quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

Carta ao pai 14: Sensibilidade

Joinville, 29 de dezembro de 2010.

Pai,
quando o final do ano chega (acho que com todo mundo é assim) fico mais sensível. Muito mais. Qualquer grão de areia nos olhos faz de mim cachoeira, ou pior, uma pocinha. Quanto a tudo, pai. Quanto a saudade que tenho de você, quanto às amizades de que sinto falta ou que duvido possuir, quanto aos caos familiares, e até quanto a meus sentimentos. Por sorte ou firmeza, não tenho problemas com os planos a longo prazo. Não me pergunte dos a curto prazo, estou tentando não me preocupar.
   No dia de Natal, estive com nossa (sua) família. Foi prazeroso, é claro, sempre é. Especialmente pelo meu irmãozinho que embora esteja cada vez maior, ainda é uma criança, e crianças transbordam aquela alegria, inocência, aquela sede de vida. Senti sua falta, e confesso que meu Natal teve essa sensação de falta por outros motivos também. No entanto, tive alegrias surpreendentes. Ah, pai... A felicidade barata, a felicidade de amar e crer ser amada.
   Muita coisa tem acontecido, no mundo, na minha vida. Parece que 2011 vem cheio de mudanças. Sempre valorizei as mudanças, ainda que algumas vezes elas nos assustem, é através delas que as coisas boas chegam. Nesses dias sensíveis, e um pouco tristes, essas mudanças parecem ainda mais importantes. Fico com a sensação que só ser diferente dos últimos dois dias já seria muito bom. Contudo, estaria mentindo se dissesse que foi assim 2010. Foi um ano bom, pai. Aprendi muito, descobri coisas incríveis, conheci pessoas geniais, e vivi intensamente. Talvez por isso mesmo esses últimos dias tenham sido tão difíceis, falta intensidade. Prometo correr atrás. Hoje sei que o necessário é buscar nossa felicidade.

Escrevo-lhe mais, logo mais.
De todo coração,
sua primogênita, Ana.

terça-feira, 28 de dezembro de 2010

Poeminha sentimental: Próximo

ela corre ou tenta dormir
sabe que cada minuto
aproxima
(ou afasta)

teme, não fala
fecha os olhos, repletos de lágrimas
como a si dizer
que milagres são possíveis

Ana Kita

segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

O rosto da fotografia - Ana Kita

   Levanta sorrateira da cama, procura não fazer barulho, não quer acordar ninguém. A noite anterior foi difícil demais, ninguém há de querer levantar tão cedo. Vai até a escrivaninha e pega, mesmo no escuro, o porta-retrato ao centro. Volta à cama, acende o abajur e admira o retrato. Por essa madrugada aquele sorriso forçado é o melhor conforto que poderia receber. Adormece com a ingênua certeza de que tudo ficará bem.
   Na manhã seguinte o sol já está alto quando a casa se acorda. Talvez nem mesmo tenha dormido, mas enfim, levanta-se. O ritual matutino se sucede lentamente, como se todos temessem o desenrolar do dia. Ela é a primeira a tomar banho, privilégio de ser "visita". Prepara a mesa do café, toma um copo de achocolatado e se dá por satisfeita. Desde ontem ninguém por ali parece ter fome. Meia hora depois o pai desfaz a mesa, quase intocada. O silêncio de quem quer dizer algo, mas não sabe o quê se instala na mesa, e logo parece percorrer a casa toda, pressiona-os. De repente o silêncio é bruscamente cortado pelo agudo toque do telefone.  Ela se levanta, o pai olha a esposa, a mãe parece que dirá algo, cala-se. Ela atende com a voz trêmula. Ouve quieta o que a voz profissional fala do outro lado da linha, agradece, diz que logo estarão "aí" e desliga. Ela coloca o telefone na base e se vira para a mesa. Seu semblante está tranquilo, mas os olhos brilham cheios de lágrimas. No rosto da mãe também escorre uma lágrima. O pai, menos convencido, questiona o que lhe disseram.
   Nem o pai, tampouco a mãe, tinham dúvida de onde era o "aí". Ambos sabiam que estavam inclusos entre aqueles que junto dela iriam para lá (ou "aí"). Embora não pudessem afirmar quem falava ao telefone, tinham como certo do que se tratava. A mãe levantou, já com o rosto entregue às lágrimas, e lentamente, como se os pés pesassem naquele dia muito mais que o normal, andou até a porta do quarto. Finalmente a moça respondeu dirigindo-se aos dois. Precisavam se arrumar e rapidamente ir ao hospital, o médico queria lhes falar, a enfermeira informou que o quadro melhorava. A mãe esboçou no quarto um sorriso, buscou um vestido sóbrio e rapidamente estava pronta na sala, batia o pé enquanto aguardava. O pai não demonstrou nenhuma reação, era mais contido, sempre o fora, já estava vestido, escovou os dentes e arrumou com gel seu penteado habitual.
   Ela foi ao quarto, trocou a roupa, incumbiu-se de levar um pouco de cor, de vida. No banheiro, maquiou-se, não sobrecarregou os olhos, nem passou batom, mas queria parecer o mais saudável e alegre possível. Voltou ao quarto por mais um breve momento, pegou o porta-retrato entre o lençol e o recolocou no centro da escrivaninha. Admirou os outros retratos, parou no retrato dela há alguns anos, tocou-lhe e lembrou-se do tempo. Não o tempo que a separava da moça sorridente na areia, mas o tempo que os pais deviam estar lhe esperando. Pegou a bolsa e a levou como estava, embora estivesse mais cheia que o necessário.
   Chegaram ao hospital quase uma hora depois da ligação. Havia mais trânsito que o esperado para manhã de segunda-feira, isso porque já era hora do almoço, mas nenhum deles se teve ao horário. O médico não tardou a chamá-los para sua sala, pediu que se acomodasse, cumprimentou o pai, e olhando profundamente nos olhos da mãe começou a falar. Entre termos médicos e seu profissional jeito sisudo, o essencial tentava ser compreendido pela família. Quando ele deu uma brecha na explicação, ela achou que ele terminara, perguntou, então, se poderia vê-lo. O médico consentiu com a cabeça, e ela foi, sem nem perceber que o médico voltava a falar sobre o "estado do paciente".
   Saiu da sala um pouco bamba, odiava aquele jeito distante e decorado de falar. Perguntou para uma enfermeira onde devia ir, e sem dificuldades encontrou a porta que devia entrar. Entrar? Por um momento, teve medo de encará-lo, talvez preferisse pensar só no rosto sorridente da fotografia. Mas, e a cor que vestia? A vida que buscava trazer seria inútil se não o encontrasse. Entrou. Como já sabia, no último leito a esquerda ele parecia dormir. Aproximou-se, quase sem ver os demais pacientes, apoiou-se na barra de segurança da cama, sentindo que seu corpo não conseguiria se manter de pé. Ele abriu os olhos e ela encontrou forças naqueles olhos repletos de vida, contrariando tudo ao seu redor.
   "Você está tão bonita..." - falou a voz fraca que vinha da cama.
   "É para você... é sempre para você."
   "Então, tira uma foto... Uma foto nossa."
   "Aqui?" - espantou-se ela.
   "Onde mais? Só me prometa que continuará sempre assim, linda.Você me..." - por um instante a voz foi mais firme, mas uma falta de ar interrompeu o pedido.
   "Prometo. Eu lhe prometo..." - a voz dela foi embriagada de emoção, mas tateou a bolsa à procura da câmera. Por sorte, ou pela pressa, a câmera estava ali. Parou um instante, podia mentir que não trouxera e se livrava de fotografá-lo tão... Já não sabia como defini-lo. Achou melhor atendê-lo. Tirou o flash, não devia incomodar os demais "pacientes". E os fotografou. Não conferiu a foto, sabia como ninguém fotografar a si mesma. Deu-lhe um beijo na testa e pediu que se cuidasse. Ela justificou sua partida precoce com a vontade dos pais de também o visitar.
   "Você é quem precisa se cuidar, aqui muita gente cuida de mim." - ainda pode ouvir antes de sair. Como imaginava, os pais, ansiosos, esperavam na porta. Ela passou por eles direto para as poltronas no final do corredor, a força para manter-se em pé parecia acabar. Quando sentou os pais já entravam na porta que há pouco ela temia entrar. Ainda com a câmera na mão, ela se ajeitou na poltrona e fechou os olhos por um instante. Em sua mente só conseguia ver o corpo fraco e o exagero de aparelhos ao seu redor. Uma enfermeira passou, estava atrasada para entregar uns medicamentos, nem deu pela moça pálida sentada de olhos fechados e câmera na mão. Ela abriu os olhos, ligou a câmera e conferiu a última fotografia. Os pais já paravam em frente a ela, quando ela esboçou um tímido sorriso. A mãe chorava compulsivamente, ela os olhou questionadora.
   "Ele se despediu. Ele se despediu de nós..." - sussurrou a voz chorosa.
   "Mas, o médico não disse que ele está melhorando?" - contestou a moça.
   "Os médicos não sabem de nada. Ele sabe..." - falou o pai, com lágrimas nos olhos.
   "Olhem essa fotografia!" - e os três pareceram hipnotizados pelos sorrisos da imagem. Não fosse o fundo hospitalar ninguém poderia crer a situação em que a foto havia sido tirada. Alguns minutos depois de a família, agora sentada, ver médicos e enfermeiros apressados passarem, o médico se aproximou e informou o "óbito do paciente". O profissionalismo da voz do médico caiu por terra, quando ele, lendo na ficha, falou o nome do "paciente". Informação à família errada.

Ana Kita

sábado, 25 de dezembro de 2010

Sobre adorar o Natal...

   Preciso dizer que estava errada. É difícil confessar, sempre foi, assumir um erro é como permitir que os outros o enxerguem, ou voltem a percebê-lo. Mas, muitas vezes é necessário. Nem que seja necessário só para mim mesmo. Eu sempre adorei o Natal, adorava a ideia de no fim do ano as pessoas reservarem uma noite, e com sorte uma manhã, para estarem em família. Enfeitariam a casa, vestiriam bons trajes, fariam deliciosas comidas, presenteariam aqueles que amam. Tudo por sentirem que durante o ano todo a correria e as outras coisas que julgam importantes as impediu de darem a devida atenção que seus familiares mereciam.
   Mas, não é isso. Eu continuo gostando da data, porque as pessoas sorriem, porque pensam mais nas crianças, acreditam em milagres e lutam para conseguir o que julgam o melhor. O que mudou é que eu descobri o sentido de tudo isso, ao menos para mim. Não é a família inteira ou parte dela reunida, não é a casa enfeitada ou eu mal vestida, não tem haver com o cardápio que será servido ou os presentes escolhidos. É o que se sente. Trata-se de amar alguém, ou a todos. De ter alguém que me ame, ou muitos. Não preciso de presentes, embora goste deles, adoro quando aqueles que amo estão presentes, mas o essencial é que haja amor. Onde quer que seja, no dia de Natal e de preferência em todos os outros.

