sábado, 18 de abril de 2015

Paixão antiga

   Hoje dei conta de perceber que você podia ser mais que discreto, reservado em seus relacionamentos, quem sabe galinha mesmo! E fiquei imensamente feliz; não só por já haver um gigante abismo tempo-espacial entre nós, mas por enfim eu estar superando aquela cega idolatria a você e tudo que o envolvia.
   Não quero parecer cruel, pois seria atestado de despeito, no entanto a verdade é que sim eram ótimos nossos jantares discretos, nossos amassos a meia luz, nossas mensagens dúbias, mas porque não se revelar!? Havia algo de proibido instigantemente delicioso que me intrigava, hoje considerei a hipótese de que mesmo naquela época poderia haver outras como eu. Provavelmente eu sempre serei sua fã mais fiel, que mais buscou contribuir, e nem por isso me iludo de ser única. Se sua obra deve ser difundida, porque seu amor não terá sido? Custa-me aceitar (e até acreditar na) sua decisão de monogamia, de declaração pública de união estável, parece tão avesso ao sedutor que conheci. Poetizar com o erotismo que você faz me parece impossível ao homem comum, que trabalha numa rotina estabelecida por outrem, ama apenas uma mulher, economiza e planeja a dois. Você sempre me soou do mundo, pronto pra partir, mudar a direção das velas, trabalhar de madrugada, compor num bar, estar enquanto houvesse amor, distrubuir carícias, viver o momento apenas. Toda essa concepção pode ainda ser vestígios da idolatria, criação com licença poética de fã, partes que pareciam melhor encaixar nessa complexidade que é você. Foi por isso que me apaixonei, seu quebra-cabeças repleto de metáforas, eclipses, ambiguidades, reticências.

Ana Kita