quinta-feira, 22 de julho de 2010

amor perfeito - Ana Kita


Ela via em cada homem a possibilidade de ser mãe. Na verdade, não via, mas procurava. A cada encontro investigava se o sujeito tinha condição de gerar bons descendentes. Perguntava da família, interessava-se por doença hereditária, queria saber como foi na escola. Os homens estranhavam, alguns se divertiam com as perguntas tão inesperadas, poucos desconfiavam das reais intenções. O maior divertimento dela era pesquisar sobre estudos genéticos, todos os dias aproveitava seu tempo livre para entender melhor as características que comprovadamente vinham de herança genética. Frustrava-se ao perceber que cada vez mais os pesquisadores se contradiziam, alguns colocavam a mão no fogo que tais doenças vinham nos genes, outros consideravam isso absurdo. Acabou desistindo das pesquisas, trouxesse a genética o que fosse, importante tornou-se o pai.
Ela buscava em cada homem um bom pai. Os segundos encontros eram sempre em parques ou festas públicas, queria colocar o possível namorado em confronto com bebês chorando, meninas brincando, meninos correndo, crianças lambuzadas. Ao primeiro choro estridente ela corria a fazer algum comentário negativo do tipo: “nossa, que bebê chorão”. Esperava do sujeito uma negativa, queria o milagre de que ele dissesse que as crianças são assim mesmo, gostaria mesmo que ele não se importasse. E todos a decepcionavam. Àqueles que em outros quesitos não tinham ido tão mal ela dava uma nova chance, começava a perguntar sobre as crianças na família, se ele já pensava em ter filhos, como ia o trabalho. Alguns chegavam perto de seres bons, mas ela ia ficando mais exigente, e mais velha, e via na TV que quanto mais tarde a mulher tem filhos mais chance de Síndrome de Down, por exemplo. Ela ia se desanimando, esperando mais dos homens, os homens oferecendo menos.
Numa viagem a uma cidade próxima ela o conheceu. Ele não era do tipo “quero casar e ter filhos”, mas tinha um sorriso lindo, braços fortes, ah, um beijo... E foi assim, assim sem mais nem menos, no quarto do hotel, com o homem do final de semana, num mês em que falhou com o anticoncepcional que ela, finalmente, engravidou. Percebeu logo, confirmou no laboratório e se assustou. Ela nem pensava em voltar a vê-lo, ele nem ligou. Ter o bebê de um sujeito que ela nem entrevistou? Ele era bonito, simpático, mas e se a família sofresse de algum mal? E se ele não quisesse assumir? Abortar? Procurar um outro pai? Entre procurá-lo pra contar ou tirar logo o bebê, ela não fez nada. As dúvidas vinham e iam, e ela esperava, nem sabia o quê.
Fazia quase dois meses que eles não se viam, ele ligou pra ela, disse que estaria na cidade no próximo final de semana, falou do lançamento de um filme. Cinema? Ela se surpreendeu, ele a procurou, combinou um programa legal, bom, ela aceitou. Foram ao cinema, depois a uma pizzaria, divertiram-se muito, foi um sábado legal. Ele a deixou em casa, convidou para um almoço no dia seguinte, não tentou ficar e ela não contou. Almoçaram num restaurante bonito, a conversa era agradável, a comida gostosa. Ela decidiu falar. Ele pareceu tão tranqüilo, não se exaltou. Não fez propostas absurdas, disse apenas que não pensava em ser pai já – o já a animou -, mas se aconteceu que fizessem disso o melhor possível. O plural iluminou a tarde, passearam na pracinha, ele perguntou se ela se sentia bem, ela contou que nem tivera muitos enjôos.
Ele começou a visitá-la todo final de semana, trazia bombons, dizia o quanto ela estava linda. Foi no quinto mês que ela descobriu que era um menino. Ficou preocupada, agora exigia um pai, ser mãe de uma menina ela se sentia capaz sozinha, mas um menino, ah, um menino pedia um pai presente. Ela ligou, e contou no meio da semana, ele ficou feliz, perguntou se ela torcia pra algum time, ela disse que só o da cidade, ele perguntou se ela tinha algo contra o Flamengo, ela disse que tanto fazia. No final de semana, ele trouxe um sapatinho rubro-negro, o primeiro presente do papai para o bebê. E foi ali, sentado na cama, com o sapatinho sob a barriga dela, que ele a conquistou. Não tinha sido planejado, talvez ele nem passasse pelos critérios dela, mas era assim, era ele o pai do filho que ela tanto desejava, e era muito bom que fosse assim.
A barriga crescendo, ela cada dia mais feliz, planejando o quartinho, escolhendo - com ele - o nome. Novamente num almoço de domingo, ela começou um assunto de que tinha dificuldade de falar, mas que gostaria. Sugeriu, bem suavemente, que se sentia sozinha. Que a casa era grande, que quando voltava do trabalho só a TV lhe fazia companhia. Ele não fugiu do assunto, entendeu muito bem, e foi direto ao ponto, perguntou se ela preferia uma nova casa ou se ele podia morar com ela. A escolha foi a casa dela, já estava quitada, era espaçosa. Em um mês ele transferiu o emprego para uma filial na cidade, vendeu o apartamento onde morava, trocou de carro, arrumou suas coisas e veio morar com ela. Mobiliaram o quarto do bebê e dividir a cama tornou-se um prazer.
Na sala de cirurgia, entre uma contração e outra, ele segurava a mão dela, tentava acalmá-la, ela respirava fundo. Ela olhou nos olhos castanhos dele, e entendeu tudo, não dava para explicar, mas disse a ele que o amava. Os olhos dele se encheram de lágrimas, e o bebê nasceu no meio de todo aquele amor. Amor construído, amor que o destino escolheu, amor de plantinha que agora florescia. Eis mais um flamenguista no mundo, na verdade, aos oito anos ele seguiu o padrinho e decidiu ser vascaíno. De uma forma ou de outra, ele cresceu num lar de amor e ensinou a mãe que o amor perfeito nos encontra.

Ana Kita

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