Feliz Natal a todos!

Ana

sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

um buraco. entre tantos órgãos e pensamentos uma falta. como entender o que não há? como suprir se não se compreende? dá-se tempo. espera-se que o existente preencha. ou, na melhor das hipóteses, algo virá. surpreendente, inesperado... o que menos se espera pode ser o mais esperado.

Ana Kita

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

   Ele queria que eu soubesse, é ridículo, mas sei que ele esperava que eu lesse. Eu li. Noivo. Quem fica noivo hoje em dia? Que coisa mais antiquada! As pessoas nem se casam mais, elas no máximo decidem morar juntas. Casamento virou estratégia de artista para aparecer nas revistas. E ele noivo. Coisa ridícula. Há menos de um ano ele me dizia que não fazia questão de casar, que talvez depois dos trinta pensasse em ter um filho, mas que seus objetivos "românticos" não passavam disso. Seis meses com ela e ele quer casar!
   Que raiva. Estou chorando de raiva. Raiva por passar minha adolescência vendo telenovelas, tudo tão absurdo, os casais enfrentavam as coisas mais improváveis e no fim ficavam juntos. Droga. Eu acreditei. Eu acreditei que na vida também era assim. Eu fiquei esperando ele descobrir que o grande amor era eu, que era armadilha do destino estarmos separados. Mas, na vida não tem maçã envenenada, nem fuso enfeitiçado. Não tem beijo que tire do encantamento, nem sapatinho de cristal. Na vida não há felizes para sempre.
   Eu era sua amiga e em 72 horas fui do orgasmo de uma relação romântica a maior das secas. Para mim foi suficiente para marcar, criar esperança... Para ele foi apenas um final de semana, logo começou a se envolver com ela, e hoje diz que descobriu o amor. Mas, e o meu amor? Tudo que eu sinto, todo sentimento de que eu fui cuidando esse tempo todo, para onde vai tudo isso? Vai ficar nessa página, e amanhã quando o sol nascer eu procuro um sapinho ou mesmo um "plebeu", não faço questão de príncipe.

Ana Kita

terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Quarta leitura de férias 2010/2011: Eu sou o mensageiro

Período de leitura: de 16 a 21 de dezembro de 2010.

   Há alguns anos ganhei da minha madrinha (de Crisma) um livro que ficou muito tempo entre "os mais vendidos", talvez por ser assim famoso acabei não tendo muita curiosidade em lê-lo de imediato. Um tempo depois comecei a ler "A menina que roubava livros", as primeiras páginas foram quase torturantes, eu gostava do que lia, mas não me inspirava a ler mais. Sem dúvida pelo tema bastante triste e que me leva a pensar na minha descendência: Alemanha de Hitler. Chegando a umas cem páginas lidas a história me prendeu, dali por diante li em pouco mais que uma noite. Adorável, emocionante, tocante.
   Este ano fiquei interessada em ler o outro livro de que tinha ouvido elogios, também de sucesso, do mesmo autor. Ele também ficou um tempo na estante e agora o escolhi para ser minha quarta leitura dessas férias. Não me arrependi. Demorei mais do que gostaria para ler, pela correria de final de ano. Esse, embora seja um livro de 300 páginas, é um daqueles livros que gostaríamos de ler de uma só vez. Uma história bem amarrada, com mistério, com "estratégia".
   Já no começo da leitura fiquei surpresa, esperava um livro poético - não que alguém tivesse me dito isso, achei pelo título, e até pela leitura de "A menina que roubava livros" - e no primeiro capítulo duvidei que o fosse. Também tendo como primeira frase "O assaltante é um mané." não era de se esperar outra coisa que não um receio e até preconceito da minha parte, um protagonista e narrador tão "popular", "vulgar" e "natural" é realmente impactante. Ainda assim me permiti, não só continuar a ler, como mergulhar na história e sem dúvida enxergar o quão poético a história é.
   Cartas que chegam ou são entregues, que dizem muito em pouquíssimas palavras. Ah, faltou dizer que são cartas de baralho, embora tenham mais mensagens e significados que muitas cartas (estas convencionais de mandar notícia ou falar de saudade) com várias páginas. Uma narrativa cheia de mistérios, especialmente por ser contada "na voz" de um taxista de 19 anos que se sente um nada, e que entra em algo como um jogo em que ele não conhece as regras nem os objetivos. Cabe ao leitor descobrir junto dele, embora algumas vezes minha mente passasse a frente dele, uma questão de sensibilidade ou repertório.
   Conheço muita gente que já leu, mas digo que conheço muita gente que deveria ler. Sem grande demagogia quero dizer é um livro com uma mensagem sobre força de vontade, sobre acreditar, sobre transformar... Até me lembra o que eu penso sobre o "espírito de Natal". Enfim, eu indico!

Ana Kita

Obra: Eu sou o mensageiro
Autor: Markus Zusak
Tradutor: Antônio E. de Moura Filho
Editora: Intrínseca
Ano: 2007
Clássificação: Ficção. Romance australiano

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Carta ao Noel

   Querido Papai Noel, 
agora que estou de férias tenho visto mais televisão, vejo tanta gente tendo seus desejos de Natal realizados, mas são pessoas pobres que tem desejos compráveis que realmente transformam ou ajudam a transformar suas difíceis vidas - máquina de costura, telhado, máquina de lavar roupa, carrinho de churros... Assim me sinto até boba de lhe escrever, minha vida não tem grandes dificuldades, nem minha família passou por nenhuma grave crise financeira. No entanto, meu pedido é tão sincero e humilde que achei que não custava escrever. Lembrei aquela música "seja rico ou seja pobre o velhinho sempre vem", e sempre foi verdade, todo Natal ganho os presentes mais adoráveis. Não vou dizer que este ano eu também não gostaria de uma porção de coisas, assim de brinquedos a roupas. Mas, há algo mais importante, e eu decidi que abro mão de outros pedidos por este. 
   Eu queria o espírito natalino. Nossa casa está cheia de enfeites vermelhos, há uma guirlanda na porta, bonecos seus nas estantes, velas douradas, sobre a mesa de centro há até um trenó com renas de porcelana que meu tio trouxe da Rússia, mas este ano, mais do que em qualquer outro, o mais importante está faltando. Ninguém por aqui lembrou o motivo desta festa, nem vou apelar tanto pelo lado religioso, porque temos ido à missa quase todo domingo. O que eles esqueceram é o que realmente importa. Não são os enfeites, a ceia ou os presentes. É a família, é o amor que nos une, a paz, a esperança... Todos aqueles votos tão bem escritos nos cartões não podem ser só palavras. 
   Estão todos tão distantes, trabalhando muito, preocupados com os presentes que faltam, com a organização da festa ou da viagem pra praia... Eu nem digo por mim, sempre a família consegue um tempinho para afagar os mais novos. Eu digo por todos eles. Eu vejo seus rostos cansados, as testas enrugadas, os lábios apertados, os pés inchados ou vermelhos, as mãos sempre se movimentando, algumas vezes até se medicando contra dor de cabeça. Não devia ser assim.
   Este ano nem jantaremos todos juntos, os motivos foram diversos, mas nada convincentes. Eu sei que a verdadeira razão é a falta de significado. Eles só estão vendo o Natal como o último feriado do ano, um tempo de folga, muitos gastos, uma festa com luzes. É claro que se fosse assim podia cada um ficar no seu quarto, podíamos todos passar dormindo, nem "bom noite" seria preciso. Ah, querido Noel, por favor, eu acho que não deve ser um pedido dos mais fáceis, mas eu ouso acreditar que é mais importante que muitas bicicletas, bolas ou bonecas. Ainda temos quatro dias, se o senhor puder realizar esse pedido fará não só a mim, mas a minha família muito mais feliz. 

A. (Eu sei que você saberá de quem é, fiquei com medo que mamãe pudesse ler e se chateasse.)

Ana Kita

sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

Poeminha sinestésico: Saudade

café sendo feito na janela ao lado
e o cheiro é do perfume dele
o jornalista falando de caos
e eu ouço o riso dele
nas pinturas, nos espelhos, nos desconhecidos
vejo sempre o mesmo rosto

ao matar a sede
a falta do beijo.

Ana Kita

quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Terceira leitura de férias 2010/2011: Ensaio sobre a cegueira

Período de leitura: de 11 a 16 de dezembro de 2010.

   Há tempos queria ler, depois de ter assistido ao filme a vontade só aumentou. Engraçado que depois de ler me veio uma vontade de reler, como se só a repetição pudesse me permitir compreender as diversas reflexões que a leitura trouxe. Quem como eu nunca tinha lido Saramago deve correr, perde muito. Não é só a organização nada convencional do escritor premiado, é a descrição tão viva, são as ideias tão inusitadas, é a poesia das cenas mais trágicas às alegrias mais sublimes. Não é fácil lê-lo, menos ainda compreendê-lo ou dormir tranquilamente depois de umas páginas lidas. A leitura é densa, é complexa. Como é mantida a ortografia vigente em Portugal, a desejo de Saramago, há palavras que só pelo contexto são compreensíveis (peões, por exemplo, são pedestres). Contudo, não tenho dúvida de que vale a pena. Primeiro porque é preciso exercitar a mente, acabamos tentando poupá-la muito, quase o tempo todo. Segundo porque a leitura é magnífica, as reflexões são várias e o desenvolvimento como ser humano e leitor é garantido.
   Uma cegueira branca, como se nos olhos tivesse leite, contagia um homem, o oftamologista que o atende, os outros pacientes que estavam no consultório, o taxista que o leva, a secretária, a esposa... E logo a cidade toda. A primeira medida do governo é isola-los no prédio de um antigo manicômio, depois em qualquer lugar. Logo já não há comida para abastecê-los, não há soldados para contê-los, e até os membros do governo cegaram. O caos está feito. A maior cegueira torna-se a falta de bom senso, de humanidade, uma cidade sem leis, querem sobreviver e já se sentem mortos. No meio de toda população cega, uma única mulher, esposa do médico, não cegou. Não se sabe a razão do mal, nem dela não ter sido contagiada. Não se encontra cura, não se encontra explicação. A sujeira e os instintos vão sobrepondo e destruindo tudo que a sociedade - que via!? - valorizava.
   Mesmo conhecendo o final eu quis ler, mas eu sou assim. Acho que o importante é a jornada, é como ela acontece e não onde ela termina. Mas, a maioria prefere ser guiado pela surpresa do que virá. Sugiro então que leiam. "Ensaio sobre a cegueira" é mais um dos livros que eu indico a todos que querem pensar, refletir, humanizar-se.

