade de ter companhia, de ter amor, de sonhar junto. E sonho tanto, tanto que os dias que passaram são apenas suspiro dos dias que virão.

Ana Kita

terça-feira, 12 de julho de 2011

Carta ao pai 19: Saudade e sonhos

Joinville, 12 de julho de 2011.

   Pai, esta carta vem sendo escrita na minha mente desde sábado, já é noite de terça-feira. Finalmente me ponho a escrevê-la. Queria dizer que socialmente devia ter pensando muito em você na sexta-feira, mas foi no sábado que sua falta me bateu mais forte. Fui ao mais novo shopping da cidade com meu namorado e na mesa ao lado uma garotinha quis sentar-se ao lado do pai, ele a abraçou, e quem mais sentiu fui eu. Saudade, tanta saudade. Depois, olhando ao redor, lembrei o tempo em que você morava em Curitiba e eu me surpreendia com a grandiosidades dos shoppings. Acho que neste novo poderíamos dar aqueles nossos adoráveis passeios tão pai-e-filho modernos. Algo como cinema, McDonald's e compras.
   Ah, pai, quando você partiu, e já faz dois anos, eu achei que sentiria mais sua falta, assim de apertar, quando eu estivesse triste e nas datas especiais. Hoje percebo que não é preciso ter razão, a saudade vem forte a qualquer momento. Às vezes ainda mais quando estou feliz, como tenho sentido vontade de compartilhar toda minha alegria com você, pai.
   Ainda no sábado, passamos em frente a uma lanchonete, de um caminho não tão comum pra mim, onde você, eu e o maninho vimos meu avô, acho que numa das últimas vezes. É uma das coisas que mais admirava em você, e confesso que hoje não sigo isso, espero que um dia. Promover a aproximação da família. Fazer com que eu e meus irmãos tivéssemos contato com o biso, enquanto ele ainda estava conosco, com meus avós, meus tios e primos. Eu sei que sempre fui distante, acabei sempre vindo mais pra família da minha mãe. Hoje até com eles peco. De qualquer jeito, queria que soubesse que me marcou, que foi algo que aprendi, que sempre valorizei e admirei. Espero conseguir passar para meus filhos, sei que falarei muito de você. Alegra-me e até me alivia um pouco saber que a família do meu namorado tem esse costume de união.
   Por sinal, não estava planejado na carta mental, e agora deu vontade de falar... Tenho pensando em casar, pai. Sei que é cedo, sei que para casar é necessário reflexão e também dinheiro. Por sorte meu namorado é bastante sensato, acho que pra compensar minha cabeça nas nuvens. Mas, apesar de tudo isso, sinto-me tão plena ao lado dele que temos divido sonhos. Sim, só depois da faculdade, sem pressa, planejando bem. Até conto com o apoio da minha mãe, da mãe e da família dele. Parece um sonho, e é tão real... Tanto que aparece essa sua ausência. Ah, pai... Não me entenda mal, não quero que fique triste, prometo não ficar também. Vejo na imensidão do sol ou na magia da lua que há muito a viver, que é preciso aprender, e é por isso que hoje compartilho. Eu o amo muito, pai. Jamais vou esquecê-lo, inclusive é um dos motivos para buscar tanto a minha felicidade, quero que tenha muito orgulho de mim.

Escrevo-lhe mais, logo mais.
De todo coração,
sua primogênita, Ana.

quinta-feira, 7 de julho de 2011

Um medo entre nós - Ana Kita

   Quando acordei, o medo estava lá. Meu marido ainda dormia, o sol já nascia... E o medo entre nós, talvez dentro de mim, acho que por todos os lados. Fui ao banheiro, lavei o rosto, queria julgar meu medo apenas pesadelo. Mas, o medo não sumiu. Tomamos café-da-manhã, os três. Meu marido não se deu conta, e eu preferi me calar, foi trabalhar e o medo ficou comigo. Acompanhou-me durante o dia todo, não sei de onde veio, mas não queria partir. Jantamos juntos, e fomos dormir. Queria que o medo ficasse ao menos na sala, tentei seduzindo meu marido. Não consegui. Acabei falando. Meu marido não entendia e eu fui bastante confusa. Sem entender a origem do medo, ele parecia, até para mim, bastante infundado. Foi então que meu marido me abraçou e o medo passou.

Ana Kita

segunda-feira, 20 de junho de 2011

Quanto aos sentidos e ao amor

   Há quem diga que o amor só entende quem sente, houve quem disse que "o amor é fogo que arde sem se ver" e quem disse que "o essencial é invisível aos olhos". Eu acho o amor essencial. No entanto, não vejo como entendê-lo, nem busco isso. E, acima de tudo, eu o vejo. Sim, eu sinto o amor, é claro, mas também o vejo. Vejo no olhar da minha filha, no nascer do sol, no inverno chegando. Sinto o cheiro do amor num abraço, num cozimento, na toalha depois do banho. Ouço o amor no sopro do vento pela janela, na pressão da panela, no barulho da chave virando na porta. Saboreio o amor no beijo do meu marido, no hálito de pasta dental, no pinhão quentinho. Toco o amor na conchinha de dormir, no algodão da fralda, na lã da blusa. Eu vivo o amor. O amor vive em mim. E construímos, todos os dias, nossa família com amor.

Ana Kita
O silêncio da madrugada me revela sons que não sei clarear.

Ana Kita

quarta-feira, 15 de junho de 2011

   Um menino de sorriso fácil, ainda que discreto. As bochechas facilmente avermelhavam. E ao falar encantava. Jeito simples, honesto, sem delongas dizia tudo. Sempre sabia o que dizer, mas volte e meia o deixavam sem palavras. Tímido, escondia-se. Mal sabia que entrava nos corações, de onde não podia sair.

Ana Kita

segunda-feira, 13 de junho de 2011

Carta a ti: que quero agradecer

Segunda, 13 de junho de 2011.

