terça-feira, 29 de junho de 2010

Menina Laura

Meus quereres são inúteis perto de Laura. Sempre foram. Mesmo ainda menina, era sempre ela quem mandava. Mandava em mim, mandava nos outros. E eu gostava. Ah, como eu gostava. Era alguma coisa entre os olhos convictos e o corpo atraente. Talvez até a voz, sempre decidida. Tão linda. Ainda hoje é muito disso. Mas, já é tão outra. Não é mais a minha Laura, é... a Laura.
Ela desistiu de me perguntar. Sei que não desistirá das respostas. De obtê-las, e as terá. Ela sabe que não gostará delas, mas as quer. De qualquer maneira. Isso me angustia. Devia eu fugir, fugir de mim. Seria inútil, ainda sou dela. Como no começo, como sempre.
Acho que é a primeira vez que a vejo assim. Os esmaltes gastos, o cabelo preso em desalinho. Até os olhos parecem pedir descanso. Por quê? Queria saber por que. Fiz falta? Está braba? Triste? Só insônia? Não queria ser redundante, mas volto a elogiar seus olhos. Sim, seus olhos. Quando me questionam já não são tão azuis, tão imensos... Mas, continuam lindos. Ainda me fazem sorrir, ainda me pedem que eu me entregue, mergulhe, invada-os. Laura não quer, ou diz não querer. Seus olhos... a traem. Seus olhos ainda me desejam. Eu sei, eu sinto. Mesmo quando fecho os meus, quando abaixo a cabeça. Eu irrito Laura. Ela grita, implora que eu fale. Diz que meu silêncio a machuca, que para quem só queria seu bem, tenho lhe feito muito mal. Eu sinto muito. Não digo, mas sinto.
Eu sinto que chegamos a um beco, sinto que ela busca a saída. Eu, talvez mais coerente, desisto. Desisti a muito tempo. Talvez quando Laura virou mulher. Eu gostava da menina. Era a menina que segurava minha mão quando tinha medo, não confessava, jamais confessaria, mas eu sabia, comigo ela se sentia segura. Era a menina que se lambuzava com sorvete, eu gostava de limpá-la. Ela ficava envergonhada, sorria tímido. Tinha vergonha de mim? De se sujar ou de eu limpá-la? Não me importava saber. Eu gostava era de vê-la sorrir. A menina sorria tanto, o tempo todo, por qualquer motivo. Um dia, mesmo em seu sorriso, eu vi que já não era a minha menina. Ela não falou nada, não era preciso. Ambos sabíamos. Ainda hoje a vejo esconder. Inútil. Ela sabe que eu sei. Deixou de ser minha menina e é por isso que hoje quer tanto minhas respostas. Não as quero dar, e digo.

Ana Kita

-> 2.

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