quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

Passada? - Ana Kita

No almoço, o garçom me perguntou: - A senhora quer bem passada? E eu entendi: - A senhora já está passada... Por sorte perguntei apenas: - O quê? - A carne!

        O que é um casal? Não era essa a pergunta do outdoor, mas foi assim que li. E assim pensei: são duas pessoas, pela palavra: de sexos diferentes, pelo costume: que se relacionam de forma afetiva e íntima. Será? – me questionei com o vermelho do semáforo. Dizemos um casal de gêmeos quando nascem dois irmãos de sexos diferentes, mas se digo que saí com um casal logo me imaginam de vela. Ninguém ouve “encontrei um casal na loja” e pensa na possibilidade de um pai e uma filha. Mas tudo que eu queria mesmo saber é se eu um dia vou casar. Vem do mesmo radical, como não pensar? E por que agora essa ideia passou a me angustiar tanto? A ponto até de não ver que o outdoor era sobre pardais, mais uma disputa política envolvendo lei e trânsito. Minhas amigas nem precisaram de câmeras para sacar que agora casais com filhos me angustiam, fico olhando triste, pensativa e logo quero me afastar. Grávidas me assustam. E alianças... Ah, malditas alianças! Por que brilham tanto?
        Começo a achar que nunca fui um casal. Não por não casar ou não ter usado aliança, mas por não ter um companheiro. Não é isso que fazem as pessoas que se amam? Contam uma com a outra, compartilham, planejam, perpetuam-se. Eu amei e muito, talvez tenha sido amada um pouco. Mas, aquele amor recíproco que une de forma avassaladora, não só os corpos, mas as vidas em uma só... Ah, longe disso! Talvez tenha sido culpa minha, meu jeito muito sincera, independente, madura... Ou até minha camuflada insegurança. Talvez tenham sido minhas escolhas, homens muito novos ou muito galinhas, problemáticos ou desatentos.
        Queria crer de verdade que foi só porque não era pra ter sido. Sabe? Momento errado, pessoa errada. Coisa que passa, coisa que depois vem. Então o calendário amarela e vejo que o tempo passou contra mim. Minhas marcas de expressão já não desaparecem fazendo caras e bocas no espelho. Não usar sutiã está proibido e mostrar a barriga só na praia com muita coragem. As saias precisam de mais tecido e os jovenzinhos já não me olham. Todo atendente me chama de senhora e nunca mais me pediram documento na noite. Eu não passo por novinha nem produzida! Aonde eu fui parar? É isso! Exatamente assim que me sinto: parada! Parei lá pelos dezoito, quando não precisava me preocupar e o futuro viria com ou sem esperança. Não rezei pra Santo Antônio, nem dei trela para aquele cara que falou em casar. Eu era tão jovem, queria ver tanta coisa, “quem sabe um dia” eu dizia... Esse dia já passou? Não devia ter vindo há uns anos?
        Olho pra trás e é tudo muito lindo, obrigada! Mas, e pra frente? Todas minhas amigas casando, sendo mães... E eu? Fiquei pra titia? Não quero ser só a “amiga da mamãe”, nem pra madrinha me convidam porque “dá azar, você entende, né?”. No fundo, acho que é pra não ser um mau exemplo. Será que ninguém mais confia que vou formar uma família? Estudei, viajei, aprendi muito, trabalhei, comprei carro, apartamento, fui promovida, e? Cadê a prosperidade afetiva? Não quero casos de semanas. Não quero ouvir desculpas esfarrapadas para não sair de dia, de mãos dadas, assumindo ao mundo! Os mais novos querem mais novas. Os mais velhos são casados ou fogem de casamento! Cadê? Cadê a tampa da minha panela? Minha mãe tinha razão, eu devia ter saído menos e aprendido a cozinhar.

Ana Kita

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