   Antes de agradecer, - eu não devia -, sinto-me na obrigação de pedir perdão. Parece perder todo o clima, tirar o romantismo da carta, eu sei, eu sei. Talvez não, confie em mim. Perdão por não ter escrito antes. Por não lhe escrever todo dia, toda hora, em todos os momentos. Por outro lado, peço perdão por escrever hoje e dizer o mesmo que dizem meus olhos todos os dias. Acho que é assim mesmo. Seria repetitivo se não aumentasse a cada minuto ao seu lado e a cada segundo longe de você. E aumenta. Transborda nessas palavras, ou eu tento.
   Foi olhando em seus olhos que não tive dúvida de que já o amava. Que se o mundo acabasse, minha vida teria valido a pena. Que para minha vida ser plena exige sua companhia. Que daquele momento em diante, as cores teriam mais vida, as flores seriam mais cheirosas, a brisa mais agradável, a água mais fresca, o sol radiante e, eu, feliz... Sempre que posso volto a consultar seus olhos. Nunca falham. Sempre encontro os olhares mais apaixonados se encontrando, então entendo que estamos no caminho certo. Trilhando aqueles bosques verdes com que eu sonhava desde menina. Sem fim.
   Eu admiro as flores, sou banhada pelo sol, protegida pelas árvores, agraciada pelos pássaros... com o simples toque de sua mão na minha. Imagine, então, a alegria de um beijo? E eu o beijo todos os dias. Com os lábios, com a mente, os sonhos, as lembranças, a saudade. Também me sinto beijada. E agradeço. Agradeço muito por ter entrado na minha vida, por estar sempre comigo, por me fazer tão feliz nestes três meses, por compartilhar planos de um futuro lindo. Então, encho meus olhos daquele brilho de felicidade que você bem conhece para lhe escrever: eu te amo, muito!

Com muito amor,
sua namorada, Ana.

domingo, 12 de junho de 2011

Confissão de desejo - Ana Kita

   queria e queria, como criança. depois já não queria tanto, talvez desdenho. voltei a querer, não fazia questão. de ano em ano, esperando o dia, que não vinha. e o pedido, que quase parecia impossível. e o encontro dos dois, em junho. quando menos esperava... chegou! ah, e chegou como sempre, coberto de ansiedade. um medo, um não, não quero mais! aii, e se nada der certo? deixa disso, menina. não queria tanto? agora aguenta firme. dá o melhor de si e se permita receber. (...) ah, que "diliça"!
   pois é, eu sempre soube, um dia como qualquer outro. não tanto assim. um dia que antigamente me fazia mal, que hoje me fez bem demais. mas, um dia assim... um dia que somos nós quem faz especial. e quem mais seria? tá, eu já sabia, eu disse. sempre dizia. a diferença que fazemos é um lugar diferente, uma surpresa, uma "beca maneira". o resto é para ser igual mesmo. o amor, o carinho, o respeito, o bom humor de sempre. e se faz mais um fim de semana. mais um dia dos namorados, o primeiro. de muitos. e vai terminar. ah, não! mais um domingo, por favorzinho! só mais um beijo, um cheiro... mais um pouquinho... e não é só ano que vem que tem mais, amanhã quero mais. todo dia. hora. agora.

Ana Kita

sexta-feira, 10 de junho de 2011

Onde dói mais - Ana Kita

   Doeu mais nele do que nela. Ele ainda lacrimejava protegendo o membro quando foi dormir. Ela, assim que chegou em casa, ligou para uma amiga, contou da traição e combinou de sair à noite. 


Ana Kita


Obs.: Este texto foi escrito a partir da proposta do segundo encontro do projeto "A Nova Literatura na Era Cibercultural". (Saiba mais aqui.

segunda-feira, 6 de junho de 2011

Sonho de menina, realização de mulher

   Eu sonhava, ainda menina, acordada nas noites frias, escondendo-me debaixo das cobertas com frio e um pouco de medo. Nesses sonhos sempre havia meu "príncipe" e meus filhos. Ainda hoje tenho esses sonhos, devaneios acordada, aquecendo-me debaixo das cobertas com companhia e esperança. Nos meus planos há um marido, companheiro para toda a vida e nossos filhos. Há bastante tempo sei que não seria um príncipe, não preciso de título, nem reino. Há pouco tempo descobri o coração que bate junto ao meu.

Ana Kita

terça-feira, 31 de maio de 2011

Quanto a enfraquecer e a ser forte - Ana Kita


   Ele não me deixou falar. Não me permitiu partir. Ficou comigo naquela noite, velando meu sono. Pode ter parecido autoritário, podia ter sido indiferente. Talvez devesse. Mas foi, como costuma ser, o melhor namorado. Disse-me que me ama, beijou meus lábios revoltados. Calou-me. Impediu que eu lhe disse as maiores mentiras, os piores desaforos. Esperou até que eu acordasse e lhe dissesse o quanto o amo. E eu o amo tanto. Amo-o ainda mais agora, depois de nos proteger de mim, depois de aguentar minhas inseguranças e crises, meus medos e traumas. Sempre soube de sua paciência, de sua confiança, mas naquela noite ele precisou ainda mais. Precisou ter sangue frio, acreditar, lutar. Sei que o amor o guiou, como nos guia todos os dias. Mas, ao me ver fraca podia ter enfraquecido, e não se permitiu. Pelo contrário, foi mais forte do que nunca. Um herói. E sobrevivemos, os três. 

Ana Kita

segunda-feira, 30 de maio de 2011

Sublimemente nós

   Deito em seu peito e tudo se acalma. Encaixa-se, harmoniza. O passado já não existe, e o mundo além de nossos corpos desaparece. Só ouço o mesmo ritmo, em você e em mim. O único som sublime que me faz completamente feliz. E tudo de que preciso está ali. Não mais entre nós, em nós. Somos nós.

Ana Kita

sábado, 28 de maio de 2011

Um pouco de humor de sala de aula, ou não

   - "Sem título" é o título do seu poema?
   - Não, professora. Meu poema não tem título, por isso coloquei entre parênteses "sem título".
   - E por que seu poema não tem título?
   - Droga!
   - O que disse?
   - Nada.
   - Pode me justificar a ausência de um título?
   - Pra que jamais um livro ou uma professora pedisse a alguém justificar a escolha do título.