Ana Kita

Obra: Ensaio sobre a cegueira
Autor: José Saramago
Editora: Companhia das Letras
Ano: 1995
Classificação: Romance Português

domingo, 12 de dezembro de 2010

   Armou um circo, sem palhaços - claro, teme a eles -, nem domadores. Planejou os mínimos detalhes, queria a alegria infantil, a emoção de surpreender, a música, as luzes, os doces, o prazer e os desejos. Assim a magia e o amor superariam tudo, encheriam o recinto, seus corpos e, com sorte, os tempos que virão. Queria crer na perfeição de seu figurino, na certeza de seus passos, no espetáculo executado com maestria, no encantamento de seu público alvo... Contudo, uma insegurança, uma maldita pontinha de insegurança tomava seu ser, fazendo com que duvidasse de seu êxito.
   Revia seus projetos, conferia as listas... Rezava. (...) Temia tanto que algo saísse errado que quase desistia de realizar aquilo que com tanto carinho programou. Dizia a si mesmo que se dependesse só dela, tudo bem, faria, sem problemas, sem medos, mas e ele? O que ele pensará, sentirá? Capaz de tudo sair mais ou menos e ele não gostar. Tanto esforço, tanto cuidado, tanto trabalho, tanta espera... Ah, como desejava que as horas corressem, acelerassem tanto quanto seu coração. Ansiava por anoitecer antes que pudesse desistir, pelo circo já armado, pelas luzes acesas, a música tocando, os desejos sendo liberados, os sorrisos surpresos e os gritos eufóricos. Quando finalmente a hora chegasse tudo aconteceria como tem que ser, já não faria diferença temores ou planos dando errado, o espetáculo se daria com todos os esforços dela e ele... Ele sentiria o que tiver que sentir, o que se permitir.
  "Ah, por favor, dê tudo certo, dê tudo certo..." - adormeceu pedindo.

Ana Kita

sábado, 11 de dezembro de 2010

Segunda leitura de férias 2010/2011: A estrela da manhã

Período de leitura: de 8 a 10 de dezembro de 2010.

   Ao terminar de ler "O jovem Lennon" (aqui meus comentários sobre a leitura) quis continuar com o autor, segui então para a outra obra que eu também ganhei da minha mãe, "A estrela da manhã". Um livro um pouco mais grosso, pura ficção e com a seguinte frase na capa, abaixo do título: "Assuma o risco de se  apaixonar". Sendo eu uma "romântica incurável" e uma escritora sentimental achei uma excelente ideia lê-lo.
   Já nas primeiras páginas observei uma linguagem muito diferente, talvez por ser uma obra mais recente.    Uma história contata sem rodeios, direto as circunstâncias, mostrando um pouco do que as personagens sentem, mas focando em descrever as cenas. Um romance contemporâneo, com o primeiro encontro numa discoteca, com saídas em pizzarias e bares... Embora a antiga dificuldade das classes sociais serem diferentes.
   Ainda que o livro passe de duzentas páginas sua leitura é breve e envolvente, talvez pela proximidade com a vida que vemos todos os dias ao nosso redor. A história é um pouco "adolescente", um pouco "surreal" também, não conseguiria me imaginar aos dezesseis anos enfrentando tanto. No entanto, deliciosa de ler, até emocionante, causou-me lágrimas ao fim. Vou me conter a não contar muito da história, nem mesmo explicar o maravilhoso título, para quem sabe contagiar possíveis leitores. Indico aos que gostam de romances, no sentido mais puro e envolvente que há, aquele tipo de romance que os mais céticos chamam de "água com açúcar", mas que quem sabe apreciar sabe que têm um grande valor.

Ana Kita

Obra: A estrela da manhã
Autor: Jordi Sierra i Fabra
Tradutora: Maria Luísa Garcia Prada
Editora: Paulinas
Ano: 2001
Classificação: Literatura infanto-juvenil

sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Primeira leitura de férias 2010/2011: O Jovem Lennon

Período de leitura: de 5 a 8 de dezembro de 2010.


   Ganhei o livro de minha mãe, há alguns meses, eu que havia pedido. Queria ler várias obras de Jordi Sierra i Fabra depois de ter lido "Kafka e a Boneca Viajante" (empréstimo de um professor). É também uma obra linda, inspirada e inspiradora. Mal estava de férias e decidi, entre vários livros a ler, começar pelo fino "O jovem Lennon". Eu, que não conheço (aliás, não conhecia) muito ou qualquer coisa sobre a história dos Beatles, fiquei instigada. Embora definido como ficção, na contra-capa dizia que tratava da adolescência de Lennon. Só ao fim da leitura entendi por completo isso que a princípio parece contraditório, através dessas palavras do autor: "Desejo agradecer a todos os personagens reais desta obra pelo uso que faço de seus nomes e pedir desculpas tanto pelas palavras que não existiram e que foram escritas, como pelas que existiram e não foram. Obviamente a realidade sempre é outra coisa, embora nunca se chegue a saber se melhor ou pior."
 Penso eu que a adolescência é realmente uma fase muito significativa na vida de qualquer um, senão a mais significativa. Com John Lennon não seria diferente, ao que agora sei foi uma fase marcada de experiência, muita busca por conhecimento, sonhos e grandes projetos! Além é claro, de muita composição e treino para ser o grande músico que ainda hoje idolatramos. O livro é encantador, como diria um amigo meu, é daqueles que lemos rapidinho, mas "que nos tira o ar". Simples, tanto no objetivo, quanto nas palavras, ainda assim ou por isso mesmo, admirável!
   O último capítulo é mais "jornalístico" que literário e prossegue com a história até a morte de Lennon. Aí então, vem uma espécie de "explicação". Enfim, o autor chamou de "E um pequeno comentário...", já no primeiro parágrafo ele explica que se trata de uma apresentação ou introdução, que geralmente é feita no início, mas "devido à singularidade do tema" achou oportuno finalizar com ela. O motivo? Eis muito bem explicado nas palavras de Sierra i Fabra: "O único motivo disso é permitir uma total liberdade ao leitor, conhecedor ou não da história de John Lennon ou dos Beatles, para tirar suas próprias conclusões, se forem necessárias."
   Indico esta linda obra aos amantes da literatura e/ou da música! Um livro prazeroso de ler, uma história ("O sonho mágico que se tornou realidade.") admirável de se conhecer. Peço desculpas se me alonguei, nem pretensão de resenha eu tenho, o objetivo desse novo projeto é de compartilhar leituras, essas minhas, mas que não impede que você, amigo leitor, comente e indique também as suas.

Ana Kita

Obra: O Jovem Lennon
Autor: Jordi Sierra i Fabra
Tradutora: Cláudia Schilling
Editora: Nova Alexandria
Ano: 1995
Classificação: Ficção: Literatura espanhola

Poeminha sentimental: 5 meses

"entrega"
ouço todo o tempo,
já não sei se minha ou dele,
prefiro que não se distingua...
seja nossa,
em mais uma contradança.

Ana Kita

quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

Ilusões - Ana Kita

   Numa outra noite, ela estava sentada no meio fio. A cabeça distante, viajando ora pelo tempo, ora pelo espaço. Não conseguia pousar em lugar nenhum, tampouco segurar as lágrimas. Sentia-se sozinha, abandonada. Embora soubesse que podia fazer algo para que fosse diferente, continuava ali, sentada, sofrendo. Por um instante ansiou por um abraço, no momento seguinte preferia ir à praia, depois sentiu o corpo cansado e desejou poder dormir por um dia inteiro.
   Deitou-se na calçada a fim de procurar uma estrela que a distraísse. O céu cinzento não a fez mais melancólica do que já estava. Tentou se enganar que tudo era uma questão de cansaço, que havia trabalhado muito, que já era tarde e devia se permitir o aconchego da cama. Entreteu-se observando um inseto que voava sobre a luz do poste e refletiu que o quarto lhe traria mais solidão.
   Sentiu um arrepio, talvez fosse medo, talvez uma ideia estúpida. Quis crer que tinha sido a brisa noturna. Juntou suas forças para se erguer. Parecia tonta, como se a tristeza a embriagasse. Antes fosse um bêbado dormindo na calçada do que uma mulher apaixonada. A embriaguez passa na manhã seguinte, a dor de cabeça não dura mais que doze horas, às vezes vomita o que lhe faz mal e já é uma nova pessoa. Com ela seria diferente.
   Deu um passo na direção contrária, uma boba esperança de que alguém lhe abrigasse. Era tarde, ninguém poderia ajudá-la. Seguiu o caminho de casa. Jogou-se no sofá depois de abrir as janelas e as cortinas. Desejava que o vento tivesse o poder de levar tudo, todo o mal, a dor, aquela solidão que a corroía... Levasse também a paixão, as lembranças, aquela maldita esperança de que até a noite cair novamente, ela seria amada. Julgava-se burra, como se merecesse sofrer por não ter aprendido. Já tivera tantos homens, já sofrera tanto, não entendia porque ainda se entregava desse jeito. Por que sempre achava que seria diferente? São todos iguais, ela também não mudou muito. Ganhava um dia a mais, um passeio diferente, mas terminava sempre do mesmo jeito. Caía sempre na mesma armadilha de acreditar, de se envolver. Quase amanhecia, então ela pensava que lhe faltava amor próprio. Que assim que se apaixonava por um novo homem, esquecia de si. Ficava submissa aquele sentimento, lutava tanto para que a relação desse certo que nada mais importava, cegava-se a queda de interesse dele por ela e... Por fim sofria sozinha.
   (...)
   Adormeceu com os primeiros raios de sol, pensando que talvez amanhã fosse diferente. Ele podia ter um motivo para ter sumido, podia estar tão envolvido quanto ela e quando se vissem o amor transbordaria. Sonhou com pétalas e música, numa perfeita noite de amor.

Ana Kita

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

   Ele não a amava, ela sabia. O que ela sentia talvez não fosse amor também, mas era forte e os mantinha em harmonia. Ele ignorava a situação, havia sido marcado pela vida, optou por sobreviver cada dia e repreender seus sentimentos. Ela se calava, sonhava com o amor e aguardava.

