
Ah, pai, completei 20 anos, fiquei noiva, estou morando com o futuro pai dos meus filhos. Tenho um carro e estou começando a dirigir. Comprei um coelho, demos o nome de Tuik, e o adoro. Pai, tudo isso é tão bom e me deixa tão feliz, mas mesmo no melhor dos momentos sinto sua falta, talvez especialmente neles. Como queria compartilhar tudo isso com você, ver seu sorriso e sentir seu abraço. Sabe aquele seu jeito de perguntar sobre meu futuro, ah, pai, você parecia o único que acreditava nos meus sonhos mirabolantes. Eu estou mesmo cursando Letras, não em Minas Gerais, nem com habilitação também em espanhol. Não publiquei nenhum livro ainda, mas já fui revisora de dois (um terceiro a ser publicado em breve) e já tenho um artigo publicado em Anais. Não fui morar sozinha, nem já sou mãe. Acontece que sonhar já era muito bom e viver - mesmo que cheio de adaptações - é maravilho, pai. Só falta você. Parece melancólico demais, mas a verdade é que falta mesmo você. Eu faço um projeto de Iniciação Científica sobre a morte na literatura e mesmo tendo tantas fundamentações teóricas, penso simplesmente que você devia estar aqui. Não é que eu mesma não compreenda a finitude da vida, ou não possa entender que há razões ocultas nisso tudo. Não é que eu não saiba que você está bem e que todos nós também ficaremos - inclusive estou muito feliz, pai. Acontece que a saudade é um pisca sempre acesso, especialmente por você. Fica piscando sem parar nos dias de sol e também nos de chuva, parece sirene policial nas datas comemorativas e agora parece até que vibra.
Eu o amo muito, pai. E só queria dizer que estou muito bem, ainda que com saudade. (Um lágrima escorre pelo meu rosto e lembro que não preciso disfarçar.)
Escrevo-lhe mais, logo mais.
De todo coração,
sua primogênita, Ana.