Ana Kita

sexta-feira, 27 de maio de 2011

   Rrrooonnnncava e como me incomodava. Quando foi embora, senti falta de tudo, mas especialmente daquele ressonar que me ninava.

Ana Kita

quinta-feira, 26 de maio de 2011

Quanto a conter e a sofrer - Ana Kita

   Fico calada, com dor. Queria ser ouvida, mas me escondo. Sempre foi assim, sempre soube que não era ouvida, sempre aceitei. E fui considerando normal, contendo. Camuflar a felicidade, disfarçar desejos, guardar sonhos... Até que não era difícil. Agora, a tristeza... Ah, como pesa. Eu tento deixar por debaixo dos panos, mas nada cobre. Tento confinar em diários, mas acaba escapando. E você não vê. Deixa de ler, de olhar, nunca sente (sentiu). Fecho meus olhos brilhantes, abafo meus gemidos, e mesmo meu sorriso mais amarelo lhe agrada. Despedimo-nos e, a areia abre espaços às pedras.

Ana Kita

terça-feira, 24 de maio de 2011

Poeminha sentimental: Meu livro

uma longa introdução
que não diz mais nada

e vou vivendo os primeiros capítulos
como se a vida começasse agora

Ana Kita

domingo, 22 de maio de 2011

Carta a ti: que quero amar

Domingo, 22 de maio de 2011.

   Eu o amo quando me elogia, me agrada, me diverte, me abraça, beija, acompanha, faz carinho, ouve... Mas, isso não surpreende ninguém. O que me instiga todo dia a dizer que o amo é amá-lo também quando ganha de mim em algum jogo, quando me contraria, quando me faz sentir ciúmes, quando me critica, quando discute, quando me falta, quando ri de mim. Eu o amo todo o tempo, perto e longe. Se fosse hoje o momento de casar, encheria a boca pra dizer: na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, na riqueza e na pobreza. Mas, digo ainda assim, digo que o amo e o amarei sempre.
   Ouso dizer mais, que é através desse amor enorme a você que descubro - diariamente - outros amores. Ao seu lado sou tão cheia de amor que passo a amar ainda mais (e ser consciente disso) meus pais, meus irmãos, meus amigos e a mim mesma. Respiro e transpiro amor, e nem por isso deixo de aspirá-lo mais e mais. Sempre lia que para ser amada bastante ser amável, acho que ajuda, mas amar facilita muito mais. Uma vez que se é amada se ama, e o percurso cíclico não tem fim. Eu amo, muito. 

Com muito amor,
Ana. 

sábado, 21 de maio de 2011

Caminhos até nós - Ana Kita

   Olhou suavemente na minha direção, e olhando para seus próprios pés desceu lentamente as escadas. Voltou a me olhar, e, em linha reta veio andando até mim. Eram poucos metros, mas o tempo pareceu parar. Fiquei admirando seu caminhar, o jeito que movia levemente os ombros, os passos curtos e firmes, o balanço dos braços... Chegou a mim. Depois de tanto tempo, seus olhos eram maiores e mais brilhantes, seus lábios mais grossos e vermelhos, e meu amor ainda maior. Ele me envolveu com seu braço e nos beijamos, como se o tempo não tivesse nos afastado.

Ana Kita

quarta-feira, 18 de maio de 2011

Folhas cheias - Ana Kita

   Não somos folhas em branco. Jamais acredite que encontrará uma. Somos folhas, aparentemente, sempre cheias. Escritas à caneta, antes de haver corretivo. Então alguém chega, tenta nos conhecer, admira e critica alguns escritos, e, logo, vai escrevendo-se por cima. Algumas vezes parte deixando apenas discretos rabiscos. Contudo, na maior parte do tempo, permanece tempo suficiente para nos transformar - repaginar-nos. Parece que também somos rasgados, mas penso que não. Quero acreditar que sempre podemos voltar a ser quem fomos, acessar, transformar, decidir. Como aqueles papiros antigos que historiadores desvendam diversos textos, somos o que consideramos ser o melhor escrito.

Ana Kita

sábado, 14 de maio de 2011

Confissão de enjôo - Ana kita

   poema romântico demais me enjoa. é assim, sinto dizer. talvez por isso tenha mantido tanta distância dos grandes poetas. nunca fui de pegar ou comprar livros de poemas. os poucos que li foram de drummond, quintana e bandeira. acho que são mais pontuais, sem exageros, sem manchar-se de vermelho. hoje com os contemporâneos é mais fácil, mas suave, verdadeiro. amor levado às últimas consequencias deixe para os romances - românticos - e para aqueles garotos que morreram jovens. eu escrevia poemas assim, amores eternos e homens perfeitos. mas, eu tinha meus lindos onze anos e esses homens não passavam dos doze. não era eu completa, menos ainda eles. éramos apenas crianças descobrindo sentimentos, desenvolvendo sonhos e amizades. saudável, mas com fim marcado. acabou. antes mesmo dos - tão esperados - quinze anos, tudo já havia mudado. poesia já ficava apenas para as aulas de literatura e as narrativas ganhavam força. eu as escrevia aos montes e raramente terminava. vivia-as intensamente e sempre terminavam antes do que eu esperava. eu era feliz, mas não acreditava. hoje, se me julgo mais feliz é porque sei reconhecer. voltei aos poemas, sem sangue nem perfeições. verdadeiros e sentidos. parecem me fazer mais sentido, e com sorte, são sentidos por leitores. sim, hoje tenho leitores. não os temo e me orgulho de me lerem. não garotinhas de onze anos "profundamente" apaixonadas, mas mulheres e homens que sentem, viveram e vivem. eu vivo um intenso amor, nem por isso escrevo sobre a utópica felicidade eterna. seria vomitar palavras. prefiro viver cada dia, e escrever quando sinto.

Ana Kita

sexta-feira, 13 de maio de 2011

"Tudo tem razão de ser, nem sempre a compreendo." 

