quarta-feira, 7 de setembro de 2011

Conto de um sonho - Ana Kita


 Uma vez sonhei que me disseram que esquecer os sonhos era o melhor a se fazer.

   Pulou da Ponte Rio Niterói e passeou no Central Park, queria ter abraçado o artista de rua, mas as moedas que jogou já o parabenizaram. Seus sonhos eram assim, de fatos reais, mas com uma poesia digna da imaginação, ela se realizava ao lembrá-los. Compartilhava com sua melhor amiga, Hannah, que nunca os entendia, tampouco gostava de ouvir. Contudo, naquela manhã sentiu-se mal, acordou e correu ao banheiro, lavou o rosto, olhou-se no espelho, estava pálida. Vestiu-se logo e bateu na vizinha, uma senhora simpática que oferecia bolo semanalmente, ninguém atendeu. Desceu pelas escadas a fim de ligar para Hannah, caiu na caixa postal, na certa tinha se esquecido de carregar a bateria, clássico de domingo. Chamou um táxi e partiu para a casa da mãe, encontrou-a no portão, pediu para conversarem, mas a mãe estava com pressa. Tudo bem, mentiu ela. Decidiu visitar os avós, fazia tempo que lhes devia um almoço, ninguém em casa – tinham ido à praia. Apelou para o celular do irmão, este não atendeu. Ligou para o pai, por telefone não seria tão bom, mas ele desligou dizendo que não podia falar agora. Até para a cunhada ligou, mas a sobrinha chorava ao lado, entendeu que não era um bom momento.
   Dirigiu-se a pé até o apartamento dos pais de Hannah, nos finais de semana ela costumava pousar lá. Ficou com vergonha de bater e sentou-se na pracinha. Repetidamente olhava o relógio, agora já marcava 11h, seu estômago roncava, sobretudo o número 26 a afligia. Uma senhora com sacola de feira passa pela praça, elas se olham, a senhora senta ao seu lado. Eis sua chance. Dona Amélia se apresenta, reclama do aumento do preço do tomate, e lhe sorri confidente, o esposo Alberto merece no dia do seu aniversário uma bela macarronada. Dona Amélia pede desculpas, pergunta seu nome. Em seguida a pergunta fatal: O que a incomoda nessa linda manhã de domingo, Isis? Finalmente a protagonista revela a confusa e preocupante narrativa sonhada à noite. Não que Dona Amélia fosse ligada em ocultismo, mas ouvira dizer certa vez que sonhar com morte era bom presságio. Isis deixa uma lágrima cair. Confessa que a morte nunca a assustara tanto, ver-se morta fizera refletir na falta de um namorado, no distante sonho de construir sua família, na incerteza de seus pais saberem de seu amor. Dona Amélia a abraçou, se não fosse aniversário de Alberto a convidaria a almoçar, mas o esposo não gosta de jovens, nunca tiveram filho pelo temor da juventude rebelde. Dona Amélia se despede com um conselho simples. Isis volta para casa menos agitada, compra um lanche no bar da esquina, mas desiste de comer. Tira um cochilo no sofá e ao acordar se esquecera do sonho da noite, dessa vez um sonho bobo, uma conversa com uma senhora sem filhos.

Ana Kita

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