Eu o vi olhando as pessoas, discretamente, como não era comum dele. Viu uma mãe e seu pequeno molhado, sentiu certa compaixão, mas passou rápido, como negando ao seu sentimento paternal - quisera não tê-lo -. Parou em frente ao cinema, olhou o letreiro, os cartazes, havia uma sessão, a última, um filme interessante. Ficou tentado a entrar, como se chegar naquele momento fosse golpe do destino e devesse ele cumprir uma "profecia". A atendente era muito bonita e simpática perguntou a ele se iria comprar - "o filme já está para começar, senhor" -, ela conseguiu um gesto positivo. Ele entrou sorrateiro e vagarosamente, sentou-se quase na frente, numa saída - não gostava de passar pelos outros -. As luzes se apagaram e os trailes correram. Não havia quase ninguém nas poltronas ao redor, observou - melhor, sem cochichos, choros ou amassos -. O filme foi passando e ele quase se entretendo, embora o cansaço o atingisse sem receios.
Eu o vi bocejar, uma, duas, talvez três vezes. Antes que pudesse bocejar mais uma vez, adormeceu. O jeito de sentar, sempre tão relaxado - relapso -, facilitava e o filme com um ar de suspense trazia uma trilha sonora encantadora para embalar um sono leve. Acordou quase no fim do filme, com frio. A camisa já começava a secar, mas tinha a pele fria. Ao sair do cinema, tudo tão apagado, tão molhado e silencioso - ah, o silêncio das sextas-feiras chuvosas, pensou -. Ele, que também era de sair, viu os bares e boates cheios, mas naquela noite não estava para músicas e agito. Era o silêncio e os ruídos dos poucos carros velozes nas poças que ganhavam sua atenção. Ele tinha a minha, até chegar em casa, tirar a roupa, vestir uma bermuda surrada e deitar batendo o queixo - o banho fica pra amanhã, o chopp fez seu último efeito -.
E, então, acordei.
Ana Kita
E, então, acordei.
Ana Kita
Ana, que delícia essa "visão" que teve... um exercício muito interessante! (Em alguma realidade alternativa, essa cena ocorreu exatamente como pensou..)
ResponderExcluirBeijos
Obrigada, Kawen! Passou a existir quando eu criei, quando verbalizei e toda vez que alguém ler ainda existirá. :D
ResponderExcluirBeijos!
Ana