Ana Kita

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Quanto às confissões e às paixões

   Devia manter em segredo. Queria, inclusive. O que acontece é que sempre gostei de falar, compartilhar, oferecer minhas palavras. Tanta gente oferece flores a Iemanjá, no dia seguinte, reclamam que o mar está sujo, mas a tradição está lá. Assim também comigo, eis-me aqui, novamente, falando do que sinto. Quem sabe o estrago sendo feito, quem sabe as consequências vindo - como dizem - à cavalo. Torço que não!
   O grande "estrago" já aconteceu. Apaixonei-me. Na brincadeira de negar, sinto que cai - mais uma vez - nessa armadilha que é a paixão. Confesso que tentei, ao máximo, não me render. Cansada de paixões que não davam em nada, em entregas sem retorno, em promessas que o sol nascente desfaz, quis me fazer de forte. Eu quis manter-me muralha e aproveitar da vida só, só. Não consegui. Não é fácil para alguém sentimental, romântica, com um histórico de "paixões avassaladoras" simplesmente negar seus impulsos, sentimentos e rituais. Assim me senti, como se negasse a mim mesma. A tudo que fui, a tudo que sou, ao que minha alma transpira - até inspira. Antes que me fizesse mal por completo nasceu aquela pontinha de desconfiança: Estou apaixonada? A pontinha cresceu, tomou meus pensamentos, meus sentidos e desejos. Hoje me faz plena, feliz.
   Não sei do amanhã quando estou entregue a paixão, cada dia é único e o futuro total incógnita. Feliz ou infelizmente não me importo. Quero a felicidade barata, imediata. Uma volta de mãos dadas, um chocolate dividido, uma dança, um beijo, um arrepio. Quero ver em outros olhos o brilho apaixonado dos meus, em outros lábios o sorriso calado de quem é feliz, em outras mãos a vibração de estar com quem se gosta. Não espero promessas eternas ou presentes caros. Eu vivo de momentos mágicos, simples, mas completos. Com cumplicidade e companheirismo, admiração e respeito, amizade e empatia, envolvidos de amor e paixão nossa receita está feita e nossas vidas entrelaçadas.

Ana Kita

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

Poeminha sentimental: Nascimento

Às mamães: Déia e Daia, aos papais: Giovani e Junior, 
e aos filhos: Henrique, Alice e Sofia, nascidos em 25 e 27 de novembro.

Estivemos juntos tanto tempo
Que mesmo agora, tão perto,
Já sinto tua falta, tenho saudade

Acaricio tua face, tão pura
Tuas mãos, tão perfeitas
Teus pés, tão pequenos
E posso imaginar tua vida toda

Teus sorrisos, teus choros, tuas palavras
Tua curiosidade, e os perigos de que tentarei te proteger,
Teus primeiros passos, tuas quedas, teus saltos
Ah, tuas conquistas

Sei que és do mundo
E não impedirei que o seja,
Mas neste instante
Quero crer que és meu
E que logo me chamará tua. 

Ana Kita

domingo, 28 de novembro de 2010

Uma ideia, um questionamento, numa conversa

   Ontem, eu assisti ao filme "Harry Potter e as Relíquias da Morte - Parte 1", entre toda tensão, emoção, reflexão, veio-me uma ideia, é dela que quero dizer. Mas, antes, claro, eu não podia deixar de elogiar e indicar o filme. Na verdade, a série inteira - especialmente cinematográfica, sei que pode parecer estranho, mas eu não li todos os livros, embora me defina como uma apaixonada pela série, agora os filmes sim, vi e revi todos, admiro-os, tenho-os, recordo-os, e principalmente: indico-os -, por curiosidade, por paixão, assista por diversão, creio que se surpreenderá, é sim envolvente e admirável. Até hoje eu ficava em dúvida como chamar a sequência de livros e filmes sobre Harry Potther, pensei em "trilogia", mas não são apenas três, sugeriram-me "saga", mas eu não gostei, pensei e soube ser pensamento de outros "série", ficava na dúvida. Busquei o "Wikipédia" - apesar de todas as críticas, eu gosto e pesquiso nele - e encontrei "série", aderi.
   A ideia veio de uma cena que não vou contar, quem assistiu talvez a identifique, provavelmente quem assistirá depois de ler pensará a respeito. Também, confesso, não é de extrema importância, neste caso, o contexto que me trouxe a ideia. Enfim, a ideia, não tão fixa quanto o "Emplastro Brás Cubas", é sobre conhecer as pessoas, ou melhor, sobre o que é necessário saber para ter a certeza de que se conhece uma pessoa. A origem? A família? As ideias? Os sonhos? Os valores morais? Seus defeitos? Suas virtudes? Suas habilidades? A religião? Seu nível escolar? Sua idade? Seu jeito de falar? De andar? O que gosta? O que teme? A cor de seus olhos? De seus cabelos? O número de seu sapato? O manequim que veste? Seu nome? Sobrenome? A rua em que mora? As escolas por onde passou? As cidades que conhece? Os amigos que tem? Os amores que teve? Talvez muitas dessas, possivelmente muitas outras coisas. Para cada um será diferente, ou não. Eu me baseio ao dizer que conheço alguém pelas coisas que acho importante, depende de quem pergunta, depende de conhecer "para quê?". Parece tão relativo "conhecer". 
   Segundo o "Dicionário Priberam da Língua Portuguesa", o verbo conhecer vem do latim "cognosco", o que pra mim diz pouco ou nada. Os significados são doze, nove como verbo transitivo, dois como verbo intransitivo, e um como verbo pronominal, para mim já diz um pouco mais, mas eu sou amante da gramática normativa, meu leitor possivelmente não. Vamos então aos significados de fato: conhecer é "ter conhecimento de", "ter noção de, saber", "ter relações com", "saber quem (alguém) é", ah, esse sim é exatamente do que eu falava, mas acho que gostei mais dos outros. Continuemos: "Estar convencido de", "distinguir", "ver", "ter indícios certos", "ter relações sexuais"... Misericórdia, esse último foi forte. "Tomar conhecimento", "averiguar". E por fim, "ter perfeito conhecimento de si próprio, dos próprios méritos, do caracter próprio". Querendo não ser tão certinha, vou começar pelos últimos significados. Vou ignorar o último, muito filosófico, e estou falando em conhecer alguém, isto é, alguém que não seja eu, senão complica mais ainda. (risos) Os significados como verbo intransitivo também não se encaixam, é conhecer alguém, alguém é objeto direto. (mais risos) Bom, primeiro então a bomba, já pensou só conhecer depois de ter relações sexuais? Misericórdia, acho esse significado pesado ou equivocado, além do mais há sempre quem diga que foi casado por anos - entendo que houve muita relação sexual - e só conheceu o parceiro depois de separado. "Ter indícios certos" cai num jargão policial e ainda fica subjetivo, não gosto muito dos conceitos "certo e errado", parece tão presunçoso se sentir capaz de julgar. "Ver" exclui quem conhece por escrita ou pelo mundo virtual, por exemplo, mas acho que pode fazer parte do que julgo como "conhecer". "Distinguir" quase com certeza. Não posso dizer que conheço alguém se confundo com outra pessoa, certo? Bom, nesse caso caiem as famílias ou amigos que confundem irmãos gêmeos, eu tenho até sorte nisso, costumo identificar. "Estar convencido de"... hmm, não gostei. Não sei bem explicar, isso seria como dizer que você só conhece quem lhe convence? E se eu não gostar de ser convencida? (risos) Eta, ambiguidade. "Saber quem (alguém) é" faz todo sentido, mas continuo em dúvida do que isso realmente significa. "Ter relações com" pode até ser, entendendo relação como algo abrangente, uma amizade, um contato profissional, um romance... "Ter noção de, saber" é pouco explicativo, não? E por fim ou começo "ter conhecimento de", queria eu ter conhecimento do que seria ter conhecimento. Especialmente quando é sobre "alguém". 
   Quem são as pessoas que você conhece? O que sabe sobre elas? O que é preciso saber? Se você conhece duas pessoas você tem as mesmas informações sobre ambas? Acho pouco provável. Começa aqui a reflexão e vai até onde sustentar. Fique a vontade para questionar, refletir junto, comentar...

Ana Kita

sábado, 27 de novembro de 2010

Textofonia 18: "Só pra dar a impressão"

   A amarela casa já não sorri, mesmo quando o sol brilha nela, parece não mais refletir a luz. Não tem mais alegria. Antes mesmo das crianças nascerem a família se desfez. Ficou lá a TV para suprir um som de casa cheia, mas não é ligada. Não digo que a dona seja uma mulher amargurada, é uma mulher sozinha, alguém que amou demais e perdeu. Ela se perdeu. Não buscou além dos muros outra razão pra viver, fez das paredes suas amigas e das fotos sua alegria. "São só histórias do passado", ela repete para si, mas algo dentro dela ainda não acredita, ainda não se dá conta de que ele partiu e não voltará.
   Quando acorda e vê uma luz acessa quer acreditar que ele voltou. Anda pela casa contente até se dar conta de que na noite passada havia decidido deixar a luz acessa, caso ele voltasse. Engana-se. Sabe ela que a luz ficou acessa, como fica todas às sextas e aos domingos, no bobo intuito de parecer uma casa cheia. Cheia só está de lembranças. Alguns dias de mágoas, outros de pura saudade, há ainda os dias em que tem esperança - enche-se dela, esquece até a dor. E os dias passam. Ele se foi há um ano e ainda parece que foi na última semana. As roupas passadas no armário, a torta de maçã pronta na geladeira.
   "Por que me engano?", questiona-se ela. E não sabe a resposta. Ninguém sabe. Os vizinhos, a família, todos já se perguntaram, já a indagaram, já tentaram resgatá-la. "Deixe essa casa", diziam alguns. "Arranje um namorado", sugeriam outros. Uns poucos amigos ainda a visitam, custa também a eles ver os porta-retratos cheios de uma alegria que já não existe. Ver uma mulher tão cor pastel que se ilumina num instante de lembrança e logo se apaga com a casa vazia.

Ana Kita

Inspiração: "Simples de Coração" - Engenheiros do Hawaii

terça-feira, 23 de novembro de 2010

Poeminha sonoro: Mosquitinho pra lembrar

zuummm...
a menina dormia
e dormindo ouvia
o mesmo som
- incômodo? -
de uma outra noite

a menina acordada sorria
e sorria lembrando
de uma outra noite mal dormida
em que ouvia e sorria
zuummm...

