quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Meu velho brinquedo - Ana Kita

Obs.: Esses dias nas minhas leituras de blog (de) amigos fiquei admirada com um texto (crônica?) que comparava (ou até definia) sentimento com(o) brinquedo. Concordei muito com a ideia e passei alguns dias "digerindo", refletindo. Hoje escrevo aqui meus próprios devaneios sobre o assunto.

   Quando nasci ganhei, penso que de meus pais, um brinquedo. Talvez no começo eu nem soubesse como brincar, ou com quem poderia, contudo aprendi rápido, imitando minha família ao brincar comigo e entre eles. Eles também tinham brinquedos como o meu, talvez um pouquinho mais velhos, arrebentados, algumas vezes precisando de reparos, mas ainda assim brinquedos adoráveis. Como com outras coisas eu fui "emburrescendo" com o tempo, quanto mais eu crescia menos sabia brincar, menos compartilhava com quem merecia e mais procurava gente que não daria valor. Demorei a entender que realmente merecia brincar comigo aqueles que compartilhavam seus próprios brinquedos, comecei, então, a chamá-los "meus amigos".
   Meus amigos não eram muitos, mas brincávamos tanto e tão intensamente que aprendi outra lição: quantidade não é tudo. Apanhei muito da vida para aprender (um pouquinho) a distinguir meus amigos daqueles conhecidos interesseiros (que só queriam usar meu brinquedo e jamais me permitir tocar nos deles). Já no comecinho da adolescência descobri brinquedos não tão legais, alguns machucavam quem brincava, outros até quem assistia.
   Nessa altura meu brinquedo já tinha mais remendo do que eu podia contar, mas fui conhecendo amigos diferentes daqueles da infância, garotos bonzinhos que me ajudavam a consertá-lo. Volta e meia eu os ajudava com seus próprios brinquedos. Pena que eu acabava gostando mais dos deles que do meu próprio, assim eu fazia com que eles - talvez por medo - fossem embora e eu não mais pudesse brincar. Meu brinquedo, como um cachorrinho, ficava triste sem os outros brinquedos, e eu também.
   Um dia me disseram que se eu brincasse com menos gente poderia brincar por mais tempo. Achava difícil escolher só alguns brinquedos, quase tão difícil do que permitir que só algumas pessoas pudessem brincar com o meu, especialmente no verão. Mas, minhas experiências, especialmente veraneias, faziam com que eu realmente acreditasse na importância dessa "seleção". Mais tarde descobri que não precisava ser bem assim, há formas e formas de brincar. Algumas, é bem verdade, necessitam de mais cuidado, mais dedicação, mais critério e até mais tempo, assim uma certa "exclusividade" é bem vinda. Outras, no entanto, para serem mesmo saudáveis precisam de espaço, assim quanto mais brinquedos eu puder usar (não todos de uma só vez, nem todos com a mesma intensidade), mais cada brinquedo poderá estar ao meu alcance.
   Quase no fim da escola tive uma revelação avassaladora: Para a brincadeira resistir ao tempo e ao cansaço nada melhor que compartilhar. Quando passei a compartilhar com os donos dos brinquedos o quanto eles me eram importantes, quanto eu ficava grata de com eles brincar, e as coisas que havia aprendido, as brincadeiras não mais se extinguiam. Algumas temporadas precisei viver sem certos brinquedos (ou formas de brincar), mas nem isso era de tudo ruim, pois na volta o brinquedo parecia ainda mais especial e eu aprendia a dar mais valor. Também meu brinquedo pedia tempo (muitas vezes), e quando ele voltava a estar entre meus amigos parecia brinquedo novo, muito quisto e admirado.
   Hoje meu brinquedo parece pedir novos amigos para brincar, creio que essa falta de gente querendo brincar (direitinho!) seja uma fase. Há de passar. Até porque há algum tempo meu brinquedo ficou com rara de novo, graças a um amigo que me ajudou a cuidar. Não foi uma troca ou um pagamento, mas, confesso, que foi uma ajuda recíproca. Prezo por elas, reciprocidade nessas brincadeiras é o melhor que se pode ganhar.

Ana Kita

2 comentários:

  1. Muito bom!
    Realmente, na vida "brincamos" com muitas pessoas, e muitas não entendem as regras, acabam quebrando o "brinquedo".
    Philipe

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  2. Obrigada, Philipe! Tem toda razão, por sorte sempre estamos em tempo de "colar" ou "costurar".

    Abraços!
    Ana

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