sábado, 26 de março de 2011

Linha de saudade - Ana Kita

   Naquela mesma hora, todos os dias, ele pensava nela enquanto ela pensava nele. Se as linhas de pensamento fossem materiais intransponíveis seus pensamentos se esbarrariam, porque apesar de terem jeitos diferentes seguiam os mesmos caminhos. Ele reservava aquele momento para se abrigar sozinho no breu de árvores ou de ruas desertas, gostava do turbilhão da mente aliado à total calmaria do mundo exterior. No mesmo instante, ela buscava o meio do povo, festas, bares, conversas agitadas, queria muito movimento ao seu redor para então parar e ficar só com suas lembranças.
   Criados com todas as falhas da sociedade, jamais passou por suas mentes a esperança de que o outro pudesse também estar pensando, como se acessando os mesmos momentos, os mesmos sonhos. Nesse momento ficavam igualmente cegos, não se permitiam ver o outro a visitar os mesmos lugares que anos antes visitaram juntos. Anos... Anos e anos, diariamente, recordando, revivendo, e escondendo a vontade de voltar, de compartilhar. Cada um à sua maneira encontrava meios de se justificar, e os dedos procuravam os números para os quais ligar, mas preferiam cortar o pensamento.Ele dizia que o tempo mudava as pessoas, que não daria mais certo, que já tiveram suas chances. Ela pensava que se ele quisesse já teria aparecido, que nada como o tempo para apagar essas saudades, que precisava conhecer pessoas novas. E não cediam aos pensamentos ocultos, aqueles que tentamos negar pensar, e que gritam para que deixemos preconceitos, orgulhos, temores. Pesavam-lhes os ombros, mas antes os ombros cheios de razão, que os olhos emocionados novamente, creia ela, mais uma vez iludidos, acreditava ele.
   Os minutos pensativos corriam e a vida os chamava a dançar. Dançavam. Separadamente, como se nunca tivessem dado as mãos. Harmonicamente, como se nunca tivessem se afastado. Displicentemente, como se os satisfizessem parceiros diversos ou passos trôpegos. Não mais se entregavam, até que a hora do dia seguinte chegasse e mergulhassem mais um pouco em saudade.

Ana Kita

5 comentários:

  1. E como! :D
    Obrigada pelo olhar sempre presente, Alicia!

    Beijos, beijos!
    Ana

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  2. Olá.
    Não li o seu texto, acordei preguiçoso e sem esperança de entender.
    Mas enfim, só passei pra alimentar os peixes.
    XD
    (sim, esse comentário foi muito idiota, acho melhor apagar depois)
    Beijos.

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  3. Huum, mais um conto de ritmo dançante!
    Abraço

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  4. haha Adorei o comentário, Daniel! Não foi idiota, foi honesto. Fico feliz com sua visitinha, meus peixinhos agradecem.
    Mas, preciso dizer que torço para que volte e leia. hehe :D

    Esta foi a ideia, Philipe! Obrigada! ;)

    Beijos, beijos!
    ana

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