Ana Kita

terça-feira, 16 de novembro de 2010

De um primeiro encontro - Ana Kita

   Hoje eu lavava umas roupas quando encontrei a blusa que comprei para nosso primeiro encontro. Não havia mais o cheiro, mas eu o senti. Fechei meus olhos e tive o toque dele em minha pele, por cima e por baixo da roupa. Tentei rever os mínimos detalhes daquele encantador encontro, o vento, o riso, o mar, a discussão, o arrepio, o medo, a euforia, o primeiro toque das mãos, a intimidade, a união, a música, e o beijo. O problema não foi a saudade ou a vontade de tê-lo, o maior problema pertence a memória mesmo. Os fatos já não são tão nítidos, as palavras parecem ter mais força, os momentos não seguem uma ordem, ficam ora paralelos, ora distantes. E as imagens... Ah, as imagens se perdem, tento lembrar seus olhos e mal recordo de um pouco de luz, quero lembrar do pôr-do-sol ou do céu unido ao mar e só imagino um azul. Maldita memória que se perde, que me perde, que me faz perdê-lo.
  
Ana Kita

sábado, 13 de novembro de 2010

Quanto às possibilidades e às faltas

   Sem ele aqui meu dinheiro sobra todos os meses, assim como meus créditos e as horas dos meus domingos. Voltei a usar mini saia e decotes, a sair com as amigas, e voltar tarde. Voltei a admirar os outros homens na rua, a sorrir ao receber elogios sem receio de ser motivo de briga. Posso usar mais a cor verde, encher-me de creme todas as noites e ouvir mais Roberto Carlos, parece que posso - e devo - fazer tudo que ele não gostava. Fico horas no telefone com minhas amigas ou minha mãe, vou ao shopping e fico dando voltas sem qualquer objetivo, vou à praia caminhar, depois volto pra ler, depois banho de mar, e pra terminar pego um pouco de sol, durmo quase todos os dias depois do almoço e não tenho hora pra jantar. O que eu queria era que qualquer ou todas essas coisas me satisfizessem.
   Sem ele aqui a cama está sempre fria e vazia, sobra comida, perco a hora de ir ao cinema, não recebo mensagem no meio do dia, nem tenho ânimo de sair pra dançar. Quase não me produzo mais e ninguém me elogia, nem com palavras, nem com o olhar, muito menos com o toque. Meu perfume acabou há quase um mês e não me preocupei em comprar outro. Tenho andado relaxada com minha alimentação, com meu cabelo, com a depilação, e com as roupas pra lavar. Já não tenho lido tanto, é chato não ter ninguém pra compartilhar ou interromper. Chego em casa desanimada, jogo-me no sofá e dali só saio por fome ou sono. "Desaprendi" a viver sozinha, sinto-me - embora clichê - metade.

Ana Kita

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Poeminha sentimental: 4 meses

podia ser um marco temporal
e é, mas é mais
marca meus sentidos,
o brilho no meu olhar,
o movimento do meu corpo,
faz de mim mulher e sentimento.

Ana Kita

terça-feira, 9 de novembro de 2010

sábado, 6 de novembro de 2010

Começo de um conto - Ana Kita

   Eu que nunca lembro o começo de um filme ou de um livro, encanto-me ao adivinhar uma canção em seus primeiros segundos. Queria começar assim todos meus contos, como os primeiros acordes de canções inesquecíveis. Gostaria que nem todo leitor adivinhasse o que viria, mas se encantasse e recordasse. Não quero a monotonia do “era uma vez”, nem distanciar o leitor do conto narrando “numa terra não muito distante”. Quero a proximidade com a vida, um sujeito que aparece do nada, encontra uma mulher e desenvolve uma conversa. Ninguém explica quem são as pessoas que passam por você na rua. Quando você conhece alguém interessante não vai logo dizendo seu signo ou seus defeitos, não conta como seus pais se conheceram ou a origem do seu nome. Meus personagens não precisam ter suas vidas expressamente descritas, o passado deixo o leitor imaginar, quero o presente, a cena que nossos olhos apreciarão.
   Eu sugiro a cor lilás na camisa do protagonista e o leitor vai compondo sua personalidade, seu jeito desinibido e seu caminhar imponente. Eu dito uma fala e é o leitor quem sente a voz grave do sujeito. Eu escrevo sobre o olhar atento da mocinha, e permito ao leitor sentir seu pulso acelerado ou a canção que toca no bar. Mas, eu não disse que estavam num bar. E esse é o jogo, se estão sentados, se bebem, o leitor vai criando o cenário, que pode ou não ser futuramente destruído (ao ser por mim descrito). Se eles saem dali, a história vai se fazendo, e o começo já não é tão importante, mas sempre lembramos aquele primeiro olhar. Como a capa de um livro ou o primeiro beijo, é ele quem nos prende, mesmo que não nos diga muito, não se explique ou, seja passageiro.
   Eu abro mão dos fatos para falar dos sentimentos, e mesmo o leitor mais “superficial” imagina um beijo quando apenas digo que “se tocaram, na alma, nos corpos que estavam tão pertos”. Sente o primeiro toque dos lábios, a mão do protagonista acariciando o rosto dela e por aí vai. Se continuo a poetizar um leitor envolvido já sente o cheiro de prazer, o gemido e o gozo. Mas, eles ainda estão num bar, é só uma conversa envolvente num primeiro encontro sendo descrita. Isso escrito, isso para as palavras. Quem sente já viveu dias, encontros, e está no conforto do ninho de amor. Ainda que as personagens nem tenham sentido os sinos românticos ou suspirado o encontro.
   O meu propósito de começo é instigar o leitor, convidá-lo a criar comigo. Não costumo seguir Machado falando com o leitor, mas acredito que ele me entende. Até me segue. Na subjetividade das primeiras descrições ou na falta de informação, ele vai preenchendo as lacunas. Não segue um padrão ou um roteiro, cada leitura terá uma direção. Esta, geralmente, guiada pelas próprias experiências além do mundo literário. Um amor do passado ou uma professora do primário pode servir de inspiração ao leitor, assim meu protagonista pode sonhar em ser jogador de futebol e sua futura namorada ser pedagoga. E eu, que nem pensei numa profissão, viro apenas uma mediadora desse encontro entre leitor e personagens.


Ana Kita


Obs.: Este texto foi produzido a partir da última proposta de escrita no Círculo de Leituras e Escritas que eu participei este ano na Universidade da Região de Joinville, depois da leitura da introdução do livro de Amós Oz, "E a história começa".

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

A luz em seus olhos castanhos - Ana Kita

   Há tanto tempo não vejo o brilho castanho do seu olhar, e hoje, só de vê-lo, assim de longe, assim como a quem é proibido, meu coração volta a disparar como no princípio, como no primeiro dia que iríamos nos encontrar. Você já é tão outro, e eu também devo ter mudado um bom tanto, contudo o que sinto é tão parecido que parece o mesmo dia, o mesmo sol poente, o mesmo frio que me arrepia. Ou não. Ou sempre fui eu, fui eu que vi sol, pois era quase noite e era inverno, devia estar um céu nublado, escuro, sem estrelas. Devia estar frio, sem vento, aquela sensação de inverno inexplicável. Tanto faz, hoje é verão, o sol se esconde lindamente, e você logo ali, permitindo que eu lhe veja, sem procurar me ver. Talvez já tenha me visto aqui, escrevendo, lembrando, amando a distância. Naquele primeiro dia também fez assim, fez seu mistério, seu jogo de quem não quer se entregar. Hoje é diferente, não se revelará, não pode, não quer. E eu aceito, não como alguém que perdeu. Mas, como alguém que sonha. Que não acreditava, acreditando, naquela história de amor, ou no amor que a história podia trazer, e viveu uma curta e intensa paixão. Tanto faz se acabou ou se para você nunca significou nada mais que uma amizade. O que hoje me faz escrever e lhe admirar é o sentimento dentro de mim. A luz que sai do seu corpo – um varal de luz deste espetáculo que são nossas vidas – e vem até mim, mesmo que não me veja, mesmo que não queira.


Ana Kita

terça-feira, 2 de novembro de 2010

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

"O que resta a uma mulher apaixonada se não seguir seu homem por toda sua vida?" A paixão é então uma amarra, um não viver? Onde estaria a liberdade? A alegria de se amar, a vida em amor?


Uma curta reflexão a partir de uma cena da novela global "Araguaia".

domingo, 31 de outubro de 2010

Um texto que não terminou - Ana Kita

Eu também sinto pessoas assim.

   Eles não se conheciam, tinham coisas em comum, mas não sabiam. E tiveram um encontro. Não presencial e com poucas chances de sucesso. Ele insistiu, e uma conversa fora suficiente. Como um raio de sol certeiro que consegue acordar. Muito mais do que manter contato, numa primeira conversa adquiriam intimidade para milhares de repetições. Em poucas repetições conquistaram um ao outro de uma maneira a não mais querem a distância. Pelo contrário, quanto mais perto, quanto mais frequente, mais queriam. Num caminho poético, tocaram-se. Houve mãos e braços, houve lábios, contudo, houve mais, e esse mais ecoou. Ela, quase sem querem, tocou o coração machucado dele. Ele, quem sabe com intenção, abriu-a, desvendou-a, encantou-a e no fim a confundiu. Como contradição do amor havia o passado dele e o presente dela para afastá-los, havia as experiências e traumas, havia medo, havia diferenças e semelhanças gigantes. Poderia haver tudo para afastá-los, havia tanto para aproximá-los. Era mais dentro que fora, aquela sensação de destino. De que uma pessoa tão diferente de você é tudo de que você precisa. De que outros olhos refletem seus sentimentos. De que uma voz até então desconhecida passa a ser o melhor som a se ouvir. De que o calor de outras mãos são seu maior desejo. 
   Quiseram se afastar, inúmeras vezes. Discutiram, odiaram-se, tantas outras. E quase não entendiam, mas sempre voltavam a se ver, a se querer, a se entender. Era um ímã, ou amor, era algo que os atraia e os distraia para que o stress do dia-a-dia os fizessem brigar. Parecia uma boa canção tocada repetidamente, já conheciam todos os acordes, os tranquilos e os agitados, os admiráveis e os comuns, precisavam, queriam, viciavam-se em ouvir sempre mais. 

