segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Textofonia 19: Sem direção

   O jornal caiu na varanda e dentro de casa ninguém se moveu, haviam ficado acordados até muito tarde, não tinham vontade de lê-lo, menos ainda de recolhê-lo. Um belo dia de verão, mas ficariam enfurnados em casa, assistindo o relógio sem pilha marcar a perda de tempo.
   Ela levantou e tentou tomar o café adormecido na garrafa térmica, pensou que não era a melhor forma de passar o penúltimo dia da temporada na praia, embora não fosse fazer nada para mudar. Depois de desistir do café, tomou uma última cerveja do congelador, por sorte ainda em seu estado líquido. Sentou-se no braço do sofá e ouvindo o ressonar do corpo na cama ao lado, passou a refletir sobre os caminhos que a traziam ali, e a mantinham. Sem dúvida, ela que escolheu tudo daquele jeito, exceto, talvez, pelo ventilador queimado e o calor ainda pior que de costume.
   Naquele momento vê-lo dormir tão tranquilo, e tão ébrio, fazia com que ela pensasse que estivera andando sem direção, que seguiu um caminho com um baita muro no final, e que escolheu assim. Quem sabe apenas para dizer ao pai: Eu fiz, porque estava afim! Duvidou que valesse a pena, ficou com vontade de ir embora, nisso o corpo debilitado acordou. Seu sorriso era tão lindo, mesmo com os olhos inchados de sono. Beijo não dariam, bafo a relação fugaz não suportaria. A troca de olhares fora suficiente para consentir que aquele caminho podia não ser o melhor, mas era do tipo agradável. Ela não morreria, por hora até preferiria morrer a desistir dele, no entanto, sabia que logo poderia traçar outra direção.

Ana Kita



-> Auxílio sonoro da canção "Nunca se sabe", de Humberto Gessinger.

domingo, 30 de janeiro de 2011

Olhares - Ana Kita

   Adormeci chorando, pensando em olhos castanhos. Nos olhos dele, na distância que mantemos, na aproximação momentânea que o Sol apagou. Numa manhã passada, com o Sol em meu rosto, lembrei de olhos verdes, em mergulhos que os aproximavam de mim, que me guiavam perante a poesia da vida, olhos que se foram e não deixaram mais que conhecimento. Minha saudade sempre pertenceu aos olhos escuros, sempre foram eles que me encantaram, atraiam. O brilho ou reflexo inimaginável em outra escuridão. Quase um buraco negro que guarda sonhos e traumas, desejo e esperança.
   Eu queria mergulhar nessa escuridão, voltar a ver a luz, acreditar no futuro e flutuar. Ser leve outra vez, dançar com sorriso nos lábios e sentir o coração saltar. Eu queria dizer algo que o tocasse, que não abrisse outras alternativas, deixasse tudo às claras. Queria já ter dito e não disse nada. Passei toda a vida desejando mãos que me protegessem, aquela união natural de palmas que andam lado a lado - numa mesma direção. Hoje sei que ainda preciso das mãos, ainda desejo esse toque de confirmação, no entanto só elas não me bastam. Preciso que aqueles olhos escuros possam me abrigar, que reflitam não só meu sorriso, mas meus mais puros sentimentos.

