segunda-feira, 14 de junho de 2010

O interior nervoso

Ele enrolava o cabelo, vermelho, talvez pensasse outras cousas, senão o texto que devia. Devia? Penso que não, posto que eu também não pensava no tal texto. Ali ao lado, outro dedo - de outra pessoa - enrolava o próprio cabelo,  penso que por ler o tal texto. Já não importa. Voltando... Vermelho, não só o dedo mexia compulsivamente, também as pernas. Leu rápido, mais mania que sensação, diria eu. Sente assim, tudo corrido, tudo intenso, diferente de mim, igual. Se havia tanto movimento, nervosismo, lembranças, a responsabilidade era dele própria. E não somos todos assim? Fazemos por merecer, queremos e merecemos, vivemos.
Eu ficava parada, tranquila. Vez por outra os dedos viravam a página, procuravam a leitura, escreviam estas palavras. Meus olhos rumaram a ele. Os dele me negavam, alegravam-me. Tão pura leitura, tão único sentimento aqui e ali. Já não sentia como ele e eu, nem distância. Havia mesa, cadeiras, pessoas, contudo só sentia nós, um único nós. Sem nó, sem cobranças ou exclamações, um sentimento leve, reticência e calado.
O tal texto era sublime. Um clássico, digno de lembrança e releitura. Merecedor, confesso, de referência, mas me calo. O silêncio, pouco comum e muito difícil em meu tempo, é uma dádiva a qual exercito, tento. Sei - respondendo aos que me conhecem bem - que ando em falta, fora de forma. Juro, no entanto, que neste assunto faço uso e muito. É aquela ideia de que não tomar decisão é decidir também, não responder é uma resposta. Portanto guardar tal segredo é um compartilhamento - não busque entender, amigo leitor.
Lia o texto, em voz alta. Acometia meus instintos de contato, de revelar-me. Só meus olhos me entregavam, nem meus dedos, nem meus lábios. Ninguém olhou-os, ninguém vê. Feche os olhos, amigo leitor, agora. Lembre a última leitura com outras pessoas, espero que não haja muito tempo, e busque suas lembranças. Não se lembrará dos olhos, tão pouco de um olhar encantado, envolvido, confessado. Lembrará, como eu, das vozes, espero que do texto, dos dedos, dos risos, talvez de um cheiro, um ruído, palavra ou outra. Lembrará do motivo, da chega e da partida, do horário se for metódico. Se romantizado do clima, do seu estado de humor, e de alguma palavra sua, um nome, uma outra história, uma personagem. Não se desculpe, nem sinta-se bem ou mal. É a alma humana por trás do leitor. Atrás destas palavras encontrará poesia ou uma menina, refletirá você ou outro texto. Corre, traz (...), vai atrás da sua lembrança e leia novamente. Se as pernas permanecerem ansiosas, corra.

Ana Kita

2 comentários:

  1. a leitura e tudo o que ela pode proporcionar.

    encantador!

    (...)

    salutar.

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  2. hehehe
    Sim, sim!
    Ela proporciona muito muito!
    Falando nisso, sábado chegando... \o/

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