sexta-feira, 2 de julho de 2010

Calada, Laura

Por um momento eu penso em falar. Não daria as respostas, nem as que Laura espera, nem as verdadeiras. Mas, eu diria. Diria algo que a fizesse sorrir, que fosse verdade. Não sei o que eu diria, ainda assim pensei em falar. Antes disso Laura começou a falar. E não quer mais parar. Por que a maltrato? Ela me pergunta, sem que eu possa responder. Se eu não ia rever nosso passado por que nos encontrarmos? Como eu podia amá-la se hoje fico apático ao amor dela? Por que eu não respondo? Ela não sabe, tampouco eu. Os lábios dela se mexem com uma delicadeza. Parece tudo planejado para fazê-la ainda mais bela em seu discurso quanto “ao amor que morreu”. Eu quero gritar que não morreu, mas não posso. Ela não para de falar.
Mais um susto. Nunca vi Laura chorar. Eis que seus lindos olhos começam a brilhar mais, melancólicos, raivosos. E uma primeira lágrima escorre sobre o blush, uma lágrima de desespero. Meu dedo indicador corre a secá-la, mas Laura impede. Ter sua lágrima secada por mim seria uma prova de fragilidade, talvez. Ela fica muda. É como se não apenas parasse de falar, ela tira a cor do mundo. Eu me sinto mal. Até então ela continuava a mulher forte, e agora é meia menina, meia mulher. Toda minha. Minha culpa, ela diz.
Meu olhar confessa a culpa, sem que eu a entenda. Laura sente. Sente-se vitoriosa, agora sou eu o culpado e ela uma vítima. Vítima? Vítima fui eu, por tantos anos. Amava uma menina numa mulher forte demais, uma muralha, a torre mais alta dos sonhos. Aproximo minhas mãos quentes das dela, sobre a mesa. Tão brancas, frias, trêmulas. Seus olhos penetram nos meus, continuam a me perguntar. Agora com a doçura de uma menina. Cruel, ela sabe como me ganhar. Aqueço suas mãos entre as minhas, protejo-as. Fujo meus olhos dos dela, temo-os. Temo qualquer dor que eu possa ver neles, qualquer dor que possam me provocar. Mais uma lágrima escorre por seu rosto, do outro lado agora. Lembrou-me Raimundos. Apunhalou meus instintos. Aproximo nossos corpos mais uma vez. Sinto o coração de Laura saltar. Já não sei se é raiva, tristeza. Se é a menina ou tesão. Este eu também sinto, demonstro. Queria beijá-la, queria esquecer esta conversa chata, o futuro e o passado. Ela não permitiria, eu sei. Ela então me pergunta do que tenho medo. É uma pergunta diferente, chama minha atenção.
Do que tenho medo? Do quê? Sei que tenho medo, muito medo. Não sei expressar o quanto, não sei precisar do que. Temo não a ter em meus braços novamente. Temo que a distância seja irreversível. Temo que seu amor a mim seja só reflexo. Temo que as mágoas tenham se camuflado com o tempo e de repente apareçam. Temo que já não seja minha. Temo que esqueça nossa canção. Temo que tenhamos perdido o laço que nos unia. Temo que nos esqueçamos, como uma troca de estação. Temo que a conversa não flua como antes. Temo que outros a amem. Temo que não tenha sentido minha falta. Temo que me ache pouco.
São os olhos, outra vez secos, atentos de Laura que me mostram que eu pensava em voz alta. E temo. Fico um minuto em silêncio, como caindo em mim. Ela me acompanha, quem sabe ruminando minhas palavras, quem sabe suportando a dor de possíveis apunhaladas. Não quero mais seus olhos. Sinto que só eles poderão falar por Laura e já não a quero ouvir. Eu falei demais. Ela está satisfeita agora. Eu infeliz. Meus olhos caem sobre suas coxas. Brancas e grossas, ainda me despertam desejos.

Ana Kita

->4.

2 comentários:

  1. Oi Ana, tudo bem? Fico muito, muito feliz que meu texto tenha te estimulado a prosseguir na leitura. é como diz você e o próprio texto: vc a princípio, ficou ali na bifurcação, dividida entre prosseguir ou não e resolveu dar "querer" ao seu desejo. venceu a dúvida e leu. isso é bacana. você se venceu e encontrou, como vc diz, a benção de ter se encontrado na leitura. acho que é isso: a bifurcação é um mistério, né? e às vezes é importante aceitar a ideia do desconhecido...que se pode ser ruim, pode ser bom também. fico muito feliz que ao final, tenha se surpreendido com seu próprio passo.
    que legal que conhece o Italo :)) ele é um querido :)) prazer em te conhecer, então! e escreva, como diz a música: "sempre, sempre, sempre MAIS" escrever é uma dádiva. lápida nosso olhar e nosso diamante interno. um beijo grande, Clô

    ResponderExcluir
  2. Tudo bem! Obrigada!
    É sim, um mistério! Um grande e estimulante mistério... E muitas bifurcações! :D
    Escrevo sim, e sempre mais! :D

    Beijo!
    Ana

    ResponderExcluir