Ana Kita

sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

Ir para voltar - Ana Kita

   Pegaram o ônibus quase no centro da cidade, sentido norte, direção que realmente queriam ir, mas primeiro iriam ao sul. As mãos dela tremiam, a ideia fora sua, rezava sem voz que desse tudo certo, que o programa ao menos não fosse um desastre total. As mãos dele estavam frias, ainda não se sentia a vontade com ela, temia magoá-la, passar dos limites. Ambos entre tudo mais que pensavam, pensavam: o que fazer agora? Sentaram-se lado a lado, quase ao fundo, ela na janela, ele achou cavalheiro da sua parte. O ônibus partiu.
   Ele começou a falar, fez a típica pergunta, já feita quando se cumprimentaram: "Tudo bem?", ela riu e consentiu, mas não quis devolver. Ficaram um minuto em silêncio, enquanto ela tentava planejar o melhor jeito de começar, já sabia sobre o que dizer, temia como. "O que você achou quando fiz o convite?", perguntou já arrependida. Debaixo de suas madeixas louras ferviam ideias: "Eu não devia ter perguntado isso, sou muito burra. Capaz de ele achar que estou me referindo a eu ter dado a iniciativa. Eu não devia ter falado nada. Burra, burra! Isso que dá querer dar uma de moderninha, custava esperar ele fazer algum convite... Custava? Provavelmente seria menos insensato que esse seu, sua burra." Seus pensamentos gritavam tanto que ela quase não ouviu a resposta que ele deu, "Inusitado! Gosto disso...". "Ain, que amor! E agora? O que eu digo? Pensa alguma coisa, sua burra! Pensa, pensa...", mas ele continuou: "Eu morava aqui. Naquela rua... Faz muito tempo, foi a primeira casa dos meus pais, era só eu e minha irmã naquela época, mas eu adorava. Parece fazer tanto tempo, brincávamos na rua... Quem ainda brinca na rua?". "Pior que eu não sei... Eu nem cheguei a brincar na rua!", eles riram. "Assim me sinto um velho... Nem subiu em árvore?", "Você não é velho, muito menos eu subi em árvore. Mas, não é questão de idade... É preciso ter sorte. Ter pais tranquilos, morar numa rua sem tanto movimento, ter bons vizinhos... Não?", "Você tem razão... Seus pais não são tranquilos?", "Eu preferia não falar neles...", "Pois não falemos! Falemos de nós? Ou deixemos de falar...".
   "Ain, se for um sonho não me acordem, não me acordem. Nunca imaginei que evitar falar dos meus pais seria perfeito para tirar climão ou fazer clima, ain, que beijo...". O ônibus parou no terminal sul, o casal se afastou e ele se assustou, "Nossa, já estamos no sul!?", "É... eu julgava o trajeto maior...", "Agora é que ficou mesmo bom, ai ai... Tomara que comece a congestionar o trânsito, né, princesa?", ela deu um risinho envergonhado. "Princesa!? Misericórdia... Estava muito bom para ser perfeito. E agora eu digo o quê? Tomara que o trânsito flua bem, 'príncipe'!? Homens...". "Você está especialmente bonita hoje... Seu sorriso é tão lindo!"... "Ain, bem melhor assim, 'príncipe', mas, pára de alisar meu rosto, faz favor!". "O que você achou de mim quando nos conhecemos?", "Nossa, isso até parece pergunta que mulher faz...", ambos riram, "E mulheres não as respondem?", "Compromete, né?", "Opa! Isso quer dizer que a primeira impressão não foi das melhores.", "Ou o contrário...", "É um jogo de contradições ou de adivinhação?", "Contradições já bastam os sentimentos, e quanto a eles nunca se adivinha plenamente.", "Enigmática você. Admirável!", "Isso você diz agora, quando as pessoas começam a namorar tudo que não fica bem claro é motivo de discussão."
   "Eu fiz algo errado?" perguntou ele, pela primeira vez realmente sério. "Desculpe. Acho que não estou num bom dia.", "Queria fazer deste um bom dia, minha princesa!". "Aii, faz um favor: Cala a boca! A boca dele na minha tudo bem, a boca dele falando: pelo amor de Deus!". "O que foi? Fala pra mim... Dá pra ver nos seus olhos que não está gostando, e a ideia foi sua...", "Ah, legal, vai jogar na cara?", "Não, pelo amor de Deus, não me entenda errado... Só penso que se a ideia foi sua e algo está lhe desagradando, ou sou eu, ou algo externo que desconheço...", "Acho que estava errada, só isso.", "Errada? Quanto ao passeio? Eu achei que seria algo divertido...", "Também achei.", "Mas, não está sendo?". A pergunta dele ficou no ar por dois pontos, depois ou desceu junto a outro casal ou se desfez no silêncio. Ela olhava pela janela pensando no que fazer, dizer já não era importante. Ele se endireitou no assento e olhou pra frente, só restava esperar.
   Esperaram até o terminal norte, desceram, não precisavam falar, terminariam como planejado, ao menos o passeio. O celular dela tocou, ela olhou no visor, tremeu, atendeu. Entre monossílabos e resmungos ele disfarçadamente tentava pegar no ar do que se tratava. "Passo aí então, beijo...", ela desligou. "Não temos nada a ver. Nisso eu estava errada. Até foi divertido, tchau." e com um toque de bochechas eles se despediram. Ambos embarcaram, em ônibus diferentes, ele para sua casa, ela para a casa de outro, alguém que poderia tê-la como princesa.

Ana Kita

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Quanto aos sentimentos que vão e aos que estão

   Sugiro um brinde aos amores perdidos. Não a quem os destinávamos, mas aos sentimentos que se foram. Você se lembra daquele garotinho magricelo ou aquela garotinha chorona com quem seu nome dividia corações em qualquer papel, diário ou caderno? Você lembra os amores jurados em cantos dos parques ou atrás dos bicicletários? Você se lembra da inicial que riscava ou tentava marcar com a ponta do compasso? Você consegue se lembrar das ansiedades frente ao seu primeiro beijo? E o segundo, terceiro e o quarto? O décimo beijo, você lembra? Creio que consiga lembrar o que sente quando beija seu atual amado. O aceleramento cardíaco, a respiração ofegante, a cabeça a mil, o calor, o desejo... Ah, quantos sentimentos passados, quantos atuais, quantos por virem... Um brinde aos sentimentos verdadeiros! Aqueles que nos fazem viver, acreditar e arriscar... Agradeço aos que vivi, alegro-me pelos que sinto e peço pelos que virão! ("Se é que eles virão...")

Ana Kita

terça-feira, 25 de janeiro de 2011

Poeminha sensual: Curvas num caminho

a curva do seu sorriso se ilumina
enquanto admiro
a curva do seu corpo dançando

ah, e que curvas...
levam-me às nuvens,
quase me esqueço de dançar

Ana Kita

Carta ao pai 17: Sonhos e lembranças

Joinville, 25 de janeiro de 2011.