Ana Kita

quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Poeminha sinestésico: Ex

- uma maçã, por favor?
pra tirar o gosto,
- melhor, eu quero canela!
pra afastar o cheiro,
- aliás, poderia me ver cravos da Índia?
pra me encher de beijinhos,
- faz assim... Eu levo tudo.
- A senhora vai fazer um chá?
- não, é um kit de sobrevivência, contra fim.
- Não entendi...
- isso é porque você não deve gostar da sua ex.

Ana Kita

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Nossa liberdade - Ana Kita

   As pessoas lutam por sua liberdade, eu sempre soube, eu também queria. Foi então que eu me apaixonei. É, foi assim, sem planejamento, sem preparação, sem nem perceber. De repente todo meu sonho de liberdade foi se camuflando em união. Liberdade passou a ser estar com ele, sentir-me protegida, amada. A mão dele segurando a minha, ou os braços me envolvendo passaram a ser as melhores formas de liberdade. Ouvir o pronome possessivo antes de um apelido carinhoso é meu sonho de liberdade. Sinto-me livre e completa quando vejo que ele está com ciúmes, quando teme que um desacordo possa nos separar, quando pede que eu fique mais um pouco. Eu continuo voando sozinha (vez ou outra), mas os melhores e mais marcantes vôos passaram a ser os a dois. Aliás, ainda quando voo sozinha, já não me sinto só, se sou dele sempre tenho um ninho para voltar.

Ana Kita

sábado, 23 de outubro de 2010

Uma cozinha gelada - Ana Kita

   Ela falava as coisas mais sem sentido. Desenhava quadrados escuros em que gostaria de se abrigar. Estava sozinha, tão ou mais que qualquer outro. Já não havia o que dizer, nada mais deveria ser dito. Contudo, ela falava. Como quem não sabe - ou não quer - calar, como quem não tem nada mais a fazer. Ela comia. Deixava farelos cair sobre seu colo, sentia a gota de café escorrer por seu colo... E nada. Nada fazia para por ordem nem na sujeira, nem na cozinha. Não poderia arrumar as coisas ao seu redor se já não reconhecia seus limites. Poderiam julgá-la insana. Talvez. Faltava-lhe muito, realmente. Não sabia mais quem era, se um dia o soube. Não encontrava objetivos em sua vida. Não possuía qualquer sentimento que a levasse ao outro. Não fora presa ou liberta, fora rompida.

Ana Kita

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

Livro: o envelope da alma do escritor

   Todo livro é um histórico médico do seu escritor (pois então sugiro que não leia um meu). Pode ser um diagnóstico do mal da sociedade, mas vai sempre ser a alma do poeta. Ainda que cheio de firulas desnecessárias e jorrando sangue de ficção. Ainda que eu mulher escreva como homem, ou eu solteira esteja numa esposa e mãe. Ainda que a juventude do escritor diga de anos em que ele nem vivia e suas personagens sejam velhas e experientes. Aliás, é mais provável ele se esconder nas coisas fáceis de mentir - já dizia Pessoa, o poeta é um fingidor -. São nos valores, ainda que invertidos, nas promessas, ainda que duvidosas, na escolha dos adjetivos, ainda que ultra românticos, que o poeta se revela. Não acredite também em mim, faço uso das palavras e nem me dou conta do poder que elas têm. Conto-lhe mentiras e é capaz de não notar.

Ana Kita

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Carta ao pai 13: Sensações conhecidas e novas sensações

Joinville, 18 de outubro de 2010.

Pai,
há dias que qualquer paisagem ou leitura me remete a você, sexta foi uma canção, sábado um passo, domingo um pai andando com a filha, hoje um texto. Acontece com frequência, algumas vezes dói, em outras sinto uma plenitude, aquela conhecida sensação de que você estará sempre comigo.
Tenho vivido muita coisa, sensações nunca antes imaginadas, amizades nunca desenvolvidas, intimidade nunca sentida. Embora, eu quisesse compartilhar contigo de uma outra forma, escrevo-lhe para tirar de mim, para quem sabe me sentir em contato contigo. Ah, pai, eu tento sempre ser forte, e muitas vezes fico orgulhosa de mim, mas nem por isso as lágrimas não insistem em cair ou não me sinta obrigada a abraçar forte um travesseiro. Tenho aprendido também muita coisa, de como lidar com as crianças, passando por salsa até "direção defensiva". Isto é, meu estágio na escola infantil e ensino fundamental vai muito rico em experiências (ganhei até um presentinho de Dia do Professor, além de muitos abraços), as aulas de dança de salão continuam me instigando e divertindo demais, e as aulas teóricas para tirar a Carteira Nacional de Habilitação me surpreenderam.

Escrevo-lhe mais, logo mais.
De todo coração,
sua primogênita, Ana.

domingo, 17 de outubro de 2010

Esquecer - Ana Kita

Tanta simpatia, mas só simpatia não basta. Seria talvez no princípio. Não hoje. Hoje muito é preciso. Pouco não me satisfaria. Fique só na simpatia, melhor nada para satisfazer. Melhor esquecer e deixar morrer

   Já não vejo a cor de seus olhos, fecho os olhos - estes meus - para tentar lembrar o tom exato em que eu mergulhava, mas já não o recordo. É assim o tempo todo. Eu me esforçando pra não esquecer o quanto fui feliz e as lembranças fortemente fugindo. Queria ser personagem de alguma telenovela ou de um filme cheio de flash-back, aí sim, eu seria completa ao lembrar cada detalhe, cada palavra, cada olhar. O toque eu sempre lembro, o jeito com que só ele me abraçava, tocava meus lábios, sorria, mordia os lábios. Quando estou muito sozinha, consigo lembrar também dos cheiros, o cheio endoidecedor que ficava nas roupas, nos dedos, em todos meus sonhos. Nesses momentos, em que estou repleta dele, penso que ele não deve se lembrar. Deve ter apagado com toda rapidez e prazer o que me esforço tanto para guardar. 
   Sempre fomos diferentes, embora com muito em comum. Tínhamos ângulos opostos sobre as mesmas visões, em tempos diferentes. O que mais nos aproximava eu não sei o que era. Algo como o mistério ou o inesperado. Algo que não se pode reconstruir ou inventar. Algo como o destino, em que poucos acreditam, penso que nem ele. Mas, que destino arbitrário era este que o levou tão rápido pra longe? Alguém me diria que se tivesse sido rápido demais não teria sido suficiente para marcar em mim, não seria suficiente para que eu pudesse escrever a respeito, nem passar noites acordadas ou sentir saudade. Talvez, tivesse razão. Ou a razão esteja nas lembranças que se apagam. Eu temo todo o tempo que tão forte quanto veio, quanto vivi, tudo isso parta. Ele já foi, o clima que ficava quando nos víamos tornou-se mero desconforto, só falta mesmo as lembranças se apagarem. 
   Quero crer que as lembranças não possam sumir. Que como não se pode mexer na história vivida, a lembrança também tem sua essência intocável. Mas, não o creio. Não creio, pois ele já esqueceu. Hoje sou só alguém que ele conheceu, em algum tempo, que tem o contato, mas não faz questão de manter. Esquece ele ou finge não saber, que sou alguém que viu seus olhos de perto, que os penetrou e os admirou. Sou só alguém que vai esquecendo, melhor que seja assim.

Ana Kita

Quanto aos fins e aos recomeços

   Antes de lhe conhecer eu me via um anjo, cheia de inocência e bondade. Quando lhe conheci me senti mulher, plena e amada. Mas, foi ao lhe perder que me tornei quem sou, calejada, aprendiz e ciente da vida como ela é.
   Eu podia ter me amargurado, engordado e desistido dos homens. Eu devia ter lhe dado o troco, teria logo me casado com um homem lindo, tido filhos e sido muito feliz. Posso não ter feito nada para que visse, é bem verdade, contudo acho que o melhor foi não mais lhe ver. É a distância que restitui os pedaços, fortalece a confiança, e permite que se possa recomeçar.
   Por algum tempo eu deixei de sonhar, tudo que minha mente projetava eram minhas lembranças, com mais frequencia as boas, ainda que me doessem tanto ou mais que as ruins.
   Um dia passou. Foi como se eu tivesse acordado numa nova vida. Eu ainda podia "consultar" nossa história, ela continuava ali, intocável, a diferença é que agora já não me tocava tanto. Eu podia seguir em frente, eu sentia. Eu segui.

Ana Kita

sábado, 16 de outubro de 2010

   O difícil não é aceitar que as relações tenham fim, nem que as pessoas mudem ou que o tempo as distancia. Toda e qualquer imensa dificuldade existe na intimidade se perder, em amantes tornarem-se conhecidos de mero cumprimento, em duas pessoas passarem a se constranger ao ficarem juntas quando já estiveram muito mais próximas (dentro). Sinto-me presa ao passado nesses momentos, uma garotinha imatura e nostálgica que o que mais deseja é o retorno. A lembrança machuca. Apague tudo que lhe faz mal. Não apague o que construímos, nem o que conquistamos, apague o espaço entre nossos corpos, a formalidade de nossas palavras, a postura sóbria que passamos a adotar - era só frente aos outros, quando conseguíamos, hoje é o natural.

Ana Kita

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Poema: Menino-verbo

Para Marcio, que me trouxe a reflexão.

ele se sentia
vazio,
um verbo
de ligação,
sozinho
nada,
atribuía
um significado, e
então se fazia.

Ana Kita

terça-feira, 12 de outubro de 2010

Quanto aos cheiros e às saudades

   Tem dias que sinto seu cheiro na minha casa, não como a ilusão de um sonho, vivo, tão real quanto o sofá em que me sento. Ele não vem sorrateiro, não vai aos poucos se intensificando e depois vai embora sumido. Como você ele chega forte e intenso, parece me desejar por inteira, levá-me a loucura e depois parte deixando saudade. Antes eu podia senti-lo nas roupas, nos dedos, levava-me de novo a cena, trazia toda a lembrança e quase o toque. Hoje ele fica no ar, em cada cômodo, como se flutuasse frente ao meu nariz. Deixa-me presa aqui, e me enche de saudade. Eu não queria, preferia sentir cheiro de almoço sendo feito, no entanto, eu sei que em nossa história não sou eu quem decide. Meu desejo por vezes foi realizado, como sorte ou acaso. Por azar ou destino, vem seu cheiro aqui, enquanto você vive longe de tudo que já vivemos.

