segunda-feira, 12 de julho de 2010

Quanto ao destino e ao fim

   "É preciso pensar o que ninguém pensa, sentir como ninguém sente, e deixar de mentir porque todos mentem. O caminho desbravado é mais seguro, também mais enfadonho, e fadado ao mesmo destino dos demais." ela me disse ontem à noite e hoje ainda posso ouvir. A voz era quase um trovão. Os olhos negros pareciam saltar do rosto angelical como a dizer que não pertenciam àquela alma doce de outrora. Eu fiquei apático, acho que foi o melhor a fazer. Meu silêncio parecia programado por ela, suas frases de efeito e às vezes que me olhou eram cinematográficas. Fiquei esperando o momento em que os créditos começariam a subir. Mas, eles não vieram. Apareceram lágrimas que desciam. As primeiras mais tranquilas, contornando o rosto angelical. As próximas mais rápidas, descendo em correntes sem fim. Borraram a maquiagem, trancaram o trovão, avermelharam o arrebitadinho central.
   E eu ali, assistindo, mantendo-me distante. Ela sofrendo, e desfalecendo. E eu quieto, observando os traços úmidos e escuros debaixo dos olhos. Ela tremendo, e gemendo. E eu pensando que eu podia ficar ali por horas admirando sua beleza a escorrer. Na minha mente não havia dor, eu a olhava e via a maquiagem borrando, as gotinhas brilhantes descendo, os lábios ainda mais vermelhos e grossos... Era tudo tão bonito na posição em que eu estava. Ela não aguentava mais, ela gritou, xingou e por fim me deu as costas, abriu a porta e disse que não voltaria mais. Passou muito tempo até que eu percebesse que era sério, que eu a tinha deixado partir. Percebi então que ela sofreu e muito, que ela queria ficar, que se eu tivesse lhe dito qualquer coisa poderia ter amenizado sua dor. No entanto foi ela - e não eu - quem determinou que este era nosso destino final, o mesmo dos demais.

Ana Kita

Nenhum comentário:

Postar um comentário