Pai, hoje é terça-feira, grande coisa né? Só queria situar que é manhã ainda e já fui caminhar, já tomei "café" e banho, e o Sol está lindo. "Precisava" situar porque quero contar que na noite de domingo para segunda sonhei com você. Na verdade acho que foi pouco antes de eu acordar, então já era manhã - alta; na segunda acordei tarde -, mas o tempo é muito relativo, ainda mais enquanto se dorme. Já não lembro direito o sonho, acho que era uma viagem (literalmente, fique claro). Havia bastante gente "conhecida" e você nem era exatamente como foi, mas nos meus sonhos é assim, apenas algo dentro de mim ou do sonho me aponta que aquele personagem representa tal pessoa (da "vida real"). Eu gostei, gostei tanto que fiquei braba por ter acordado. Acho (porque não costumo lembrar muito dos meus sonhos) que desde a sua partida foi meu primeiro sonho com você, isso pra mim é um sinal positivo. Não vejo como uma negação, ou uma saudade ruim (daqueles que prendem as pessoas). Vejo até como uma evolução, como se eu cada dia entendesse, aceitasse, aprendesse e me permitisse mais.
   Sonhar com você me fez lembrar ainda mais coisas que vivemos, também gosto disso. Pra variar uma das minhas fortes lembranças é de dançar valsa, ou me negar. Ainda não aprendi a dançar, mas toda vez que essa possibilidade se aproxima fica aquela sensação "por que não aprendi antes?", queria ter feito mais bonito no seu casamento. Especialmente se eu soubesse que não haveria você no meu. Outra lembrança que me bate volta e meia é das férias de 2000/2001, aquela em que passamos na Enseada. Lembro seus pães, e pensamentos aleatórios que me diziam algo como "seria assim viver com meu pai?". Uma vez a Desiree me disse que você ainda tinha o sonho de um dia eu morar com vocês, que ela lhe dizia que era bobagem e você até reconhecia, mas confessava guardar esse sonho. Você nunca me disse isso, acho que para não criar clima. Eu nunca vi como uma ideia realmente possível, mas depois daquele verão pensei um pouco como seria minha vida morando com vocês. Hoje acho que seria realmente muito diferente, tudo que vivemos interfere em nosso comportamento e até pensamento, seria bem diferente de viver com minha mãe.
   Pai, outra coisa que sempre me pego pensando é sobre música. Lembro o quanto a canção "Pai", do Fábio Jr., significava para mim, algumas vezes coloquei em cartinhas para você ou me peguei cantando e pensando em você... Acho que você teria sido um ótimo avô. Outra lembrança foi um aniversário da Desiree, penso que o último ou penúltimo com você. Fizemos uma festinha e tinha karaokê, você cantou uma música que me emocionou, nossos amigos quiseram fingir que fugiam e eu acabei com lágrimas nos olhos - todos ficaram emocionados comigo. Coisas que acontecem, ainda mais com uma filhota tão sensível, né, pai? Depois da sua partida quando ouço "Gostava tanto de você", conhecida como do Tim Maia, é inevitável me emocionar. Foi feita para a filha que havia morrido, creio que de câncer. Tem uns trechos que levam muita gente a pensar no amor "homem-mulher", mas para mim a maioria dos trechos levam a pensar em você. "Não sei porque você se foi, tanta saudades eu senti e de tristeza você viver, e aquele adeus não pude dar (...), você marcou a minha vida (...). Em sonho vejo este passado e na parede do meu quarto ainda está o seu retrato". Mas, eu não vou me mudar para esquecê-lo nem evitar olhar suas fotos, pai, você sempre estará comigo.

Escrevo-lhe mais, logo mais.
De todo coração,
sua primogênita, Ana.

segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

Amigo não é pra sempre? - Ana Kita

   Perder raramente - pra não generalizar - é bom, mas perder um amigo é sempre ruim. Perde-se o encanto, perde-se um pedaço, perde-se muitos sorrisos. De repente, o chão escapa, assim como um abraço, uma ligação, um colo e um conselho. Pode ser o tempo, a correria da vida, a distância, uma intriga... O motivo que afasta não tem tanta importância, não para os dias que virão, para a saudade que tomará conta.
   Quando se perde o "homem da sua vida" ou "a futura mãe dos seus filhos" acontece uma ruptura, de sonhos, de planos, até de auto-estima. Você se sente sozinho e incapaz de conseguir nova companhia. Agarra-se às lembranças, a um projeto que tinham juntos e depois cai de cara nos estudos ou no trabalho. Rasga as fotos, quer sair e ficar com todos. Depois ameniza, diz que foi melhor assim, que já tinham vivido o suficiente. E recomeça, com outro.
   Quando é um amigo que se vai, a coisa é até semelhante, com algumas oscilações. Você sente um buraco, todo o resto ainda está lá, mas aquele alguém com quem você podia rir e chorar, compartilhar suas histórias de amor ou seus medos, simplesmente não está mais contigo. Você fica se questionando se foi erro seu, se podia ser diferente, pensa mil vezes em correr atrás, liga algumas vezes. Passa um clima estranho ao se cumprimentarem como meros conhecidos. Acontece alguma coisa e você pensa "preciso contar pra ele", só depois se dá conta de que não pode mais contar. Chora. Chora porque a ausência é terrível, você se sente dependente e sem chance de "reutilizar". Tenta substituir, mas nenhum amigo é igual. Só ele tinha aquela risada, aqueles conselhos, aquele abraço... Só ele comia os "champions" que você não gosta, topava sair mesmo em cima da hora, tem a mãe que acolhe todo mundo, ficava horas no telefone, aceitava ir ao cinema ver aquele filme ridículo que você tanto queria. Só ele parece fazer tanta falta e só você parece sentir. Fica com raiva, se sente uma boba, ele sempre foi assim? Depois se convence que não, que as histórias terminam, que seguiram apenas "caminhos diferentes". Um dia, com outro amigo, você lembra de uma piada ou um episódio que passaram juntos e só sente saudade, uma sensação de que foram bons momentos.
   Cá entre nós, perder um amigo só não é pior do que perder o "homem dos seus sonhos" que era um ótimo amigo.

Ana Kita

Relacionar-se - Ana Kita

   Relações difíceis. Sempre me perguntei se valiam a pena. Sempre as observei, de fora, julgando os envolvidos insanos. Incoerentes. Uma vez envolvida nunca fugi. Fugir tem um peso de fracasso, né? Relações difíceis sempre fracassam... Não? Talvez. Contudo, uma vez envolvidos tentamos, desesperadamente. Discussões, decepções, mágoas... Quantas chuvas são necessárias? Não quero parecer pessimista, sei do arco-íris e dos intensos dias de sol. Só que queimam, não o bronze que as mulheres admiram. Queimam a história, queimam os olhos lacrimosos. Relações difíceis perdem a salutabilidade, destróem pedacinhos da gente. De gente que sente, que sofre, que ama. Ninguém entra numa relação sabendo, mas os que descobrem não saem. Não sei se deviam, não sei se conseguiriam. Dificilmente sei se aprendem com tudo que vivem. E vivem. Vivem porque amam, porque não sabem para onde ir, porque acreditam em destino ou não, mas se deixam guiar. São passageiros dessa nau à deriva, e tentam se dar bem. Só que... relações difíceis trazem ventania. Parecem encher a embarcação, quase virar. Quando é escuridão todos querem escapar. Poucos conseguem, e destes, muitos morrem afogados. Os que resistem se vêem com coletes salva-vidas - mas não são gatos -, mais tempestades e podem não resistir. Alguns conseguem mesmo cair de pé, ou assim se mostram. Eu não. Eu deito e choro. Desfaço-me e quase não me reconstruo antes da nova tempestade. Pergunto-me quando chega o fim e ele parece nunca chegar. No amor vivido no altar dizem "até que a morte os separe", nessas histórias creio que vai além. Temo porque não entendo. Assim duvido que aprendo. Vivo repetidamente relações difíceis, eu e todo mundo. Pra aprender, penso eu. E ouso pensar que para acreditar que a vida é plena, para ainda confiar na felicidade, valorizar o pote de ouro.
  Ah, relações difíceis não sei se valem a pena. Contudo, prefiro viver intensamente a fugir.

