sexta-feira, 12 de setembro de 2014

Carta ao pai 24: Vida e morte

Joinville, 12 de setembro de 2014.

Pai,

Faz muito tempo que não lhe escrevo, mas nem por isso tem passado muito tempo sem que eu lhe dirija uma palavra ou muitos pensamentos. Estou grávida, pai! Hoje iniciamos o quinto mês de gestação, nunca me senti tão feliz e realizada. Nem tudo são flores, tive muitos enjoos, um pouco de falta de ar já no comecinho. Depois prisão de ventre, e muita dor na lombar. Estou afastada do trabalho por lombalgia crônica agravada com a gravidez, mas nada disso me impede de tentar ao máximo curtir. No começo foi difícil porque os enjoos e a dor me consumiam, hoje já consigo lidar melhor. Aproveito os dias de disposição para sair, comer bem, escolher coisinhas do enxoval, nos demais dias peço socorro ao meu marido e a minha mãe e durmo bastante. 
Ontem assisti a um seriado investigativo que uma das personagens tinha duas das suas doenças, ela também morreu, mas em seriado que não é de tratamento médico só se fala em doença se a pessoa for morrer. A verdade é que me fez pensar e falar, não costumo ficar falando porque não acho que mudará algo, mas a ideia de velar também não me agrada. Bom, é muito triste, são doenças que mexem comigo, e provavelmente sempre mexerão. Que bom, tenho sentimentos! 
Você sempre esteve entre os pais jovens do meu grupo de amigos. E um mês no hospital sem problema cardíaco ou cirurgias complexas não parece suficiente para se pensar em risco de morte. Talvez ninguém consiga de fato assimilar a ideia de que o pai pode morrer, ainda mais quando se tem apenas 16 anos. Sei lá, talvez quando o pai já é avô, tem limitações devido a idade avançada ou passou por muitos problemas de saúde seja possível cogitar, mas eu não. A não ser enquanto minha mãe era avisada do velório e algo dentro de mim apertava, eu nunca tinha imaginado, se quer pensado na possibilidade. 
Não é estranho que justamente agora que o tema mais presente na minha vida seja vida,  nascimento, eu tenha pensado e decidido escrever sobre sua morte? Talvez seja o ciclo, talvez você não conhecer seus netos. De qualquer maneira, sinto sua bênção, lembro seus exemplos e sigo feliz.

Escrevo-lhe mais, logo mais. 
De todo coração,
sua primogênita, Ana. 

sábado, 10 de maio de 2014

Seguir, fugir

     Tenho adiado escrever, tanto quanto seguir na quinta marcha e fugir pra não sei onde. Sei que parece frase de efeito pra atrair leitor logo nos primeiros 30 segundos. A verdade é que tenho todos os dias estes mesmos segundos para decidir entre uma rodovia sem destino programado ou minha necessária rotina. Obviamente como procrastinei a escrita, também a ousadia me faltou - bendito juízo, diriam os céticos. 
     Juízo ou não, sonho quando será levado de mim, e poderei enfim seguir a linha branca. Só o horizonte na mente, nem me importaria em ler as placas, quando uma se destacasse quem sabe entrasse na cidade. Seria legal me perder, pra achar um pouco do que se sonha e até o que falta - se há algo. Provavelmente eu não me questionaria, a mente voaria mais que meus cabelos com as janelas abertas. 
     É covardia. No fim, trata-se apenas de covardia. Pra não ir e pra fugir. Medo de arriscar, de suportar as consequências, dar explicações. E um cansaço, fraqueza. Engraçado como em palavras escritas fica tudo tão claro e pesado, denso e  assustador. Na hora parece apenas empolgação, preguiça de dar sinal e virar na marginal, atravessar o viaduto e voltar à cidade. Talvez só precisasse morar longe das entradas de BR. 

Ana Kita

domingo, 12 de janeiro de 2014

Recomeço

   "Escreva. Escreva sempre, ainda que sem destinatário ou sem motivo." Assim, como uma mensagem de biscoito da sorte apareceu dentro do meu caderno e me paralisou por alguns instantes. Não pensei quem poderia ter escrito ou o porquê. Fiquei sufocada com a ideia de que o remetente tinha razão: eu já não escrevia. Tantas páginas em branco na minha frente, tantos contatos entrando no esquecimento... Onde deixei aquela vontade incessante? Como pude me desfazer de todas as palavras que saltavam da mente pra caneta num abrir de olhos? Eu me lembro bem dos bilhetes carinhosos, das cartas infantis,  dos poemas adolescentes, e da frequência diminuindo. Lembro dos trabalhos tomando o espaço dos contos, das crônicas e poemas interminados sendo abandonados, das frases precisando de inspiração externa. Ah, o que foi que eu fiz? Já nem sei quanto tempo dormi longe de livros e cadernos. Mas antes que as lágrimas pudessem molhar as folhas, recomecei.

Ana Kita