   Um anjo volta ao céu. Nós, pequenos mortais, sentimo-nos flores despedaçadas. Fechamos os olhos molhados, caímos na negra tristeza. E o sol insiste em brilhar, ilumina outros olhos infantis, pede que olhemos para o céu. Se olharmos bem, talvez entendamos o que a brisa quer nos ensinar ao derrubar a folha. Pois, meus ombros cansados e meus olhos vermelhos tentam ignorar, mas o coração e as mãos lutam para seguir. A vida é breve, valiosa, significativa e feita de aprendizado. Aprendamos, ainda que enquanto sangramos.

Ana Kita

quinta-feira, 12 de maio de 2011

Nossos papéis - Ana Kita

   Estou sempre escrevendo. Cartas, poemas, lamentos, histórias. Vejo seus olhos na rua e me sai uma narrativa com humor. Sinto o cheiro de morangos frescos na verdureira e me jorra um poema sensual. Ouço sua voz na mesa ao lado e me escapa um lamento com saudade. Toco o cetim do seu pijama no lençol e me escorre uma carta molhada. No folheto do supermercado, na nota fiscal, no guardanapo, na lista telefônica. Todo o tempo, em qualquer lugar, você me tira do chão e minha mão precisa registrar. Sou vista como louca, e até tenho me sentido assim. Mas, quando o encontro numas linhas escritas nada disso importa. O cenário se dissolve ao meu redor, o silêncio se instala, e seu sorriso se ilumina no pedaço do papel.
   Nos domingos à tarde, quando não há jogão na TV, reúno meus papéis, tento unir nossos momentos e sinto seu abraço. Acabo adormecendo com o ritmo dos seus batimentos. Mais uma semana começa, sem você.

Ana Kita

quinta-feira, 5 de maio de 2011

terça-feira, 3 de maio de 2011

Paixão auditiva - Ana Kita

   Há seis meses todos os dias, ela ligava o rádio dez minutos antes, só para ter certeza de que não perderia nenhum segundinho do programa. Nas primeiras semanas, ouvia o rádio lavando louça, ou passando roupa, depois não mais conseguia, sentava-se à mesa da cozinha e segurando o rosto ouvia aquela 1h30 diária. As músicas não lhe agradavam já no primeiro mês, a partir do terceiro mês lhe chateavam profundamente, mas ela não se importava. Queria, inclusive, que aquela hora e meia se estendesse pelo dia todo. Depois de ouvir, caso não tivesse muito trabalho (e raramente tinha acumulado), deitava-se, mesmo sem sono, só para a tarde passar mais rápido e o dia seguinte amanhecer "antes".
   Durante a noite também ouvia o rádio, mas em outra rádio, numa que tocavam suaves canções antigas, que lhe agradavam bem mais que as vespertinas. Por sorte, quase a noite toda só duas ou três vezes as músicas paravam, para uma propaganda ou dizer a hora. Tecia seus trabalhos com agilidade e cuidado, deles vinham toda sua renda há três anos, desde quando o irmão casou. Os pais moravam no interior, cuidavam de uma pequena fazenda e lá queriam morrer, ela partiu bem nova com o irmão que viera fazer faculdade.
   Todas as manhãs eram iguais, dormia até perto do horário de almoço, já que passava a noite trabalhando, fazia seu almoço - sempre variado, como a mãe ensinara para ser uma boa esposa -, levava as costuras até a sócia (que as vendia) e voltava para escutar o rádio. Não sabia como aconteceu, mas por acaso ouviu aquela rádio regional e o novo radialista a encantou. Era a voz mais sonora que já tinha ouvido, tão grave e imponente... Apaixonante! Dito e feito, a paixão já durava seis meses, não revelava a ninguém, sabia o quanto insensato podia parecer. Tentava se convencer de que não era paixão, afinal nem era pelo que ele dizia, não falava nada além do nome e compositores das músicas, era a voz, o jeito que falava... Ah, todo dia, naquele mesmo horário, a paixão voltava ainda mais ardente.
   Até que no final de um programa, ele disse: "Bom, ouvintes, muito obrigada pela companhia, mas hoje é meu último dia aqui na rádio. A partir de amanhã vocês terão um novo e mais completo programa. Boa tarde." E ela ficou sem chão. O que fazer sem seu amado na tarde seguinte? Nunca mais? Pensou em ir na rádio, pensou em ligar, por aquela tarde só chorou. E no dia seguinte, como se tivesse esquecido, ligou o rádio, no mesmo horário. Então, uma voz sedutora fez propaganda do novo programa. Ouviu e... Apaixonou-se, ótimas músicas, maravilhoso locutor, encantadores comentários!

Ana Kita

domingo, 1 de maio de 2011

Quanto a torcer e a sofrer

   A maioria de nós nem entende, simplesmente cria expectativa e no fim pode se alegrar ou frustrar. Fiquei triste. Simples assim. Como num jogo das olímpiadas internas do meu colégio, em 2005, onde no final do último jogo fui substituída. Perdemos. Eu perdi. Não pude fazer nada, só podia torcer, e chorei. Chorei tanto quanto se eu tivesse sacado pra fora no último ponto. Não foi culpa minha, nem de quem ficou no meu lugar. Não foi árbitro ladrão, falta de torcida, ou incapacidade de nosso time. Ganhar ou perder é um acumulado de técnica, sorte e preparação, de ambos os times. Contudo, a emoção esquece tudo, racional demais tentar se convencer ao fim do jogo, da competição. Discuti, queria ter dado meu sangue, momentos depois do jogo eu dizia preferir ter pedido por erro meu. Sofri, e sofreria de qualquer jeito.
   Hoje não foi diferente. Eu estava muito distante, em outro estado, apenas vendo na TV, um jogo de pessoas que "nem conheço". Mas, sofri igualmente. Como a garotinha que teria se jogado num peixinho pra pegar aquele último ponto, e só estava no banco assistindo. Sofri. Como todos os garotos ao meu redor que levavam a camisa do time vice no peito. Os olhos ficaram úmidos e pesados, e foi trabalhoso parar em três lágrimas silenciosas. Jogo a jogo conquistando, torcendo, e em minutos: tudo acabou. Parece, agora, ignorância, até maldade, foi um jogo disputado, foi uma boa atuação no campeonato... No entanto, quando os outros torcedores gritaram e a TV tocou o hino deles, tudo era dor. Toda vitória anterior parecia pouco, a história parecia se apagar, e a tristeza invadia.
   Um abraço, que me faltou, em 2005, quando precisei voltar pra casa sozinha e ainda ter o ônibus batido, hoje fez da dor suportável. Era um abraço quente - quente de felicidade, de vitória -, mas que se importava com meu sofrimento e fez dele harmonia. Lamento que meus olhos de lágrimas tenham tirado o brilho vitorioso dos olhos apaixonados que me olhavam, mas agradeço que tenham me acolhido. Fiquei dias imaginando como seria, tanto com vitória minha, quanto dele, e não cheguei a conclusão nenhuma, a não ser um certo estranhamento, um não saber como agir. E não houve. Tive amor, conforto, fui cuidada e amada. Então, vencemos. O time dele, e o nosso amor. Meu time, confesso, não estava tão bem preparado. Em 2006, com várias mudanças, levamos o ouro. Quem sabe numa próxima... O importante é o amor continuar invencível!