Ana Kita

domingo, 23 de janeiro de 2011

Amanhecemos - Ana Kita

"Acordei com o seu gosto, e a lembrança do seu rosto." [Biquíni Cavadão]

   Já era manhã alta quando acordei, a noite foi de festa e o sono merecido. Nem digo que acordei pelo despertador, que corri a me banhar. Digo que ao abrir os olhos lembrei dos seus, minha casa sumia a olhos vistos, em mim só seu brilho escuro. Podia me render ao sono, e assim eu quis, mas a esperança sem esperança queria arriscar. Que custava? Voltasse a dormir em seguida, e voltei. Mas, a alegria de uma esperança passageira não tem preço. Corro a ela com vigor, troco tudo por uma alegria dessas por dia, ainda que acabe nos minutos seguintes. 
   A esperança se foi e voltei à cama. Acordei de novo, como se fosse outra manhã, como se o dia se renovasse. E você apareceu. Entrou no meu quarto, invadiu meu coração. O único som que havia eram os pássaros na rua, mas eu escutava algo tão sublime quanto um concerto, a melhor sonoplastia para o amor em todas suas matizes. O tempo não esquentou, ao contrário, nunca me senti tão confortável em pleno janeiro. Tudo tão sublime que só podia ser sonho, a não ser por você. Finalmente acordei, a tarde de domingo corria. 

Ana Kita

sábado, 22 de janeiro de 2011

Olhar ao seu redor - Ana Kita

   Eu ficava olhando as pessoas ao meu redor, observava o andar de uma senhora, o riso de uma criança, a leitura de uma moça, a conversa de um casal, até o tédio de um garoto. Eu ficava olhando pela janela as nuvens pretas se aproximarem e pensava em como aquelas pessoas me veriam. De repente, caio em mim ao descobrir que elas nem me olham, quem dirá pensariam o que faço ou por que faço. Essas ou qualquer outras pessoas não deixariam um minutinho de suas rotinas cegas para me verem. O rapaz que há pouco esbarrou em mim não pode observar a cor dos meus olhos ou se neles havia lágrimas, não lembrará do ocorrido, nem se atrasaria para lugar algum se tivesse me pedido desculpas. Quase não percebo as primeiras gotas da chuva caindo, preciso chegar em casa antes que piore, desisto de meus devaneios e esbarro com um garoto. Não sei a cor de seus olhos ou se neles haviam lágrimas, desculpe-me.

Ana Kita

sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

Sonho meu - Ana Kita

   Se eu revelasse a alguém, assim como penso, sei que me diriam: é um sonho. Para certificar-me pediria um beliscão e doeria. Eu insistiria que não é um sonho, e desistiriam. Eu continuaria a sonhar. É sim um sonho. Tão sonho (e tão real) como terminar a faculdade, namorar, ou escrever. Tão futuro e tão presente, pois vivo hoje e será pleno em breve, creio. Vou dormir sonhando e na manhã seguinte me acorda como "bom dia". Sonho nenhum me cantarola esperança durante todo o dia tanto quanto este. Às vezes cala, não deixa de existir, mas aguarda, como quem respeita. Eu podia revelar, poucos entenderiam, prefiro guardar pra mim. Deixo o sonho se intensificar, dominar todos os pedacinhos do meu ser, até não caber mais. Será, logo, para todos, para qualquer um que me queira bem e aceite compartilhar comigo a felicidade da realização. Aguardo, como criança que não perde o sorriso.

Ana Kita

Sétima leitura de férias 2010/2011: Carta ao pai

Período de leitura: 12 a 21 de janeiro de 2011. 

   Tinha começado a leitura de "Inocência" e parei assim que comprei "Carta ao pai", descobri o título naquelas páginas finais de livros da L&PM que indicam outros da editora. Sendo de Kafka chamou minha atenção, tendo o nome de um projeto que produzo aqui no blog me senti na obrigação de conhecer. Conversei com meu tio, que já pesquisou sobre Kafka, ele disse ser uma leitura curta e interessante, que se eu usava "sem querer" o mesmo nome deveria mesmo buscar conhecer. Valeu a pena. 
   Alguns problemas externos à leitura me fizeram demorar com ela, arrastá-la. Também é algo denso que deve ser digerido, especialmente para quem, como eu, conhecia pouco ou nada da história de Kafka. Escrita em 1919 e muito maior do que as cartas costumam ser, é uma profunda carta de um filho traumatizado (penso eu) a seu pai.
   Vejo algumas semelhanças com as minhas (cartas para meu pai), e muitas diferenças. Começo pelas diferenças: o pai de Kafka está vivo, sempre foi distante, ele escreve com certo rancor, já é homem feito e sem muita esperança, o tema é a relação do pai com os filhos (mais precisamente com o escritor), não tem o intuito de informar ou refletir sua vida atual, seu objetivo parece ser "um abrandamento" das acusações do pai a ele. Já as semelhanças são: revive histórias do passado (vividas com o pai), fala no sonho de casar (repetidamente), cita os irmãos (no caso dele, as irmãs, mas deixemos no masculino para generalizar), reflete sobre semelhanças entre ele e o pai... E nunca foi entregue.
   Sinceramente achei este o livro mais difícil de comentar, possivelmente por não ser romance. Contudo acredito que também tenha influência o fato de que o livro, ou a carta, não tem divisões, portanto parece me pedir releituras, paradas, e até análise das notas (nem as li). Indico a quem se interessa por Kafka ou gostaria de conhecer um pouco da história dele, muito de sua literatura está ali explicada ou subjetivamente citada. 

