segunda-feira, 26 de julho de 2010

Carta ao vizinho: Educação e paciência

Joinville, 26 de julho de 2010.

Caro vizinho,
há muitas pessoas que nunca moraram em apartamentos que alegam nunca querer morar pela "falta de privacidade", pela "proximidade" que pode trazer problemas. Eu, que praticamente morei em apartamentos minha vida toda, nunca vi como tanto problema essa proximidade. Encontro muitas vantagens em morar em apartamento, embora eu sonhe com uma casa pelo espaço, afinal apartamento garante segurança, auxílio de síndico, zelador, vizinhos... Enfim, foi com sua mudança para o apartamento de cima que comecei a enxergar os grandes malefícios de se morar em apartamento. Os primeiros males não eram de sua total culpa, pois o edifício é antigo e qualquer reforma traria consequências desagradáveis. É claro que sua culpa começa quando sua reforma não termina, é prolongada e prolongada, cria piscina e inunda meu apartamento, e por aí vai. Já tem algum tempo, prefiro não remoer o passado.
O que me faz lhe escrever hoje é um problema de agora - apesar do teto continuar úmido e algumas partes da tinta se abrirem, estes problemas finjo ignorar -, de hoje, de ontem e de quase todos os dias: o motor, creio que, da sua piscina. Você tem noção de quanto barulho faz? Eu penso que não. Eu sempre fico pensando que só deve fazer barulho para baixo, porque nem por toda alegria que uma piscina pode proporcionar eu usaria uma fazendo tanto barulho. Eu sou estudante de Letras, eu adoro ler, sou aspirante a escritora... Você acha possível alguém ler com um motor absurdamente barulhento sobre a cabeça? Eu não! Eu tento dormir enquanto está ligado, coloco música, procuro os cômodos onde menos se escuta... Mas, nada! Nada adianta para fugir de seu motor a não ser sair de casa. Você sairia de casa quando tem coisas a fazer nela porque seu vizinho está fazendo muito barulho? Quem sabe uma vez, duas... E todos os dias? Não? Nem eu.
Se hoje lhe escrevo é porque o barulho já ultrapassou toda e qualquer paciência. Eu não consigo ouvir meus próprios pensamentos com seu motor ligado! Como eu sou muito educada e simpática, sua esposa e seu filho podem falar, eu os encontro no elevador e sou pura simpatia, faço desta carta um pedido amistoso. No entanto, aviso que paciência tem limite e seu motor ultrapassa este limite todos os dias, prefiro nem pensar no que pode vir a acontecer. Por exemplo, hoje é meu dia de "voltar às aulas", pensa que eu revi meu material? Pensa que eu estudei para a prova que tenho quinta? Pensa que eu fiz alguma crônica para quarta? Não! Tudo que consegui pensar foi nessa carta, para quem sabe expelir tanta raiva. E não é que o motor desligou? Pois bem, fico feliz... Sabe qual o problema? Eu estou de saída para a faculdade!

Passe bem!
Sua vizinha de baixo,
Ana.

7 comentários:

  1. essas cartas aos vizinhos podem render livro, haha

    adorei, ana!

    beijo!

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  2. escreva mis cartas, alias, amo cartas sejam quais forem os motivos que as façam existir. Nesse caso específico, tome suas iniciativas, use seus direitos, como passo a maior parte do tempo sozinho e lendo e escrevendo, qualquer barulho me incomoda muito. não grito, mas me expresso claramete assim como você. Viver o coletico é um desafio enorme para mim. Parabéns lea forma que transcorreu com as palavras. deixe a carta sob sua porta.
    bj

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  3. Verdade, Ítalo! E livro do tipo que editora acredita e as pessoas compram.

    Obrigada, Aluisio! Cartas realmente são gostosas demais, tanto de ler, quanto de escrever, mais ainda de receber. Estou seriamente tentada a entregar a carta sim, pra sorte do meu vizinho nos próximos dias não devo parar muito em casa. rs

    Beijos a ambos! Agradeço os olhos atentos frequentes!
    Ana

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  4. Eu vejo alquimia aqui Ana, no sentido de que você aproveitou a raiva que sentiu e transformou isso num texto interessante de se ler. Você poderia ter gritado, quebrado uns pratos, batido em alguém... Em vez disso, compartilhou conosco, seus leitores, repartindo assim o peso de sua irritação, e igual magia, a magia da palavra, converteu para arte.

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  5. Ah, siim! Agora entendi, Kawen! ;D
    Que bom então! É sempre um prazer ser "alquimista" então! :D

    Abraços!
    Ana

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