Ana Kita

domingo, 10 de outubro de 2010

Poeminha sentimental: 3 meses

são as histórias que me prendem

presa a nós
sinto-me livre
sonho, vivo e recordo
como menina que pode ou não crescer
(como mulher que tem a felicidade nas mãos)

Ana Kita

terça-feira, 5 de outubro de 2010

Eu passo na sua rua. Você nunca está.
Eu assisto a saída da escola. Nem à aula você aparece.
Eu procuro nas quadras, nos becos. Só vejo seus amigos, que não sabem de você.
Atualizo meus e-mails. Nem uma mensagem sua: há tempos.

Onde você foi se esconder? Por que aparece nos meus pensamentos?

Ana Kita

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Acompanhante - Ana Kita

   Eu o vi correr na avenida, onde chovia. Ele sentia frio com sua linda camisa lilás, agora molhada, presa ao corpo. Parou num bar, aliás, foi ao bar. Não é homem de parar num lugar por um dilúvio qualquer, ele queria beber. O bar estava quente, e havia poucas pessoas, ideal para um chopp e seguir. Acabou bebendo dois, quem sabe pela companhia que não tinha. Entraram algumas pessoas e ele ficou absorto no caminhar de uma moça, seu salto agulha espetava os pensamentos também dele. Pegou um cigarro, observou a caixa como há tempos não fazia, abriu lentamente o lacre, a caixa, puxou um, tirou, colocou sobre o balcão, fechou a caixa, guardou-a no bolso da camisa, tirou do bolso - vai molhar, pensou -. Com o dedo fez o sinal de um isqueiro, o barman não entendeu, pegou o cigarro e repetiu o gesto, conseguiu o empréstimo. Era pura preguiça, devia ter um isqueiro no bolso da calça - sempre tem, mesmo quando "para" de fumar -. Acendeu o cigarro, deu uma tragada, depois observou queimar no cinzeiro. Era quase bonito, assim, queimando, virando cinza e caindo. Deixou o dinheiro sobre o balcão e saiu antes do cigarro queimar por inteiro. Esqueceu o cigarro, assim como a caixa. Tanto fazia, chovia, não iria fumar mais aquela noite.
   Eu o vi olhando as pessoas, discretamente, como não era comum dele. Viu uma mãe e seu pequeno molhado, sentiu certa compaixão, mas passou rápido, como negando ao seu sentimento paternal - quisera não tê-lo -. Parou em frente ao cinema, olhou o letreiro, os cartazes, havia uma sessão, a última, um filme interessante. Ficou tentado a entrar, como se chegar naquele momento fosse golpe do destino e devesse ele cumprir uma "profecia". A atendente era muito bonita e simpática perguntou a ele se iria comprar - "o filme já está para começar, senhor" -, ela conseguiu um gesto positivo. Ele entrou sorrateiro e vagarosamente, sentou-se quase na frente, numa saída - não gostava de passar pelos outros -. As luzes se apagaram e os trailes correram. Não havia quase ninguém nas poltronas ao redor, observou - melhor, sem cochichos, choros ou amassos -. O filme foi passando e ele quase se entretendo, embora o cansaço o atingisse sem receios. 
   Eu o vi bocejar, uma, duas, talvez três vezes. Antes que pudesse bocejar mais uma vez, adormeceu. O jeito de sentar, sempre tão relaxado - relapso -, facilitava e o filme com um ar de suspense trazia uma trilha sonora encantadora para embalar um sono leve. Acordou quase no fim do filme, com frio. A camisa já começava a secar, mas tinha a pele fria. Ao sair do cinema, tudo tão apagado, tão molhado e silencioso - ah, o silêncio das sextas-feiras chuvosas, pensou -. Ele, que também era de sair, viu os bares e boates cheios, mas naquela noite não estava para músicas e agito. Era o silêncio e os ruídos dos poucos carros velozes nas poças que ganhavam sua atenção. Ele tinha a minha, até chegar em casa, tirar a roupa, vestir uma bermuda surrada e deitar batendo o queixo - o banho fica pra amanhã, o chopp fez seu último efeito -.
   E, então, acordei.

Ana Kita

quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Poeminha doce: De volta

Àquela que me ensinou abrir as asas.


O pássaro volta ao ninho
Chega como desconhecido
Traz consigo um pouco de tudo
Alegra-se com a volta ao seu mundo

Ana Kita

quarta-feira, 29 de setembro de 2010

O esconderijo - Ana Kita

Escrevo-lhe, não por amor, não por ciúmes. Não pense bem, nem mal de mim, espere ao fim da carta e tire suas conclusões. Preciso lhe dizer para que não volte ao nosso lugar. Não é mais nosso. Nem lembro mais como chamávamos, talvez de esconderijo, talvez de ninho, mal lembro quem éramos. Com o nome que for ou que tinha que já não lhe pertence, compartilhei com outra pessoa. Peço desculpas, caso você seja apegado às nossas lembranças, acho pouco provável, afinal foi você quem jogou o que restava de nós como um papel usado como rascunho em ambos os lados. Você sempre foi assim, eu sabia, eu até gostava, escrevia onde estava em branco, em qualquer pedaço, mas algum pedaço que pudesse chamar de seu, que ninguém tivesse usado. Eu também fui uma página em branco. Escreveu muito e não quis virar a página, preferiu procurar outra, como sempre fez. Eu aceito folhas escritas, por isso hoje reescrevo minha história. Nosso cenário passa ser cenário de outra história, esta de amor, e ainda que possa haver semelhança entre os antigos e atuais personagens, são novos, com novos propósitos e um novo final. Tenho mais autonomia nesta história, posso criar e até decidir bastante coisa, fique feliz por mim. Possivelmente aprendi com você tomar as rédeas, ainda que eu achasse que já as tinha. É só quando termina uma história que podemos analisa-la direito, aprendi isso também.
Não vou me alongar. Sabe que ninguém mais vai lá, mas se for, possivelmente me encontrará. Não faça isso. Esqueça, como tem me esquecido, como vou me esquecendo. Quem eu era lembra com carinho quem foi, mas é só.

Ana Kita

terça-feira, 28 de setembro de 2010

Amizades que partem - Ana Kita

   É péssimo perder um amigo. Seja pra distância, pro inimigo, para o destino inevitável da morte, ou para o desentendimento. É péssimo depender tanto de alguém que na sua ausência fica o nada. O buraco profundo dos perdidos, a saudade imensa que chama e chora. É péssimo, mas recorrente. 
   Eu queria que meus melhores amigos, de todas as épocas, tivessem o mesmo nome, assim quando um partiria o outro o substituiria como se aquele primeiro nem tivesse existido ou sumido. Se no fim eu me cansasse, tudo bem, eu diria que é mal do nome, não me acerto mesmo com fulano, chorava um pouquinho, e procurava um melhor amigo com outro nome.
   O vício de uma companhia é terrível, faz o usuário perder a razão, agir por impulso, fazer despropósitos, necessitar. O pior, do vício de uma companhia, é que nenhuma companhia pode ser eterna. Enquanto se pode saciar o vício a alegria é imensa e a satisfação parece plena. Aí rompe, e dói. 
   Não é assim. Cada amigo em cada época com seu próprio nome, com suas próprias manias, e seus próprios defeitos. Cada amizade com seu próprio fim. E um pedaço de mim que ficou com cada um. O nome não esqueço, só conhecer alguém com o mesmo nome que uma lágrima caí do coração e embrulha o estômago, enche os olhos de lembranças e a cabeça dói, é a ausência. Maldita ausência que fere os sensíveis.
   A ruptura faz com que uma análise do vício surja. Descobre-se finalmente que o mal esteve no vício e não no fim. O fim é consequência, é  novo começo. É aprendizado e saudade.


Ana Kita
   

Quanto às lembranças e aos guardados

   Peço perdão. Assim, quase publicamente. Ao amor que tenho, aos amores que terei. Sou uma pessoa fiel, especialmente aos meus princípios, entenda. Meu problema não é libertação, eu sei esquecer, sei não sentir, sei me entregar. Só me dói abandonar. As lembranças permanecem, em todos, por que tenho que jogar fora as cartas, as fotos, excluir as mensagens, os e-mails, as conversas? Toda vez que preciso tirar uma mensagem, é como se eu estivesse matando algo em mim. Eu sei que o passado é irremovível, mas a sensação de que estou apagando é terrível. Sou como uma velha senhora, que senta-se com os netos ao redor e precisa contar suas histórias, pode sempre que for preciso. Lembrar e remexer papéis e fotos é deixar vivas as lembranças, como se a moça e os rapazes vivessem em sua memória e fosse preciso visitá-los. Não quero apagar, não poderia apagar minha história, deixaria de ser quem sou. Então não me peça que apague os elos com o passado. São meninos e homens daquele tempo, quem são ou como são hoje já não me tocam, mas quem foram tocam quem fui. É assim, é natural. Todos têm suas próprias lembranças, eu só tenho essa necessidade de guardar material. Não é muito, não ocupa espaço, não preciso ficar revendo o tempo todo. Só preciso saber que estarão ali, que faço mais deles hoje e que se amanhã as coisas mudarem, posso rever tudo de belo que vivi.

Ana Kita

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Meu pequeno manifesto político

Querido leitor,
não vou me alongar, nem pretendo escrever mais que esta postagem sobre tal assunto. Mas, como "cidadã brasileira" me sinto na obrigação. 
Sou uma garota, você pode dizer, mas eu vejo tanta gente pensando como eu, que se eu tenho o "dom da escrita", e alguns leitores, vou utilizar. As eleições acontecerão em menos de uma semana. E somos nós quem decidimos. Os candidatos são vários, os cargos também, mais ainda somos nós, os eleitores, acima de todos os eleitos há quem governará o país. Não importa o resultado das pesquisas, na hora da eleição é só você e a urna. Eu nunca fui entrevistada, se você também não, já são dois votos. Não pense que seu voto é só um, e não pode mudar. Pode e fará a diferença, isso se for útil. 
Entendo aqueles que lutam por ideologia, que esperam mudanças gerais. Mas, gente, a eleição é agora. E o futuro do nosso país pelos próximos quatro anos pode estar na mão de uma pessoa despreparada, de uma pessoa manipulada, com ideias deturpadas, de caráter duvidoso. Conheço muita gente que não quer que isso aconteça, mas se anulará. No que isso vai ajudar? Não posso obrigar, nem influenciar ninguém, mas quero um país melhor. Para mim, para nós, para as futuras gerações. Não é hora de deixar que os outros decidam por você, os outros podem ser comprados, os outros podem não saber o fazem... Faço o certo, enquanto é tempo!

