domingo, 17 de outubro de 2010

Esquecer - Ana Kita

Tanta simpatia, mas só simpatia não basta. Seria talvez no princípio. Não hoje. Hoje muito é preciso. Pouco não me satisfaria. Fique só na simpatia, melhor nada para satisfazer. Melhor esquecer e deixar morrer

   Já não vejo a cor de seus olhos, fecho os olhos - estes meus - para tentar lembrar o tom exato em que eu mergulhava, mas já não o recordo. É assim o tempo todo. Eu me esforçando pra não esquecer o quanto fui feliz e as lembranças fortemente fugindo. Queria ser personagem de alguma telenovela ou de um filme cheio de flash-back, aí sim, eu seria completa ao lembrar cada detalhe, cada palavra, cada olhar. O toque eu sempre lembro, o jeito com que só ele me abraçava, tocava meus lábios, sorria, mordia os lábios. Quando estou muito sozinha, consigo lembrar também dos cheiros, o cheio endoidecedor que ficava nas roupas, nos dedos, em todos meus sonhos. Nesses momentos, em que estou repleta dele, penso que ele não deve se lembrar. Deve ter apagado com toda rapidez e prazer o que me esforço tanto para guardar. 
   Sempre fomos diferentes, embora com muito em comum. Tínhamos ângulos opostos sobre as mesmas visões, em tempos diferentes. O que mais nos aproximava eu não sei o que era. Algo como o mistério ou o inesperado. Algo que não se pode reconstruir ou inventar. Algo como o destino, em que poucos acreditam, penso que nem ele. Mas, que destino arbitrário era este que o levou tão rápido pra longe? Alguém me diria que se tivesse sido rápido demais não teria sido suficiente para marcar em mim, não seria suficiente para que eu pudesse escrever a respeito, nem passar noites acordadas ou sentir saudade. Talvez, tivesse razão. Ou a razão esteja nas lembranças que se apagam. Eu temo todo o tempo que tão forte quanto veio, quanto vivi, tudo isso parta. Ele já foi, o clima que ficava quando nos víamos tornou-se mero desconforto, só falta mesmo as lembranças se apagarem. 
   Quero crer que as lembranças não possam sumir. Que como não se pode mexer na história vivida, a lembrança também tem sua essência intocável. Mas, não o creio. Não creio, pois ele já esqueceu. Hoje sou só alguém que ele conheceu, em algum tempo, que tem o contato, mas não faz questão de manter. Esquece ele ou finge não saber, que sou alguém que viu seus olhos de perto, que os penetrou e os admirou. Sou só alguém que vai esquecendo, melhor que seja assim.

Ana Kita

4 comentários:

  1. Duas palavras ali... me fizeram chorar, desesperadamente, por dentro. Algo que lembrei, e que pra mim, virou mito.

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  2. Oin, que lindo, Kawen! Fico feliz, e confesso que curiosa por essas palavras.
    Obrigada!

    Beijos!
    Ana

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  3. "quebra teu coração quando pessoas que você conhece, se tornam pessoas que você conhecia; quando você passa do lado de alguém que foi uma enorme parte da sua vida, que você foi capaz de conversar durante horas e hoje nem ao menos se olham nos olhos, ou não tem mais assunto. quebra teu coração saber que boas coisas acabam. e não há nada que você possa fazer." Mas acho que sim, ele lembra e você sabe disso, pois lembranças não somem estarão sempre lá prestes a serem relembradas. Alias cada pessoa que de alguma forma entra em nossa vida, é única, sempre deixa um pouco de si e leva um pouco de nós.
    Beijos Helenna M.

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  4. É uma verdade clichê, sem dúvida, sempre se deixa um pouco de si e leva-se um pouco dos outros. As lembranças ficam lá, precisando de uma noite escura, uma leitura poética ou um luar no mar para tomar-nos por inteiros.
    Obrigada, Helenna!

    Beijos, beijos.
    Ana

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