Ana Kita


Obra: Carta ao pai
Autor: Franz Kafka
Tradução: Marcelo Backes
Editora: L&PM
Ano: 2009
Classificação: Literatura Alemã. Carta Autobiográfica. 

quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

Carta ao pai 16: Melancolia e situações

Joinville, 20 de janeiro de 2011.

Pai,
esta semana fiz algo que sempre achei difícil, mesmo em ideia, e fiquei até orgulhosa da minha força num primeiro momento. Mas, agora, começou a doer. Como sempre imaginei. Engraçado isso, né? Fazemos as coisas que depois nos doem. Não estou arrependida, e espero não ficar. Contudo, a dor existe, e é forte. Não sei porque lhe escrevo isso, mesmo que você estivesse aqui e eu decidisse falar, não adiantaria muito (e tenho certeza que eu não falaria). Às vezes é assim mesmo, escrevemos só para verbalizar, sair do mundo dos pensamentos e quem sabe deixamos no papel (num blog). Eu raramente deixo, posso escrever, mas continua comigo.
Acho estranho como os "desastres naturais", pai, parecem refletir o que passa aqui, dentro. Não que meus olhos tenham chorado mais que o normal para as situações, ou que tenha alagado algo por aqui (além das ruas). Mas, a sensação é um tanto parecida. Mudanças climáticas, ou de situação (financeira, "relacional"). Enchentes, ou enxurrada de sentimentos, novos, antigos, duvidosos. Desaparecidos, ou amigos que se distanciam. Posso estar sendo exagerada, tratando de sentimentos não é algo pouco comum pra mim.
Estou um tanto melancólica, né? Devem ser as férias e a chuva, uma dupla perigosa. Fazem com que eu fique muito em casa, tenha preguiça e não faça nada muito produtivo. Bons aliados para uma crise de carência, não? Vai passar, eu lhe (e me) asseguro! Amo você, pai.

Escrevo-lhe mais, logo mais.
De toda coração,
sua primogênita, Ana.

Poeminha pessoal: Aprender

no meio do caos
veio a luz me guiar
aprendi a ver,
a lutar
e a sorrir,
ainda que o caos continue, logo ali.

Ana Kita

quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

A praia - Ana Kita

   Andei. Andei por horas, como o mar que não desiste da areia, eu queria encontrar uma resposta. Ainda agora, com a respiração ofegante e a testa molhada, não sei que pergunta quero desvendar. Fecho os olhos e com os cabelos ao vento procuro tirar esse peso de meus ombros. Poder voltar para casa leve, sem o estômago se corroendo de dúvida. Queria ter a mente suave como o sorriso da garotinha que acaba de ganhar colo do pai. A paisagem é tão encantadora, também minhas memórias são assim, infinitamente prazerosas. Contudo, como um ecologista que curte a praia pensando que seus netos talvez não desfrutem de tanta pureza, fico agonizando ao pensar como se dará meu futuro.
   Tenho guardado tantos dias ensolarados, tantas noites enluaradas, e tempos juntos que congelaram as horas... Em vão se amanhã não existir!? O pior é que cada hora que o relógio marca sinto nosso tempo acabando, como o sol que vai se pondo e nada pode impedir. Em nossos encontros ganhamos bônus de esperança e de tempo. Já no meio da outra noite, ou na manhã seguinte, quando me vejo novamente só, não tenho a que(m) recorrer. E chove.
   Chego em casa cansada, vontade de dormir e esquecer. Mas, há uma família, o almoço na mesa e todas aquelas cerimônias de casa cheia. É no fim da tarde, com o sol se pondo que volto a pensar. Na tranquilidade do anoitecer volto à praia e o murmúrio das ondas me pede calma. A vida é agora, eu sei, a imensidão do mar também. Mas, as memórias servem não só para nos cobrar a vida, mas para nos ensinar a prosseguir, a acreditar, a sonhar. A brisa noturna me confessa que ainda tenho muito a viver e a sorrir.


Ana Kita
(Itajuba, janeiro de 2011)

segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

   Quando menos a gente espera, quando mais a gente duvida... Não se engane, mocinha, não é nessa hora que aparece o príncipe encantado. Isso é coisa de livro, e eles se vestem mal. Nesse momento, sem tanta preocupação e até um pouco "desiludida", a vida surpreende. Não são promessas para a "vida toda", não se desperta de feitiço, contudo, um cara que conquista seu coração aparece, ou reaparece. Muitas mulheres se negam, tentam se proteger...  Proteger-se do que? Eu não quero me negar a felicidade. É um caminho cheio de pedras, as carruagens não passam, é bem verdade, mas os momentos que passamos nele... Ah, não tem quem não admire ou quem esqueça.

