segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Não nasci com medo - Ana Kita


   Não nasci com medo, ninguém nasce. O medo vai aparecendo aos poucos, sendo convidado pela família, pelas professoras, pelos livros, filmes e a televisão, mais tarde até pelos amigos. Na infância, convivi com os medos “clássicos”: de escuro e de bichos (de cachorro a arranha). O tempo passava e meus medos aumentavam, alguns deixei pelo caminho, outros se tornaram maiores. Passei a ter medos mais psicológicos, como de perder quem amo, ou não realizar meus projetos.
   Ainda estava na adolescência, quando ao perder meu pai entendi que temer algo não interfere no curso natural da vida. Se fosse para usar positivamente meus medos, o máximo que eu podia fazer seria viver intensamente, lidar com meus medos como algo possível de acontecer e, portanto, não dar motivos para me arrepender mais tarde. O aprendizado foi valioso, mas nem por isso deixei de ter medo.
   Acredito que o medo faça parte do nosso “desenvolvimento”, é o medo que nos leva a diante, e também ele que nos protege dos perigos. Desde que não sejamos dominados pelo medo, ele pode ser benéfico. Se eu nunca entrei num carro com um motorista bêbedo foi pelo medo que a mídia me deu, e acho que foi prudente. Se eu nunca aceitei sair com um estranho foi pelo medo que meus pais me passaram, e não me arrependo. Se eu nunca usei drogas, se eu nunca cometi crimes, se eu nunca exagerei na velocidade... Se eu sempre digo que amo minha mãe e meus irmãos, se eu planejo me casar e ter filhos com o homem que amo, se eu faço faculdade, se eu estudo bastante... Enfim, se eu cedi aos medos muitas vezes, foi por considerar certos medos proteção. Diversas vezes os medos – algumas vezes mais dos outros que meus - fizeram-me bem. Estou viva e vivi intensamente, mas não me expus a tantos perigos.

Ana Kita

Obs.: Proposta de crônica com a temática "medo", no terceiro encontro do projeto de pesquisa aqui apresentado.

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