quarta-feira, 11 de agosto de 2010

Andar - Ana Kita

   Eu tinha a mania, ou o costume, o hobby, como preferir chamar, não mais me pertence o nome tanto faz. Enfim, eu tinha essa coisa frequente de imitar as pessoas na rua. Não, não é bem isso. Essa minha coisa era imitar o jeito de andar das pessoas. Nunca fui desses "Sombras", nem profissional, nem amador. Eu era só um sujeito observador, discreto na medida do possível - sabemos bem que homens sofrem para observarem discretamente -, que depois de identificar um andar interessante passava a imitá-lo. Fosse um andar apressado, um andar feminino, um andar desleixado... Fosse o andar que fosse, eu só queria um andar diferente. Nunca fiz psicologia ou psiquiatria, contudo eu mesmo via nesta minha atitude uma falta de personalidade. As pessoas que me conheciam nunca identificariam o jeito que eu andava, até aquela época eu não tinha um jeito de andar. Mais vezes que trocar de roupa eu trocava a maneira de andar, e nunca fora criativo, queria seguir o passo do desconhecido ao pé da letra - ou ao pé dele mesmo.
   Era uma falta de personalidade tão grande que eu nem ficava mais tempo num passo ou revia depois de alguns dias. Era uma imitação imediata, eu via, admirava, aprendia olhando e logo que a pessoa saísse do meu campo de visão eu já passava a andar como ela. Podia ser uma espécie de equilíbrio com o meio ambiente, a pessoa saía do ambiente e eu tentando repor sua pressão "sob o universo". Isso é loucura, eu já sabia há muito tempo, mas era mais forte que eu. Às vezes, à noite, eu ia encontrar alguns amigos e perdia a hora imitando novos passos pelo caminho. Depois eu tinha sempre uma desculpa esfarrapada, ninguém acreditaria na história real.
   Alguém pode se perguntar como eu perdi tal mania, costume, hobby. E foi da pior maneira. Eu desde moleque fazia isso, se houve alguma vantagem foi a de trabalhar minha habilidade de observação, de uma forma ou de outra, eu podia olhar passos por segundos e aprendê-los. Eu devia ter feito dança, talvez me livrasse desta coisa e não me faria um sujeito ainda mais transtornado. O fato é que num domingo - sempre odiei domingos, e não era pela proximidade com a segunda-feira, era por haver menos pessoas nas ruas, mais difícil encontrar um bom jeito de andar - encontrei um sujeito estranho, a princípio achei que estivesse bêbado ou que precisasse de ajuda, depois ele pareceu fugir de mim, mas seu jeito de andar... Ah, seu jeito de andar era único, tão firme e ao mesmo tempo despretensioso. Ele conseguia andar rápido ou lento da mesma forma, encantadora. Eu precisei segui-lo, por mais que eu observasse não conseguia aprender seu jeito de andar. Onde estava toda aquela magia? Ele começou a ficar nervoso, apressava o passo e eu atrás querendo aprender. Eu só queria aprender. Pela primeira vez tentei imitar antes mesmo do sujeito sair da minha vista, e não consegui. Parecia complexo demais ou subjetivo, mas ao imitá-lo eu passei a ser um sujeito andando esquisito e não um sujeito andando tão incrivelmente quanto ele. Ele entrou numa rua estreita e escura, eu entrei também, ele olhou pra trás, tinha um olhar assustado, eu tinha um olhar preocupado e... Ele foi atropelado, assim que chegou na avenida, um carro numa velocidade absurda. Eu corri - de um jeito qualquer, transtornado -, pro lado oposto. Fiquei horrorizado.

Ana Kita

2 comentários:

  1. que conto, amiga Ana
    fui longe, me vi andando
    nao sei do meu andar
    so sei andar andando
    nao gosto, pra dizer a verdade
    corro no mais das vezes
    qto a tua escrita
    esta na se imita nem se alcança a distancia do sonho
    apenas vislumbro com alumbramento e encanto
    bj grande

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  2. Aiin, que querido, Aluisio!
    Muito muito obrigada!

    Beijos!
    Ana

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