quinta-feira, 5 de julho de 2012

Relato de uma falta - Ana Kita

        Eu lia um ótimo livro e queria compartilhar, mas ao ler um trecho em voz alta e pedir seu comentário: o silêncio. Não foi o silêncio de quem pensa em outra coisa, mas de quem não presta atenção. Puro ignorar, do mais doído. Baixei os olhos para o livro, li um pouco e o olhei novamente. Continuava intacto, como se eu nada tivesse falado e nada tivesse me magoado. Mostrou um coração no croissant que comia, então não resisti: O meu está partido. E perguntou, como preocupado: Por quê? Eu falei e você nem me aí. Então fale de novo. Não quero mais. E silêncio! SILÊNCIO!? Não pude acreditar, disfarcei lendo, ou tentando. Mas, simplesmente ele aceitou. Pior que partir um coração é não sentir nada por isso. E a dor, que já era imensa, cresceu.
        Olhei-o ainda mais umas três vezes, como dando chance, ou implorando uma ação, reação. Ele estudava ou apenas me ignorava. Então me olhou e falou qualquer coisa sobre estudar. Eu não devo ter escondido minha mágoa, e uma perna passou na minha. Não que bastasse, mas me alegrou. Pareceu então que era possível um reconciliar.
        Quase uma hora depois a palavra: DESCULPA por ser... E uma interrupção, um beijo de quem ainda acredita que pode ficar tudo bem.

        "Os gregos diziam que originalmente o homem era esférico e que Zeus, para castigá-lo por seus malefícios, o dividiu ao meio. As duas metades vagam pelo mundo e se procuram. A saudade as impele a procurar cada vez mais, e, quando se encontram, aquela esfera se reconstitui. Esta história tem algo de verdade, mas não é suficiente. Quando se reencontram, as duas metades já viveram suas vidas até aquele momento. Não são as mesmas de quando se deixaram. Suas bordas não coincidem mais. Têm defeitos, fraquezas, feridas. Não basta que se reencontrem e se reconheçam. Agora, também precisam se escolher, porque já não combinam perfeitamente, e só o amor leva a aceitar as arestas que não se encaixam, só o abraço atenua essas arestas, mesmo que doa." (D'AVENIA, 2011, p. 348)

Ana Kita

Referência: D'AVENIA, Alessandro. Branca como o leite, vermelha como o sangue. Tradução de Joana Angélica d'Avila Melo. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2011.

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