Ana Kita

domingo, 16 de janeiro de 2011

Duas letras - Ana Kita

   O rock invadia todos os pensamentos, espaços, corpos, libertava todas as almas, corações e dúvidas. Um sorriso passou por mim, em seguida um par de olhos escuros e brilhantes. Inebriante. Sorri retribuindo, meus olhos também devem ter se iluminado, pois não demorou muito para o sorriso voltar, e os olhos perseguirem os meus. Aqueles olhos não chegavam a ser doces, mas não eram ousados ou invasores, tinham uma energia positiva e encantadora, algo como a magia de conquistar e a sinceridade em se mostrar conquistado. A partir dessa troca de olhares não mais pensei em dúvidas, ou em quem as trazia, não fiquei esperando que alguém chegasse, nem lembrei que quando a música terminasse os problemas voltariam. Eram as luzes que me guiavam, e eu dançava sorrindo, como se adivinhasse que a noite só traria bençãos. 
   Foi uma garota que eu nem tinha visto quem me trouxe um guardanapo, ou por assim dizer, uma carta. Eu não tinha dúvida de quem a havia mandado, outros olhos não teriam sido tão certeiros. Surpresa e envergonhada ri com aquelas duas letras bem escritas no frágil papel. Um ponto de exclamação sem tratamentos ou vacilos me soou agradável, mas o porquê de tanto medo eu não entendia. Ele sorria e eu retribuía, custava se aproximar? Havia escrito, mas não entregou. Além do brilho atraente dos olhos recebeu uma força que desconhecia, o incentivo de quem ainda haveria de conhecer. Levantei. 
   Eu queria lhe falar ainda que achasse absurdo eu precisar me aproximar. Não tinha nada a ver com a hipocrisia de que o homem é quem precisa tomar iniciativa, tratava-se de que não podia me conformar com uma iniciativa tão sutil. Tomei coragem quando ele ficou sozinho, andei alguns passos olhando em seus olhos. Engraçado como a distância é relativa quando se está tremendo. Por fim não foi tão difícil, conseguimos desenvolver conversa com naturalidade. Coisas em comum choveram na conversa, o brilho dos olhos se intensificou e o sorriso, assim de perto, parecia não só uma lua crescente, mas a beleza completa da lua cheia. Evidente também ficou a vergonha, por sorte a sinceridade predominou. 




   O pedido de confiança de Paul McCartney à amada serviu de plano de fundo ao primeiro beijo. Os olhos se fecharam, mas a sensação de a luz continuar sendo emanada permaneceu. Era o começo do que ainda estava por vir. A confirmação de que aquele era  um encontro mais que adorável viria na tarde de seguinte, entre risos, elogios e afinidades. Não me foi possível imaginar o que viria, nem a poesia que havia naquela história. Contudo, eu que já escrevi textos em guardanapos me encantei com duas letras.


Ana Kita

Telefonema - Ana Kita

   Será que eu atendo? - perguntei em voz alta, e na casa vazia, a pergunta ficou ecoando quase sinfônica aquele horroroso toque que tem o telefone.
   Será ele? Ele não pode mais me ligar. Ele não me ligaria a essa hora. Ele não pediu meu telefone. Ele não liga sem motivo. Que motivo teria? Se fosse ele alguma coisa me alertaria, não sei o que, mas sei que saberia. Queria que fosse ele, mas não é. Melhor nem atender é sempre frustrante ouvir aquela voz "mecanizada" perguntando por um nome que na maioria das vezes nem seria encontrado deste lado da linha telefônica e que sem dúvida não tem o menor interesse em abrir conta nesse banco, aproveitar essa vantagem, assinar essa revista e votar nesse candidato.
   Minha avó ficaria decepcionada de me ver rejeitar com tanta frequência o telefone, justamente eu que sempre fui a atendente oficial da família. Se as ligações não costumassem ser tão inúteis talvez tivesse mantido aquela alegria infantil de correr para atender. Telemarketing e enganos tiraram minha ingenuidade e euforia em atender telefones. Os toques chatos de telefones fixos também não ajudaram muito. Eu sempre tenho vontade de dizer às pessoas que se elas querem ser atendidas por mim devem ligar para meu celular, só não ouvindo para eu não atender. Sou curiosa para saber a intenção de amigos me ligando e sempre acho instigante chamadas de números privados ou desconhecidos. Contudo, não digo, por algo como respeito ou  medo de ser julgada louca, estranha.
   Cheguei a levantar, até me aproximei do telefone. Mas, cadê a vontade de atender? Não devia ser pra mim. Se for importante voltam a ligar.

Ana Kita

sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

Carta ao futuro

Brasil.
   Meu querido,
   Não me julgue louca, pelo menos não ainda. Eu não escrevo ao futuro, não ao termo, sei que é relativo e variável. Engraçado isso, muita gente é assim também, o que sentimos é assim. Enfim, escrevo a você, que num futuro (creio que não muito distante, embora eu não saiba precisar quanto) se encantará ou apaixonará por mim, ou ainda simplesmente me conquistará. Não estou vendo bola de cristal ou jogando verde, escrevo sem destinatário crendo que logo alguém se encaixará no perfil.
   Ainda não está na hora de parar de ler, tampouco de me julgar insana. Escrevo para alertar, para quem sabe nos proteger. Ao menos proteger você, porque se essa carta funcionar contigo falhará com um próximo, na certa. É difícil definir meu objetivo, ainda assim usarei esses parágrafos para tentar, tentar convencê-lo a desistir enquanto deverá ser tempo. Deverá. Isso porque se for paixão da sua parte é possível não mais conseguir fugir. Sabe, se estiver apaixonado deve achar tudo que digo maravilhoso, sábio e sublime, então leia: Corra, querido. Mesmo que não haja tempo, mesmo que já tenha perdido o caminho. Corra porque sempre podemos ir mais longe, e o retorno será proporcionalmente cruel.
   Escrevo antes de me envolver, talvez antes mesmo de conhecê-lo. Escrevo sem a menor imagem de quem precisará me ler. Não se sinta mal. Não escrevo para fugir de você, ou por não estar envolvida. Não escrevo porque já vejo o fracasso. Escrevo porque sei que tudo tem fim e esse envolvimento também terá. Escrevo porque sou fraca, não louca. Porque tenho medo, ainda agora, sem conhecer nossa linda história. Escrevo na certeza de que faremos boas memórias.
   Não chore, querido. Não se envolveu com uma maluca, não mais que as demais. Tudo que fizemos (ou enquanto escrevo ainda faremos) foi significativo, valioso e verdadeiro. Também as lágrimas e decepções são. O certo é que quando nossos momentos partirem e elas, a decepção e as lágrimas, chegarem tudo se resumirá a lembranças. As minhas sempre são fortes, dos homens, penso que, são seletivas. Veja bem, mesmo você, que enquanto lê é tão especial para mim, não passará de lembrança. Tornar-se-á repertório para minhas próximas histórias... Escritas, vividas, sonhadas. Não é triste tornar-se memória, é digno, é admirável. Enquanto eu escrevo pode não ser nem figurante de minha vida, quando passar a ler já terá sido o mocinho. Não se permita ser o vilão, se possível. Com sorte, isto é, com sorte minha, posso ainda não estar envolvida, nesse caso só você precisará correr e esquecer, eu lembrarei, sem dúvida. Mesmo os coadjuvantes de alguns dias me ficam marcados. Se se apaixonou terá sido mais vivo que um mero personagem de que o nome esquecemos, tranquilize-se.
   Quero finalizar com a hipótese de eu estar apaixonada. Se for recíproco implorarei que não leve esta carta a sério, mas não me dê ouvidos, isto é, não ao que eu digo enlouquecida pelo amor, leia-me e aprenda comigo. Se eu perceber que não é recíproco devo também implorar, com menos convicção, talvez. Com tantas lágrimas, mas já pensando que foi melhor assim. Parece loucura dizer, mas será melhor assim, e ambos um dia ainda pensaremos exatamente assim. Confie em mim. Dê-me seu último beijo, e corra (o máximo que puder, há risco de eu correr atrás, lamento).

