quinta-feira, 21 de julho de 2011

Tirar paranhos - Ana Kita

   Eu pensava que seria pra sempre, todas as noites. Achava que fazia parte de mim. Acreditava ser tão necessário a mim quanto o ar. Mas, eu estava errada. Custei a perceber. Foram noites em claro e centenas de lágrimas. Hoje o anel descascando em meu dedo, a blusa que já doei, o perfume que há muito tempo deixei de usar e o xampu que acabou, mostram que o tempo foi longe demais para esperá-lo. Ele jamais mudaria, eu sempre encontraria falhas para não aceitá-lo de volta, e não seríamos felizes juntos.
   Tão fácil ver agora. Difícil é olhar pra trás e ver todo o caminho que sozinha precisei percorrer. Quantas vezes o carteiro e o entregador de pizza me viram de pijama e pantufa. Quantas vezes a caixa do supermercado se surpreendeu com a quantidade de sorvete e chocolate. Quantas caixas de lenço gastei chorando. Quantas cartas tentei escrever, quantas vezes disquei seu número, quantas fotos beijei depois rasguei. Fiz tanta coisa tentando me enganar ou lutar, e por muito tempo não fiz nada por mim. Esmaltes gastos, depilação por fazer, cabelo oleoso, janelas fechadas, casa suja. O mundo lá fora seguindo e eu me impedindo, trancando-me.
   A culpa não é dele. De jeito nenhum lhe daria tanta responsabilidade, nem merecimento. Fui eu que mais uma vez me dediquei demais. Acreditei demais, sofri demais, culpei-me de mais. É sim, como todo filme da sessão da tarde, é assim com todo mundo. Começa, perde-se, e fim. Prolonguei demais, adiei minha recuperação e algumas vezes desacreditei ser capaz. Hoje, saí para caminhar. Estava um dia lindo, tomei sorvete no parque, recebi uma cantada, olhei umas vitrines. Amanhã farei as unhas e um novo corte no cabelo, combinei com as meninas de sair às compras e sexta tenho uma festa. Não é que de repente eu tenha me tornado fútil e vazia, só me abri a ser completa. Ler, correr, trabalhar muito, mas também me produzir, dançar, rir. Voltar a viver.

Ana Kita

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