Ana Kita

sexta-feira, 29 de abril de 2011

Quanto ao andar e aos olhares

Eu andava, e sempre olhava ao redor. Sentia medo dos olhares, pareciam me invadir. E com meu olhar os admirava. A todos, sempre tão felizes, tão completos. Tinha medo, e não entendia.
Um dia, fiquei completa, perdi o medo. Esqueci de olhar e viver tornou-se mais importante. Sinto-me ainda mais olhada, e alegro-me. Sorrio, também no propósito de mostrar a todos que é possível ser feliz, e completo. Percebo que a maioria não é feliz, quem dirá acredita que pode ser. Eu digo que sim, demonstro, e vivo. Olho pra dentro de mim, e andamos.

Ana Kita

segunda-feira, 25 de abril de 2011

Carta ao pai 18: Amor e namorado

Joinville, 25 de abril de 2011.

   Pai, ontem vivi o que você e eu mais desejávamos, sem que um revelasse ao outro. Apresentei meu namorado à nossa família. Tão engraçado agora olhar para trás e ver o quanto ansiei por isso. Sinto muito que eu não possa ter visto seus olhos ou seu sorriso, mas, pai, senti sua aprovação através dos demais sorrisos. Parece que assim como meu namorado gostou da nossa família, meus irmãos, a mãe e o tio aprovaram minha escolha. Mas, no amor, nós, românticos, sabemos que não há escolha. E essa é uma das únicas faltas de escolha a qual nos rendemos felizes. Estou muito feliz, pai. "Queria até que pudesses me ver"
   Conversamos, rimos, jogamos (Jogo da Vida, com o qual presenteei meu maninho pelo aniversário - 8 anos já, pai), torcemos pelo JEC (decepcionamo-nos com a derrota), acompanhamos o final do jogo Flamengo e Fluminense (pois é, seu genro tem esse defeitinho, é flamenguista, mas meu coração é dele, bem como do nosso Vasco), e o Flamengo ganhou (nos penaltis), vai jogar contra o Vasco na decisão da Taça Rio. Enfim, as ações, em comparação, tiveram pouca importância. O que me importava era estar com nossa família e com meu namorado, ou seja, com aqueles que amo e me amam, num divertido domingo de Páscoa.
   Pai, não vou dizer que não senti sua falta, seria mentira. Senti-a e muito forte, mas não daquele jeito triste, como quem sofre por não entender. Foi de um jeito alegre, um jeito de quem queria compartilhar sua felicidade, seu amor. Amo tanto, pai. Amo meu namorado de uma forma que nem acreditava ser possível, amo a mim mesma, amo nossa família, e eu o amo, pai. Eu sempre o amarei. Eu o amo pela família linda que me deu, pela pessoa que sou, pelas lembranças que tenho, pela força que me dá pensar em você, por suas características que encontro em meu namorado... A mãe disse que você iria gostar dele, que ficaria feliz, também acho isso. Torça por mim, pai, porque encontrei minha felicidade e farei de tudo para nunca mais me desencontrar dela.

Escrevo-lhe mais, logo mais.
De todo coração,
sua primogênita, Ana.

quinta-feira, 21 de abril de 2011

Todo o tempo - Ana Kita

   O passado se desfazia quando se olhavam. Ela lembrava, usava do que viviam, e comentava. Ele não ouvia, não queria, não pensava. E se beijavam, faziam lembranças, eram passado e presente de ambos. Queriam ser futuro, e seriam.

Ana Kita

sexta-feira, 15 de abril de 2011

As histórias de Vovô - Ana Kita

   Na noite anterior, Vovô me contou algumas histórias de que Vovó reclama, as da guerra. Prometemos guardar segredo, afinal Vovó e Mamãe não entendem nossa paixão por História. As histórias de Vovô, contadas pelo pai dele, que viveu na guerra, fazem parte da minha herança, quero conhecê-las todas, são demais. Desta vez, Vovô estava sentimental, até contou de batalhas, mas dizia de "ciscos" nos olhos dos soldados ao encontrarem adolescentes entre os atingidos, e terminou falando que os soldados usavam as noites sem combate para olhar as estrelas e orarem por suas famílias. Senti um arrepio. Fiquei imaginando o quanto as estrelas ouvem sobre o amor e a saudade.
   De manhã, pedi ajuda a Mamãe para encontrar dados da guerra na Rússia, queria saber dados mais "certos". Confio no Vovô, mas aprendi na escola que as informações passadas de "boca-em-boca" vão se alterando com o tempo. Mamãe não gostou muito, mas até me ajudou. Um dia desses, no jornal, ela ouviu uma psicóloga falando que é importante responder às crianças, mesmo quando se acha que "não deviam saber". Acho que mexeu com ela. Eu estava super empolgado com os números, milhares de guerreiros, milhares de mortos, quilômetros e quilômetros invadidos e centenas de cidades abandonadas, quando o telefone tocou e Mamãe ficou pálida. Ela desligou o telefone e eu continuei falando, mas ela já não me ouvia. Então, ela me abraçou com aquele olhar de adulto que não sabe o que falar e chorou. Eu fiquei preocupado, disse que a amava, algumas vezes ajuda, mas dessa vez parece que piorou.
   Ficamos em silêncio uns minutos, que me pareceram enormes, até ela me soltar, sentar do meu lado e escolhendo as palavras a dizer: Meu amor, o Vovô está no hospital. Perguntei o que ele tinha e ela não me respondeu, ficou naquela de amenizar tudo e disse apenas: Não é nada grave, se Deus quiser amanhã ele volta para casa. Não acreditei muito, mas segui o conselho dela de ir ao meu quarto e escrever uma cartinha pra ele (ela entregaria à tarde, quando eu estivesse na escola, e ela fosse visitá-lo). Fiquei pensando naquilo que Mamãe disse, os adultos sempre dizem, mas pra mim não parece fazer sentido: "se Deus quiser". Não que Deus não queira, mas não é uma questão dos médicos trabalharem direito? Do remédio fazer efeito? Do Vovô ficar bom? Não sei bem como Deus pode fazer o Vovô voltar amanhã ou só depois. Sei que não é hora de perguntar, Mamãe choraria e iria explicar mil coisas sem me responder realmente.
   Na carta escrevi que à noite eu olharia as estrelas e pediria a Deus que ele voltasse logo pra casa. Prometi que dormiria cedo, mesmo que a Vovó não fosse substituí-lo com as histórias. Terminei dizendo que o amava muito e que era só convencer a Mamãe a me levar no hospital, se ele quisesse minha companhia. Ano passado fiquei uma semana no hospital e sei como podem ser chatos.