Deixo a reflexão, e peço desculpas por alguma chateação.
Abraços,
Ana.

domingo, 26 de setembro de 2010

Quanto à companhia e aos desejos

   Eu queria ficar só, e você apareceu. Quando se vai, até lembro o que é solidão. Mas, quando está, preenche tudo. E dura. Ah, como dura a sensação de tê-lo. Ainda lhe sinto, mesmo quando parte. Fico parte depois de um tempo, mas parte sua também fica. Fica na memória, nos móveis, na pele, na boca. Sinto seu cheiro, seu olhar. E quando me deito, fecho os olhos e posso sentir seu toque. Estaria mentindo se eu dissesse que não o desejo, isto é, que meu desejo não continua, não cresce do momento que está comigo, quando parte, até quando volta. Ele se multiplica, ele me consome. E você some. Eu não reclamo.
   É da saudade que sou feita, das lembranças e das ausências. Aprendi que descobrimos como valorizar as coisas em oposição, descubro o quanto sua presença me vale quando ela me falta. E que falta faz. Uma falta com cheiro de infância, com pipoca quentinha, uma falta que vira cobertor quando se esgota. Ah, como torço para que se esgote. Gosto de você sempre perto, olhando, falando, fazendo-me rir. Rio alegre, como um rio que só sabe seguir seu trajeto. Sinto-me leve ao seu lado, quero tocá-lo, olhá-lo, ah, como desejo beijá-lo. Despi-lo de seus preconceitos, de seus amores perdidos, de seus temores e traumas. Banhá-lo com meus carinhos e desejos. Entre tantos desejos, calo-me, o silêncio dos envolvidos, como quem não consente, mas sente. Ah, e como sente. Sinto que já não estou só e quero e gosto.

Ana Kita

Poeminha sentimental: Intenso

você tão mim
você e eu, só nós
explodimos por não mais caber
- num único corpo.

Ana Kita

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Poeminha sinestésico: Primavera

as flores, os frutos
as crianças, os bichos
sentiram a primavera chegando

e eu, tão presa em minha correria, esqueço-me de sentir
não ouço as cores
não cheiro os risos, nem as cantigas
não vejo os doces, nem os azedos
esqueço o gosto, o sol ou o vento

morro antes do verão chegar
(não vivi enquanto as flores brotavam)

Ana Kita

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Partir - Ana Kita

Escorreu uma gota, da testa. Ela que já tinha os olhos úmidos, e dor por toda parte, não se deu conta de que a gota na testa não tinha a pureza das lágrimas. Entre pensamentos doloridos, aquela gota pesada e vermelha escorria. Quando chegou nos olhos é que ela viu, a dor havia ultrapassado as barreiras. Sabia que tinha sido definitivo, que o fim era irremediável, mas a gota vermelha era um grito no silêncio. O amor sempre tão frágil, qualquer ciúmes, qualquer oposição, não. Ela sabia que não era assim, nunca tivera o amor dele e por isso terminara assim. Sem despedidas, sem chance de voltar. A briga começara sem razão, um motivo qualquer que já esquecera, mas a mão que a afagou hoje se ergueu, revoltou-se, e cheia de fúria a feriu. Ela chorava, não pela dor física, fosse um corte, um traumatismo pela queda, fosse desmaiar a seguir. Chorava pela despedida não amável, pelos sonhos que não realizaria, pelos bens que perdia. Tudo se dividia a sua frente, e ela já era tão parte. Ele que partiu, como partiu o vaso no chão, como quem pega as roupas para não mais voltar. Acertou a cara dela com a grosseria da palavra - galinha. Não comeu o jantar preparado com tanto carinho, não cedeu a ela de joelhos implorando que ficasse. Ergueu-a pelos braços, cuspiu sua raiva na cara, e a empurrou. Se ela caiu, problema dela, pensou ele. Partiu, imaginando que ela também poderia partir, umas vértebras com azar. Bendita hora que não tiveram filhos, foi seu último pensamento sob a gota vermelha.

Ana Kita

terça-feira, 21 de setembro de 2010

Poeminha sentimental: Quando não se pode voltar

apelido, jeito, hábito
tudo tão lindo
fofo, como ela dizia

nome, postura, mania
quer se afastar
ela sente nojo.

Ana Kita

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Poeminha (música) sentimental: Carinho

gosto de lhe ver sorrindo
alisar seu braço
estar do seu lado
e lhe ver dormindo

devagarinho beijar seu rosto
tocar meus lábios em seu corpo
você ficando bobo
com o meu desejo

Ana Kita

domingo, 19 de setembro de 2010

Mini-conto: Covardia

  Soltei meu cabelo. Liberei as lágrimas. Foi pouco, eu sei. Pouco aos outros, mas a mim, foi muito. O máximo de minha coragem, a postura mais forte que já tive. Eu sei, sempre me acharam covarde. E não vou dizer que não fui. A vida, talvez, tenha me feito assim. Dois passos a frente, e um atrás, só pra garantir, só pra poder voltar, caso necessário. Deixei de viver muita coisa, perdi oportunidades, não peguei sol, não amei, não fui amada. A culpa foi minha, só minha. Muitos me alertaram, muitos tentaram me levar. E sempre o medo, o receio de que podia dar errado, de que comigo seria difícil, as preocupações com as consequências...Sempre fiquei paralisada. Estática, covarde. Inútil dissertar como teria sido se eu tivesse tipo coragem. Desnecessário pedir perdão àqueles com quem eu podia ter vivido. O certo é que agora estou de cabelos soltos, já não escondo o choro.

Ana Kita

sábado, 18 de setembro de 2010

Poeminha sentimental: Já é tarde

shiii....
fique quietinho, esta noite
deite ao meu lado
ouça os pássaros, lá fora
e voltemos aquele lugar,
do princípio.

Ana Kita

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

17/09 - Aniversário do Blog

Fora da tela do computador sou alguém que decora e comemora datas, provavelmente pelo blog não ser atualizado com tanta frequência em seus primeiros anos nunca teve postagem de comemoração. Eis a primeira. Hoje faz exatamente 3 anos da primeira postagem, fica cá o convite para a lerem, é um conto bonitinho, também para compararem e notarem como evoluí - amadureci - na escrita.
De lá pra cá muita coisa mudou, eu lembro que meu perfil era "uma garota do primeiro ano do ensino médio que sonha em ser escritora", ainda sonho, mas cada vez vivo mais, a faculdade é uma grande realização para isso. O blog também sofreu várias modificações no layout e não parece parar, recebeu os projetos, novos gadgets, e especialmente novos seguidores e leitores.
Como aniversário de criança, pelo menos até os quatro, cinco anos, a comemoração é mais minha (mãe) e dos olhares atentos, aqueles que acompanham o crescimento e que querem o bem do aniversariante. Façamos nossa festa!
Convido meus queridos leitores a comentarem, sugerirem, elogiarem, criticarem, lembrarem, anunciarem (seus blogs e/ou de seus amigos).

Viva o "Criações e admirações da Ana"! Em seu terceiro aninho e que venham muitos outros.

Abraços de agradecimento!
Ana Kita

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Mini-conto: AmigAmante

cá, em seus devaneios. deitado. em meu colo, em meu abraço. sem ver. - em - meu amor. pedia ajuda. ganhava mais. sabia pouco. beijei-lhe a testa. senti a boca. e adormeceu. sonhou com outra, lembrou histórias. teve-me consigo, velando. protegendo-o das lembranças. dos monstros do passado. seu sono. acordou tranquilo e partiu. feliz. como eu. não o tinha, mas acreditei.

Ana Kita

Mini-conto: Um bom homem

  Ele era bonito, vestia-se bem, tinha sapatos caros e um bom gosto invejável. Era gentil, alegre, dançava bem, gostava de teatro, cinema e boa música. Sabia cozinhar como poucos, até mesmo pratos exóticos. Encontrou uma ótima mulher, bonita, simpática e inteligente. Namoraram, casaram-se e tiveram dois filhos. Oito anos de convivência desgastou a relação, separaram-se e continuaram amigos. Numa noite, no banheiro masculino do shopping ele conheceu o amor de sua vida.

Ana Kita

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Carta ao pai 12: Descobrimentos

Joinville, 15 de setembro de 2010.

Pai,
comecei a trabalhar cuidando de crianças, coisa previsível considerando que sempre adorei estar entre elas, meu instinto maternal e o exemplo de minha mãe. É cansativo, mas extremamente prazeroso. Como escrever num blog (risos), sim, você vê o retorno imediato, entende? Você ensina e eles mostram que aprendem. Você dá carinho e eles demonstram carinho a você. Você os quer bem, cuida deles e eles lhe agradecem com sorrisos e abraços. E no fim do dia, junto com todo o cansaço, vem aquela sensação de prazer, de missão cumprida, de satisfação e esperança. Gosto também por conhecer as futuras gerações, por estar a par desse mundo que meu maninho já me dá uma prévia, mas que agora passo a desvendar.
Fico pensando tanto nesses descobrimentos, especialmente quanto às comparações com minha infância e quanto aos meninos. Falando neles, os grandes (isto é, os que comigo se relacionam, esquecendo os meus pequenos aluninhos) têm me surpreendido. Assim, de não entendê-los, de quase não acompanhá-los. E pensando tanto como é do meu feitio, chego a conclusão que nem a você eu desvendei por completo. Meu pai, que tanto me amou, a quem tanto amo, nem meu pai eu conheci por completo. Ousadia crer que em algumas poucas semanas poderia conhecer um homem, não? Talvez nem numa vida toda. E com esses pensamentos, embora venha aquela ideia de que mistério é bom e seduz, vem a ideia de que como é possível encontrar alguém para compartilhar suas alegrias e frustrações, um companheiro, um amigo e amante? Como é possível nunca conhecê-lo por completo e mesmo assim acreditar numa união eterna? Não digo que tais reflexões tenham tirado meu sono, pai, mas, com elas vem uma porção de dúvidas que só o tempo pode acalmar, eu sei.
Noite passada junto a essas reflexões, veio a - um tanto triste - ideia de que se você estivesse aqui comigo, mais efetivamente, digamos, pudesse ser mais fácil, mais acalentador. Mas, não fique triste, pai. Embora lágrimas tenham escorrido de meus olhos, tudo que me ensinou foi amenizando esse pensamento. Eu sei que as coisas têm razão de acontecer, sei o quanto eu aprendi e o quanto ainda aprendo. Acredito que esteja muito bem e olhando por todos nós. É só que às vezes a saudade aperta e os olhos ficam molhados, acontece, acho que com todo mundo.

Escrevo-lhe mais, logo mais.
De todo coração,
sua primogênita,
Ana.

segunda-feira, 13 de setembro de 2010