segunda-feira, 13 de junho de 2016

Ah, o amor...

        Eu sempre soube que sou feita de amor. Era tão claro pra mim. Tão simples amar a tudo e a todos, tão necessário quanto respirar ser amada. Aí fui crescendo, e quando a gente cresce nosso corpo expande de uma forma que forma vazios, não é? Vamos precisando de mais e mais, cada vez mais fica mais difícil e queremos o mais difícil ainda. Amor só de mãe e pai não bastava, ganhei irmãos e queria mais, tios e primos são amores poucos frequentes e amigos da escola nem sempre seguem seu caminho até em casa. Chega a adolescência e, como diria Lulu, "marcou a diferença", difícil mesmo esquecer o quanto se deseja o amor de um colega em especial. Eu era profundamente apaixonada desde os 10-11 anos; meses ou até anos de fidelidade a um sentimento nada conhecido por um garotinho menos decifrado ainda. Ainda que tenha doído crescer junto deles, vê-los beijar minhas amigas, sofrer por outras meninas, no geral este amor me aquecia, fazia maior, esperançosa.
        A adolescência é duradoura quando se está dentro dela com espinhas e muito amor recolhido doidinho pra ser dado, mas quando se passa vê que voou e marcou, embora de verdade pouco tenha nos ensinado - tudo ainda meio fantasiado. É no início da vida adulta, aqueles anos cruciais de juventude que você realmente se descobre, e no meu caso vi o amor, aquele de que sou feita. Difícil admitir mais ele nada se parece com o amor ao meus pais ou mesmo deles por mim (já sou mãe e posso dizer com convicção:), não tem a pureza, a força, tampouco é homogêneo, perene, se quer incondicional. É um amor, talvez várias paixões que como uma colcha de retalhos tenha se constituído amor. Intenso e rebelde, tem mais dias de choro do que posso me orgulhar, tem vontade de se deixar sobre a cama ou numa paisagem se afogar, alimenta-se de sonhos e música, mas perde energia facilmente em cada embate com a vida real. A vida real pra menina que fui deveria niná-lo, protegê-lo e regá-lo, mas o amor é fogo, é arrisco, faz-se de traiçoeiro, tão instável que a vida o mina, o encanta enquanto enfraquece, tem dias que lhe dá lenha, às vezes saio mesmo queimada.

Ana Kita

quarta-feira, 16 de março de 2016

Carta a ti: que é precisa renovar

Joinville, 16 de março de 2016.

       Anos se passaram desde a última carta, mas na nossa história não creio que haverá uma última carta. Acabo de ler à nossa primeira filha todas aqui publicadas, no início ela no auge de seus 13 meses e meio de vida até se manteve do meu lado e paciente, agora brinca pelo chão e algumas vezes me olha sorrindo. Ela tem tanto de você. Principalmente meu amor.
        Relendo as cartas foi impossível não sentir saudade do nosso amor avassalador dos primeiros meses, uma certeza quase que instantânea de que haveria história, fidelidade, projetos se realizando. Aquela paixão, quase um desejo de dependência. No entanto, não trocaria por nada este momento que estamos vivendo. Ter um filho seu no ventre e outro ao alcance dos olhos é das maiores realizações que nosso amor semeado há cinco anos poderia dar.
        Ontem fiquei por um instante te vendo de olhos fechados tentando adormecer, e quase não consigo lembrar quando isso era exceção, que sexta-feiras lindas e sábados deliciosos tivemos naquele primeiro ano. Talvez tenhamos perdido o poder de admirar cada noite lado a lado e as manhãs, especialmente aquelas em que é possível mais que um beijo rápido de despedida. Não é que a rotina nos engoliu, mas sejamos honestos de que ela borrou o romance. Ele ainda está lá, podemos beber de sua fonte sempre que desejarmos, mas é comum se reduzir a um olhar, um "te amo".
        Na maior parte do tempo me basta saber que é esse amor gigante que nos une, que mantém o teto sobre nossas cabeças, nossos números na discagem rápida, nossas financias unidas. Alguns dias queria jantar à luz de vela, buquê de flores, viagens românticas e surpresas. Em dias como hoje gostaria que as horas voassem até sua hora de chegar do trabalho, que estivesse ao meu lado nos momentos de enjoo e que minhas palavras te inspirassem um gesto romântico, uma mensagem basta. Nosso amor já brincou em parque de diversão, assistiu a milhares de filmes, conheceu praias, tomou banho de banheira, mas é principalmente simples como um jantar com panquecas sem molho, como wafflers que não deram certo ou partes gostosas de um bolo cru. Nosso amor é como o sorriso espontâneo de nossa filha tentando se levantar sozinha. Eu admiro, eu preciso, eu me inspiro.

Com amor,
sua pequena Ana (e o bebê da barriga).