Ana Kita

quarta-feira, 13 de abril de 2011

Primeiro mês - Ana Kita

   1 mês. Uma história, o começo dela. Um amor, O amor. Já não há palavras que superem o que sinto, o quão feliz sou, o quanto completa me sinto. Mas, eu tento. Insisto. E não desisto, jamais. Creio em mais, e sinto-me boba. Acho que é normal, sempre assim, trata-se de amor. O mais puro, verdadeiro e forte amor. Aquilo com que se sonha uma vida toda e se entende ao sentir, ao tremer, ao beijar. E beijo, tremo, sinto. Amo muito. Primeiro mês de muitos de amor.

Ana Kita

terça-feira, 12 de abril de 2011

A namorada - Ana Kita

"Eu te amo e vou gritar pra todo mundo ouvir..." [Roupa Nova]

   Esperei como quem precisa correr até lá e sabe que encontrará muito do que procurava. Encontrei mais. A lua radiante, o céu estrelado, seu corpo junto ao meu, e as peças se encaixando. A curiosidade foi sumindo e a felicidade se fez plena. Esperei tanto por isso e hoje vejo que o momento certo chegou. Não podia ser antes, tinha hora, local e personagens, tudo num roteiro perfeito há muito tempo. Pode ser só mais um sonho, mas se eu vivê-lo intensamente sei o quão significante poderá ser. E vivo. Porque meu corpo pulsa por ele, porque minha alma transpira isso. Porque é real. 
   Sempre achei que um pedido pudesse mudar tudo, por isso temia, desde que virou febre na sétima série. Minhas amigas aderiram e eu, apenas, assisti de camarote. Ainda como menina sonhadora ficava esperando quando chegaria minha vez, por vezes desisti, não da felicidade, da formalidade. Sentir por si só já me era o bastante. Hoje pareço entender o porquê. Não se tratava de puro título desnecessário, exigia um transbordamento de reciprocidade que eu nunca havia vivido. Não vou mentir que a espera não foi tensa, mas a recompensa valeu cada segundo. 
   Minha vontade é gritar pra todo mundo, anunciar no rádio e escrever com as nuvens. Publicar minha felicidade, mostrá-la a todo mundo como que a provar que esperança vale a pena. Explicar a todos que se eu estive certa no tempo em que pensava andar fazendo tudo errado: tudo bem, porque um dia chega alguém que é capaz de contornar nossos erros e nos amar também por eles. Passei algumas horas pensando na melhor forma de tocar a todos com meu grito, mas na hora de dormir entendi que ninguém poderá sentir toda minha felicidade. Não importa o quanto eu grite, nem as palavras que eu buscar, não importa a mais bela imagem com que eu decore ou quantas vezes eu repita. A felicidade do amor só existe para quem o vive. Eu vivo e isso me (e àqueles que me querem bem) basta. 

Ana Kita

domingo, 10 de abril de 2011

Carta a ti: que quero revelar

Joinville, 10 de abril de 2011.

   Sempre fui de me revelar, como um livro aberto, jorrando meus sentimentos a todos, mesmo que alguns preferissem nem me ler. Um dia acreditei ter aprendido que isso não era o certo, que era preciso esconder, revelar-se aos poucos, deixar sub-entendido, guardar para si. Ainda não sei. O que vejo hoje e todos os momentos em que olho em seus olhos é que mesmo sem palavras já me revelo. Pode me ler ou não, mas estou aqui, como que completamente tatuada por três palavras. São puras, verdadeiras e hoje ditas sem medo. Uma delas se sobressai, e as outras se unem por ela.
   Sujeito simples, verbo transitivo direto e objeto direto. Mesmo eu que adoro tanto a sintaxe acho que nesta frase ela é pouco relevante, tem razão sobre haver transitividade nessa ação e ser bastante direta, no entanto, não é simples, nem tudo isso parece dizer o suficiente. Pronome pessoal do caso reto, verbo conjugado na primeira pessoa do singular no presente do modo indicativo e pronome de tratamento. A morfologia parece falhar ainda mais, é sim presente e indica muita coisa, mas não é um caso tão reto nem só de tratamento, tampouco singular. Eu diria ser um círculo, com toda perfeição e infinidade da forma. Prefiro não dizer nada, é um período verbal, serve para ser vivido. E vivo (vivemos).
   Desculpe se me empolguei na gramática, saiba que nada disso importa quando a frase é real. E é. Vejo minha frase como uma avenida de mão dupla, com ela vou a você e nela você chega. Se passamos a usá-la com frequência ou começarmos a usá-la sempre, não se preocupe. Dizer demais não significa perder a importância, só pensa assim quem não conhece seu verdadeiro sentido. Ela precisa ser sentida antes de dita, a facilidade de pronunciá-la não está na simplicidade das sílabas, mas na verdade do sentimento. Ontem, mais do nunca, entendi a complexidade de dizê-la, de senti-la e permitir que ela transborde. Eu focava na palavra do meio, achava ela a mais complexa e agora entendo que não. Sem a complexidade das demais ela fica nula.
   A primeira eu conheço de longa data, nunca acreditei que fosse simples. A última estou conhecendo, dei um passo gigante ontem, e sei que todos os dias caminharei para tentar revelar sua complexidade. Quase que inutilmente, considerando que cada palavra e elas juntas nunca serão reveladas por inteiro (até porque estão sempre crescendo e mudando), o encantamento está justamente em senti-las e conhecê-las plenamente, embora nunca por completo. Contudo, não é inútil, essa é caminhada que faz a vida valer a pena, a razão de acordar e dormir todos os dias. Agradeço muito que esteja comigo. Eu amo você!

