segunda-feira, 18 de julho de 2011

Anoitecer - Ana Kita

   Amanheceu. Eu devia ter julgado assim, como um simples novo dia. E não pude. Tinha medo. Era o primeiro dia do resto da minha vida. E ninguém me acordou com café da manhã. Não haveria beijo, nem precisaria esperar para usar o banheiro. Não arrumei a mesa. Comi apenas uma banana encostada no balcão da cozinha. Foi um esforço danado abrir as cortina e preferi manter as janelas fechadas - eu demoraria a voltar para casa.
   Tranquei a porta atrás de mim e veio um aperto daqueles de voltar correndo pra cama. Segui em frente, tinha sol e crianças brincando na rua. Por que tinha que ser um domingo? Nunca um domingo foi tão longo. Saí da garagem como quem está aprendendo a dirigir. Não era cautela, era falta de perspectiva. Não queria ver meus pais, nem meus irmãos. Não gostaria de visitar amigos, muito menos ir ao shopping. Fiz-me de turista e comecei a andar pelas ruas como a investigar o bairro. Nada do que via me agradava. Eram famílias indo à Igreja, casais caminhando, senhores aparando a grama, garotinhos andando de bicicleta. Não podia haver um clima melhor ou um céu mais azul. Era tudo de propósito, algo ou alguém queria que eu me dilacerasse. Mas, eu fui forte.
   Não tinha fome e só dei conta da hora às quatro da tarde. Já não havia tanto movimento na rua. Deviam descansar, ou assistir ao futebol. E eu continuava dirigindo. Faria até amanhecer se fosse preciso. O sol se pondo e achei que já não era necessário trancar-me no carro. Estacionei numa pracinha, sentei-me num banco de madeira e logo me arrependi. Um pai e um filho jogavam bola, o garotinho não devia ter mais de 3 anos e logo a mãe se juntou a eles. Deixou as coisas ao meu lado, pegou o filho no colo e beijou o marido. Antes que eu saísse dali com o rosto molhado, ainda pude ouvi-la dizer: Hoje é o dia mais feliz da minha vida, como é bom estar com meus amores.
   Andei um pouco apressada uns dois quarteirões. Queria tirar a voz dela da minha cabeça. Mas, a frase se repetia, e tantos beijos, e abraços, e muitos sorrisos. Deu vontade de gritar. Chorei. Olhei pro céu que começava a revelar as estrelas, e a lua não quis aparecer. Não sei se era por ser nova, ou por pura maldade. Nunca fui de entender esses motivos ocultos. Fui até o carro, sentei ao volante e me perguntei pra onde ir, o que fazer. Voltei pra casa, já era noite, eu podia apenas chegar e dormir.

Ana Kita

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