Com carinho e razão,
Ana.

P.S.: Se tudo estiver bem conosco não se desiluda por eu não ser lá muito sana, eu sempre acredito no amor, se ele já existir e for verdadeiro entre a gente nada se afetará.

quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

Na escuridão - Ana Kita

   Parei numa bifurcação, aliás, num deserto. Sem direções, ou indicações. Mal lembro como cheguei aqui. Olho ao meu redor e nada vejo. Sozinha em pleno deserto. Bagagens rompidas, se é que elas existem não sei até quando resistirão. Não sei até quando eu resistirei. Não é o sol quente ou a sede, meus grandes inimigos são o cansaço, meus pensamentos e as dúvidas. Ah, as dúvidas. Incitam-me a dar dois passos a diante e recuar três, mudar de direção e, quando o sol se põe, a sentar-me. É na escuridão que tento me encontrar, infelizmente ao meu encontro vem a chuva, que parece afastar ainda mais qualquer resposta, resolução, estrela.
     Com tanta chuva o sono vem e na manhã seguinte o deserto já não existe. Crescem as árvores, nascem as frutas, desabrocham as flores. Minha bagagem, como que por milagre, está perfeita. São as dúvidas que me levam pela direção do Sol. Chego no mar. Ah, a imensidão, a quietude, a liberdade.

Ana Kita

quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

Sexta leitura de férias 2010/2011: A mão e a luva

Período de leitura: 5 e 6 de janeiro de 2011.


   Machado é indiscutível, sempre pensei eu. Contudo é certo que discordo e muito do narrador desse romance. (Perdoem-me a petulância.) Machado continua exemplar, adorável, encantador, instigante. É um romance curto que dá vontade de devorar, embora se queira apreciar cada detalhe, cada botão de safira (risos). Três homens tão diferentes com o mesmo desejo, embora, eu diria, por motivos variados, conseguir a mão da bela Guiomar.
   Na personagem centrar desse livro vemos muitos aspectos do próximo período literário, o Realismo, ainda que venha cheia de detalhes e encantamento, típicos do Romantismo. É inclusive na figura dela que discordo mais fortemente do narrador, para mim ela é uma ambiciosa, sem sentimentos para nenhum de seus pretendentes. Outro julgamento (do narrador) que me tirou o fôlego foi quanto ao "mais bem conceituado" pretendente, Luís Alves. Numa passagem que muito me surpreendeu e me fez refletir o narrador diz, sobre Luís: "...sentiu que a amara deveras, ainda que o seu amor fosse como ele mesmo: plácido e senhor de si." Fiquei horrorizada! Tenho costume de escrever comentários e sublinhar passagens que me chamem a atenção e nesse trecho me questionei: Pode o amor ser "senhor de si"? Creio que mesmo alguém "senhor de si" pode amar, mas no momento que descobrir o amor em si, perderá o controle de seus sentimentos e até de seus atos. Luís Alves não perdeu, ao contrário, justamente com firmeza, ambição, sensatez e atos medidos conquistou seu objetivo.
   Enfim, apesar de discordar dos juízos de valor do narrador, adorei a trama e envolvi-me com as personagens, especialmente o romântico (e, infelizmente, imaturo) Estêvão. Ainda que o livro seja cheio de palavras distantes de nosso tempo, é uma leitura muito agradável que indico a todos. Está longe de ser um romance "água com açúcar" (a própria ambição na qual gira a trama traz mais aspecto de vida real que de "Conto de Fadas"), tem uma pitada de mistério e é demasiado envolvente - provavelmente por ter sido publicado, inicialmente, em forma de folhetim diário.

Ana Kita

Obra: A mão e a luva
Autor: Machado de Assis
Editora: Martin Claret
Ano: 2005
Classificação: Romance clássico brasileiro

terça-feira, 11 de janeiro de 2011

Aquela visão - Ana Kita

   A aula estava tão boa, pena estar tão cansada, pensava ela enquanto escolhia um assento ao fundo. Tinha vontade de fechar os olhos e dormir, não só até o terminal em que precisaria trocar de ônibus... Mas até a manhã seguinte, de preferência acordando em casa e sem torcicolo. Abriu a janela, encostou a cabeça, e... Que lindo! Pensou em voz alta. Sentiu-se boba, aquele rapaz era mesmo lindo. Contudo, não passava de uma visão. Dessas que temos aos montes. Dessas que não se repetem.