Com amor, sua Ana.

sábado, 9 de abril de 2011

Um grande dia - Ana Kita

   Toda realização de um sonho deve ser assim: um sonho fortificado pela espera, amadurecido pelas decepções, a oportunidade de realizá-lo chegando discretamente, a ansiedade, e o êxito. Toda realização de um sonho romântico devia ser assim: no colo da família, com piadas e sorrisos, entre deliciosas comidas e poltronas de sofás. Todo amor devia chegar assim: silenciosamente, envergonhado e confiante, avassalador e sorridente.
   Hoje realizei um desses sonhos gigantes que nos acompanham nossa vida toda. Um sonho destes simples e bobinhos, mas que o tempo sem oportunidade faz do êxito um grande prêmio. Ao realizá-lo encontrei um motivo pra ter demorado tanto, não podia ser de outro jeito, em outro tempo, era hoje o dia certo, eram eles as pessoas ideais. E foi, como os sonhos devem ser, perfeito.
   Podia ter sido o nascimento de um filho meu, podia ser meu casamento, ou o batizado de um afilhado, podia ter sido minha formatura, ou o casamento de um dos meus irmãos. Contudo, grandes realizações podem ser coisas simples como conhecer a família daquele que se ama. Busquei a roupa perfeita e não a encontrei, uma vez acontecendo pouco importava o que eu vestia. Meu cabelo precisava estar em ordem, mesmo depois do uso do capacete, e chegando lá nem me lembrei de procurar um espelho. Tentei com a maquiagem cobrir as imperfeições com o mínimo possível, queria dar uma boa impressão sem parecer forçado, e nem a retoquei. Minha impressão era ótima e já bastava. Pensei em comer pouco, falar pouco, sentar direito, controlar gírias e correções, ser carinhosa, mas contida... E estando lá comi bem, falei o que quis, não reparei como sentei. Fui eu mesma, feliz, realizada. Teoricamente eu sabia que isso iria acontecer, teoricamente eu sabia que era isso o mais importante, mas minha mão trêmula e fria, meu estômago doendo enquanto eu me arrumava, e ele chegando antes do horário marcado, fizeram-me desesperada.
   Fico feliz que tenha sido assim, o deslumbramento do acontecido deu-se também graças a ansiedade. Os prazeres que repeti, sinceramente, a cada um que conheci e de que os nomes já vou me esquecendo, também foram efeito da - longa - espera. Quando finalmente o nervosismo passou, aproveitei. Ri, conversei, revelei-me, descobri as pessoas, admirei meu amor. Realizei-me, como nem em sonho eu imaginava.

Ana Kita

sexta-feira, 8 de abril de 2011

Desafios da dança - Ana Kita

   Eu, que já dancei por anos quase que exclusivamente com o homem por quem eu era apaixonada, que comecei e só dancei por muito tempo com meu avô, que já vivi fases de muitos parceiros sem qualquer critério, demorei muito para entender que na dança há muito mais que técnica e ritmo, é preciso sentir o outro e se sentir, não há espaço para temores ou desentendimentos, desconfianças ou preocupações, o mundo precisa se apagar e preciso me entregar, tenho que confiar, respeitar e acompanhar meu parceiro por todo o novo universo que a canção nos permitir desbravar, necessito de coragem e segurança para finalmente me despir de preconceitos ou dores, abandonar as regras e a física, poder tudo, ser abelha e voar, sermos dois e ocuparmos o mesmo espaço.

Ana Kita

quarta-feira, 6 de abril de 2011

Quanto ao tempo e aos olhares

   Eu, que sempre quis me prender ao passado, descobri que o importante acontece agora. Sempre agora. Em todos os momentos em que sinto. Ah, tenho sentido muito. Vivido intensamente, como quase não creia ser possível. Amado muito, como todos deveriam. E sido amada, como mereço. Não é presunção, é uma questão de visualizar, ver que tudo até aqui me preparou, e sinto-me pronta, guerreira, vitoriosa.
   Olho para o céu, azul e sem nuvens (ou cheio de nuvens escuras, ou poucas branquinhas), e penso naquele que quero para compartilhar o presente e sonhar o futuro. Olho para a estrada a minha frente, iluminada e florida (ou de folhas secas e nublada, ou molhada e escura), e sinto a companhia daquele que quero sempre comigo. Fecho os olhos, deito confortavelmente em minha cama (ou torta no assento de um carro, ou apoiada sob um peito palpitante), e sorrio animada.

Ana Kita

segunda-feira, 4 de abril de 2011

Cuide-se!

   Quem ama cuida, sempre me disseram. E assim eu sentia, por mãe, pai, professores, avós, tios. Assim eu fazia com mãe, pai, amigos, irmãos, primos, tios, alunos. Mas, creio que tenha sido apenas reflexo, costume, "ação condicionada". Depois de muito cuidar, e ser cuidada, acho que por fim entendi o valor disso tudo. É amor. É o amor que me move todos os dias a beijar minha mãe, a lembrar do meu pai, a abraçar meus amigos, a ler para meu irmãozinho ou perguntar ao mais velho sobre seus estudos, a sentir saudade dos meus primos e mandar chocolates na Páscoa, a passar protetor na minha tia ou ajudar meu tio com "flertes", a verificar as fraldas de meus alunos, a pedir que meu querido coloque o casaco. Ah, cuidar pode dar trabalho, até dor de cabeça, tirar o sono, mas o retorno é imediato e duradouro. Vejo meus amados bem, sinto suas gratidões e tenho seus bons sentimentos. O que mais é amar além de ser feliz pela felicidade do outro?
   Amo, e sou amada.

