quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

Quarta leitura de férias 2011/2012: Angústia

Período de leitura: 26 de janeiro a 2 de fevereiro de 2012.

        Comprei em janeiro o lindo e grosso volume de "Angústia" e na ânsia de lê-lo esqueci minha listinha de livros a ler, isto porque durante meus dois anos do curso de Letras inúmeras vezes ele foi citado, já não consigo lembrar os motivos dessas menções, mas hoje dou razão. Já li e reli "São Bernardo", do mesmo autor e publicado apenas dois anos antes, por "obrigação" escolar (ensino médio e superior), mas com prazer, pois apesar de uma realidade bastante diferente a minha - classe média, escola particular, catarinense - encantou-me ambas as vezes pela força da narração. Enfim, impossível não se render a Paulo Honório. Em "Angústia" não é tão diferente, o ritmo e a densidade da obra me pôs escrava da leitura, angustiada pelos diversos sofrimentos passados e presentes de Luís da Silva queria ler, e ler, devorar as quase 300 páginas para livrá-lo ou me libertar. 
         Esta edição da Editora Record é um primor, embora volumoso e pesado são merecidas as letras grandes e a brancura da página para esta obra. Talvez só assim possamos verdadeiramente ter prazer na angústia. Sei que soa absurdo, mas assim me senti. O prazer desta leitura consiste mesmo na angústia de colocar-se no lugar do protagonista, em se deixar um pouco assombrar por seus fantasmas da infância e se seduzir por seus desvios do presente. Há ainda quem, como eu, que apaixonado por literatura e pela palavra, possa ter um prazer extra ao pensar na grandiosidade de Graciliano, o poder no uso das palavras, as discussões levantadas e amornadas por um pensonagem fora de si, a graça de por dúvida no leitor atráves das incertezas do narrador, a genialidade de absorver e retratar os caos da sociedade. 
        Caos estes que ainda hoje sofremos. Encantei-me com um trecho que preciso compartilhar. Ao ver uma pixação de cunho político sem pontuação, Luís fica a se questionar e num dado momento reflete: "Aquela maneira de escrever comendo os sinais indignou-me. Não dispenso as vírgulas e os traços. Quereriam fazer uma revolução sem vírgulas e sem traços? Numa revolução de tal ordem não haveria lugar para mim. Mas então?" (p.204) Com a era digital por vezes também me questiono, são tantas as revoltas que podemos ler em blogs e redes sociais, poucas e até raras se preocupam com a ortografia, não só com a pontuação, mas com a escolha de palavras. Dou-me conta que talvez seja este mesmo o motivo que me leva à literatura, a chance de renovação, de fonte de força e fé nas palavras. Sem emotions, ilustrações ou excessos de pontos de exclamação ou vogais é sim possível transmitir os mais fortes sentimentos, as mais densas angústias, até a realidade regional. Aprendamos!
        Enfim, "Angústia" é um livro que recomendo, é pesado, forte, sensual, longo, mas acima de tudo é a literatura brasileira em sua melhor forma, com verdade e poesia, com sabedoria e bem articulada. Não sugiro que as escolas obriguem as crianças a lerem, longe disso, mas mesmo um aluno de ensino médio poderia se encantar com esta história, é claro que pela extensão necessita já ter o gosto pela leitura. Indico para qualquer leitor adulto, imagino que do mais letrado ao mais esporádico uma obra tão rica pode envolver e ser admirada, além do mais, com sorte pode fazer refletir sobre um bocado de coisas.

Ana Kita

Obra: Angústia
Autor: Graciliano Ramos
Editora: Record
Ano: 2004 (primeira publicação em 1936)
Classificação: Romance brasileiro

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