   A aula foi divertida, mas é sempre bom voltar pra casa. Ela disse ao amigo. Ele cumprimentou um amigo, e a apresentou a ele. Prazer... Ela queria ser simpática, mas não era fácil agir normalmente com Aquele rapaz. Seria bom se o chão abrisse, mas só a porta do ônibus abriu. Os três entraram, sentaram-se juntos. Os rapazes falavam algo sobre um programa no sábado, ela tentava acompanhar, mas nem se quer conseguiu ouvir o nome dAquele rapaz. Aquele rapaz perguntou se ela gostaria de ir. Aonde? Eles riram, claro, tratava-se do boliche, o boliche que planejavam, do que mais seria!? Ela queria, sem dúvida queria, fazia anos que não jogava, mas iria. Ou não. Não aconteceu ou ela não ficou sabendo da confirmação. Deixou estar, talvez não fosse para ser. Talvez.

Ana Kita

segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

Poeminha sentimental: 6 meses

o tempo passa e já não me dou conta
faço contas e me surpreendo
ontem eu era puro sonho
hoje me vejo lembrança

(dentro de mim: nós)

Ana Kita

Quinta leitura de férias 2010/2011: Notas do subsolo

Período de leitura: 28/12/2010 a 04/01/2011.


   Ler Dostoiévisk foi uma difícil decisão, contudo sabendo que futuramente meu curso exigirá conhecer, nada melhor que bastante tempo e um cenário litorâneo para me aventurar com o grande escritor russo. Eu não podia supor o quão densa seria a leitura, embora muitos já me tivessem alertado. Ao fim da leitura de “Notas do subsolo”, pensei “nossa, muito bom, embora muito trabalhoso”, e precisei rir de mim mesma. Nas férias às vezes queremos só relaxar, a maioria de nós só quer isso mesmo. Eu, ao contrário, quase sempre me motivo a grandes esforços (dos quais durante o ano acabo me esquivando, cada ano mais), como acordar cedo, caminhar bastante, cuidar com a alimentação, arrumar meu quarto (nestas férias ainda não encarei), e ler bastante, bastante. Nunca me arrependo desse “trabalho” a mais, são esforços muito vantajosos tanto para aproveitar as férias como para o bom decorrer do ano. A leitura foi assim também.
   O livro é divido em duas partes, (intituladas, respectivamente, “O subsolo” e “Notas”) a primeira foi muito difícil para mim. Por ser o começo era normal dificuldade de adaptação, especialmente por conter uma narrativa reflexiva, mas pouco ativa (quase sem, ou até sem nenhuma, ação). Já a segunda parte me “pegou de jeito”, ainda que se passe no século XIX na Rússia, o que distancia do meu cotidiano e dos meus conhecimentos, tem uma narração envolvente e episódios que muito se assemelham a situações que acontecem frequentemente também em nosso tempo.
   Pela breve leitura de uma biografia que o livro traz vejo traços auto-biográficos, ou pelo menos ideias a partir das vivencias do autor. O narrador e protagonista é um sujeito complexo, triste, sozinho, “mau” (ele próprio se define assim na primeira linha do livro) e doente, que decide escrever “aos senhores” (dizendo que não tem a intenção de mostrar a qualquer pessoa que seja) em seus últimos dias, sobre a sociedade (seus males, hipocrisias, até função de existência) e sua própria vida. Só lendo para conseguir absorver um pouquinho que seja, pra quem gosta de “trabalhar a mente” vale muito a pena.


Ana Kita


Obra: Notas do subsolo
Autor: Fiódor Dostoiévski
Tradutora: Maria Aparecida Botelho Pereira Soares
Editora: L&PM
Ano: 2010
Classificação: Novela russa

domingo, 9 de janeiro de 2011

Carta ao pai 15: Aniversário e sonhos

 Joinville, 9 de janeiro de 2011.

   Pai, hoje você faria 41 anos, como era de se esperar meus pensamentos estão acima de tudo em nossas lembranças. Hoje também faria dois anos da cerimônia do seu segundo casamento, há alguns meses eu estive no salão onde foi realizada e lembrei muito. Gosto tanto de ter essas boas lembranças, ainda que elas incitem a saudade a apertar meu coração (algumas vezes também meus olhos), elas mantêm viva a chama da ideia daquela música “foi pouco tempo mais valeu, vivi cada segundo”.
   Ah, pai, quanta falta você me faz. Tenho dias de pura nostalgia, um pão lembra você, as crianças, vídeos-game, camisas de fio, sono à tarde, praia em horário inadequado, notebook... Algumas vezes me pego ouvindo uma mensagem sua de voz pelo meu aniversário de alguns anos atrás, aquelas coisas que as pessoas fazem quando temem esquecer quem lhes foi importante e já não está presente. Embora, eu não creia realmente que seja possível esquecer.
   Entre as coisas que não consigo ou não quero esquecer estão os sonhos que eu imaginava. Coisas (um tanto) bobas como dançar contigo minha “valsa de formanda”, ser conduzida por você até o altar, dançar uma valsa contigo em meu casamento, vê-lo brincar com meus filhos, emocioná-lo ao dedicar-lhe um livro meu, vê-lo envelhecer com orgulho da mulher que me tornei... Fico a pensar que o problema de sonhos a longo prazo são as voltas que o destino dá, foge das nossas mãos realizá-los, talvez por isso eu temo tanto fazer planos a longo prazo (embora meus sonhos muitas vezes tenham cara de projeto).
   Sei que é bobagem desejar “feliz aniversário”, quem aniversariaria seria ser corpo e este já não existe (não além das fotografias e lembranças), mas não custa deixar simbólica esta data para marcar a existência tão significativa (e, infelizmente, curta) que compartilhamos. Amo você, pai!

Escrevo-lhe mais, logo mais.
De todo coração,
sua primogênita, Ana.

sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

Poeminha sonoro: Mar e ar

no alvoroço das ondas
encontro minha quietude
volto ao meu casulo
para mergulhar em mim
e mais tarde merecer, de fato,
os mais dislumbrantes voos.

Ana Kita

P.S.: Primeira postagem de 2011, ótimo ano a todos os leitores, cheio de poesia (e novidades por aqui, logo recomeço as postagens mais frequentes, aguardem! rs)...