Ana Kita

quinta-feira, 31 de março de 2011

Carta a ti: que quero escrever

Joinville, 29 de março de 2011.

   Há alguns dias queria lhe escrever, ainda não sei bem o que, mas a vontade foi crescendo e quando o título me apareceu precisei ceder. Li estes dias sobre a sinfonia dos dedos no teclado, eu gosto, gosta você? Não escrevo mais tanto no papel por isso talvez, embora seja mais provável que seja preguiça. Confesso que nunca gostei de usar borracha e o virtual facilita as mudanças. Se essa carta ficar sem pé ou cabeça, tente entender, você apareceu e também mudou muito do que eu achava coerente. Não sabe o quanto isso foi bom. Junto deste bom, falando em escrever, ganhei um lindo incentivo para não parar de escrever (isto é, à mão), amanhã mesmo (juro que não no subjetivo) quero começá-lo. Ah, anseio pela primeira letra. Mas, temo. A primeira página de um caderno sempre me exige muita dedicação e nenhum erro. Por sorte tenho aprendido sobre confiança. E admiro.
   Tenho admirado muito, feito criança. Aqueles elementos – clichês – românticos da natureza, os esportes, os choros, as mensagens e acima de tudo meu sorriso ao amanhecer. Podia esconder, e não encontro motivo. Seja com lembranças do adorável dia anterior ou com a saudade ansiosa por ser morta, você tem me feito sorrir muito. Quando escrevo “sorrir”, lembro seu tímido – e lindo – sorriso, sorrio mais, lembro mais, desejo mais. É normal, acontece com todo mundo, e só parece fazer mesmo bem quando há reciprocidade. Vejo em você. E adoro. 

Com saudade, sua Ana.

Enquanto eu puder chorar...

   O filhote questionou:
   -Mamãe, por que a senhora chorou esta noite?
   E a ave respondeu:
   -Filhinho, logo você entenderá que há motivos de lágrimas que preferimos silenciar.
   O filhote, não contente, confessou:
   -Tudo bem, mamãe, mas é que eu fico muito triste de vê-la chorar.
   A mãe, com lágrimas nos olhos, disse:
   -Não fique, meu bem. Enquanto eu puder chorar poderei também ser muito feliz, chorar assim quer dizer que tenho coração, que sinto intensamente, que estou viva.
   E o filhote, aconchegando-se na mãe, chorou.

Ana Kita

segunda-feira, 28 de março de 2011

Obrigada e boa noite - Ana Kita

   Hoje, antes de mais nada, eu queria dizer o quanto são essenciais na minha vida aquele montão de gente em que penso antes de dormir. São pessoas com quem vivi boas histórias, que estão no meu dia-a-dia ou nas melhores memórias, são aqueles de que sinto saudade ou que me fizeram rir durante o dia. Gente que pode também pensar em mim ou só lembrar de vez em quando. Poucas Marias e nenhum José. São Tiagos, Eduardas, Leonardos, Jéssicas, Brunos, Felipes, Julianos, Adrianas, Willians, Danieis, Larissas, Alciones, Renatas, Guilhermes, Marcios, Janaínas... Gente comum, de pele, osso e muito sentimento. Foram diminutivos (alguns ainda são), são apelidos, serão inesquecíveis. Deixaram muito comigo, espero que tenham levado um pouquinho de mim. Alguns vão me esquecendo com as brisas de verão, e eu não guardo mágoa, ao contrário, guardo os tempos bons para que eu sempre lembre o que me faz bem.
   Preciso dizer que posso faltar, e confessar que muitas vezes sinto muita falta deles. Contudo, é preciso entender que uma vez tocada me transformei. Estou sempre me transformando, sem jamais voltar atrás, todos eles, de uma forma ou de muitas, levaram-me mais adiante. De menina a mulher, de duvidosa a confiante, de bloqueada a irônica... Sou um pouquinho de cada um deles, eu os admiro e só tenho a agradecer.

Ana Kita

domingo, 27 de março de 2011

Seguir - Ana Kita

   Por muito tempo lamentei sua ausência, nas noites quentes do verão sentia-me fria, como alguém que deixou sua essência pela luz de uma paixão. Vivi na escuridão, tateando encontrá-lo. E me perdi. Tão completamente e tão parte. Fui aos poucos abandonando o que me trouxera pra perto dele, nem notei o caminho vazio que percorri. Só seguia, tentando alcançar lentamente quem corria bem a frente. Era difícil, porém prazeroso. Só quando percebi que seu olhar não pararia em mim mais que alguns instantes, senti tudo. Aquele sufocamento que me alertava sobre morrer sozinha, sobre ter me matado todos os dias e já nem lembrar como eu era. Minha mente guardava todos seus espaços com ele, sabia seus horários, esperava-o, sabia seus gostos, controlava-me, sabia seus defeitos, aceitava. Tive pena de mim, sei que me desmancharia ainda mais se com isso conseguisse alguma recíproca dele. Parei. Quase que só para tomar fôlego, mas ganhei colos. Um aviso aqui, uma indireta ali, e fui me redescobrindo.
   Ressuscitei. Precisava me libertar. Ainda cai, de joelhos, na sua frente, levei a mão no rosto e algumas lágrimas escorreram. Quando dei meu primeiro passo noutra direção já encontrei companhia. Ainda olhei seu caminho, e surpresa lamentei já haver acompanhantes. A dor me ardia que corresse, dilacerasse-me toda, não ficasse sentindo-me na lanterna outra vez. Contudo, um braço me prendia, dizia-me que há luz aqui e haveria lá na frente, em meu novo caminho, iria comigo. 

Ana Kita